Crianças da educação infantil aprendem um caminho para a convivência e o respeito às diferenças
Com o intuito de colaborar com a construção de uma identidade positiva e de uma verdadeira autoimagem das crianças, as professoras da EMEI Prof. Arlindo Veiga dos Santos desenvolvem atividades significativas com as crianças e seus familiares que privilegiem o respeito às diferenças e à diversidade presente na sociedade brasileira.
Partindo da proposta da Escola, que é trabalhar com a questão da diversidade, sobretudo aquela que diz respeito à questão etnicorracial, cuja base está na Lei no 10.639, de 9 de janeiro de 2003. Essa lei garante o direito a todas as crianças de aprenderem sobre a cultura e história africana e afro-brasileira, como também a conviver e respeitar as diferenças. Por meio de propostas diversificadas, oferecemos às crianças a oportunidade de elas conhecerem mais sobre si e seus colegas. Para isso, desenvolvemos com as turmas de segundo e terceiro estágios (crianças de 4 e 5 anos) um conjunto de atividades, intitulado “Resgatando Minhas Raízes”, propiciando a reflexão e a pesquisa sobre suas origens, cuja participação da família se deu pelo levantamento de fotos, pelo compartilhamento de informações e pela construção de bonecos de pano que os representaram fisicamente.
Nosso objetivo era resgatar e valorizar a identidade, independentemente das diferenças etnicorraciais entre os grupos. Com esse movimento pretendíamos modificar hábitos preconceituosos, promovendo o respeito às diferenças, bem como a interação e a participação da família na Escola. Articulamos diversos campos de experiências garantir que as crianças se apropriassem do tema de forma significativa.
Partindo da convicção de que a parceria com a família seria fundamental para iniciarmos o projeto, convidamos os pais das duas turmas para uma reunião na qual explicamos a proposta e afirmamos a importância da participação de cada um.
Estávamos apreensivas quanto à adesão dos familiares, mas nos surpreendemos com a empolgação dos presentes. Nesse encontro, propusemos uma atividade. Para isso, oferecemos um molde para que os pais confeccionassem com os filhos bonecos que representassem a diversidade na Escola. Apresentamos os bonecos e as bonecas disponíveis na Escola. Ao final da reunião muitos já combinavam entre si como e onde encontrariam os materiais.
Com as crianças, realizamos rodas de conversa sobre diferenças e semelhanças entre elas. Percebemos que algumas não estavam atentas a questões como cor, altura, cabelo, mas sim a roupas e gostos. Outras rapidamente relatavam as características físicas de cada criança, ressaltando as diferenças entre o grupo.
Isso ficou muito claro durante uma atividade na qual solicitamos que algumas crianças ficassem de pé para que o grupo pudesse observá-las e, assim, tivesse condição de refletir sobre as diferenças entre um colega e outro.
Depois da primeira conversa, sugerimos a formação de grupos organizados pelas características físicas observadas. Obtivemos as seguintes falas:
– A cor da pele é diferente!
– Elas são meninas e eles, meninos.
– O Pedro parece com a Daniela, ela é japonesa.
– O cabelo da Maria é preto.
– Um é moreno, o outro é branquinho.
– Ela tem a pele preta e ele tem a pele branca.
– Ele é preto porque ele é escuro e tem raça preta.
O colega fechou a cara e respondeu:
– Eu sou moreno!
– O cabelo dele é preto, o dela também, mas é enroladinho.
– Parece olho de japonês (puxando os olhos com as mãos).
Curiosamente, ao perguntarmos para a aluna de onde a família dela tinha vindo, a resposta foi:
– Japonesa.
Ou seja, nem mesmo ela conhecia suas origens. Sua família é boliviana!
Aproveitamos as falas para ampliar o conhecimento das crianças, esclarecendo a questão presente e utilizando o vocabulário correto referente a diferenças de raça, cor (preto, negro), nacionalidades (japoneses, bolivianos etc.).
Problematizamos mais ainda, questionando as crianças sobre o porquê dessas diferenças. O que elas sabiam ou imaginavam sobre elas? De onde viriam? As respostas foram as mais diversas:
– Dos pais, professora!
– Não é só do pai, é também da mãe, né professora!
– É a mistura de raças, professora! (falou gritando)
Nesse começo de conversa, surgiram várias questões interessantes que fomos explorando ao longo do trabalho. A partir daí, passamos a registrar as atividades por meio de desenhos, fotos, recortes e colagens, entre outros, registro esse importantíssimo para a produção do acervo que posteriormente seria apresentado aos pais. Num primeiro momento, trabalhamos com o autorretrato: pretendíamos saber como cada criança se percebia.
Depois realizamos uma atividade na qual elas puderam se tocar e sentir a textura do cabelo, da pele, e, em seguida, desenharam-se uns aos outros. Foi curioso perceber que apesar de algumas crianças relatarem oralmente questões quanto à cor da pele e dos olhos, em seus desenhos o faziam de forma diferente: pintavam o cabelo preto do colega de amarelo ou verde, por exemplo. Enquanto registravam, aproveitávamos para questioná-las e fazê-las refletir sobre suas escolhas.
Um aluno branco pintou um colega negro de cor-de-rosa. Quando questionado, respondeu: – É porque não tem a cor dele, professora. Apresentamos a capa do livro Histórias da Preta, de Heloisa Pires de Lima, com a ilustração de uma menina negra e, na contracapa, um texto em que a autora dizia que a pele da Preta era marrom.
Então problematizamos se o lápis cor-de-rosa era a cor da pele de alguém, e uma das crianças completou:
– Tem várias cores de pele, nem todo mundo é rosa.
Nesse momento, passamos a apresentar modelos ilustrados em livros de pessoas de etnias diversas. Lemos o livro Menina bonita do laço de fita, de Ana Maria Machado, que nos permitiu fazer um recorte para a questão da ancestralidade na constituição de nossos traços físicos.
Uma das obras que mais suscitou questões interessantes foi o conto Pérolas de Cadija, de Joel Rufino dos Santos. Os alunos logo relacionaram esse conto ao conhecido conto de fadas Cinderela:
– Professora: Vocês conhecem alguma história parecida?
– Aluna: Eu conheço, professora, a Cinderela.
– Aluno: O anjo da guarda da Cinderela era a fada que fez um vestido lindo para ela ir ao baile.
– Professora: E quem era o anjo da guarda de Cadija?
– Aluno: O djin.1
Ao percebermos que a questão da cor da pele era a que mais interessava às crianças, aprofundamos a temática, apresentando livros que abordavam a cultura africana: lendas, contos, culinária, músicas, brincadeiras, para que pudessem observar as diferentes representações visuais dos traços característicos dos povos africanos. Também assistimos ao filme Kirikú e a feiticeira, de Michel Ocelot. Nele, além de se identificarem com as peripécias das personagens, as crianças puderam observar alguns elementos da cultura africana e a diversidade de tons de pele e biotipos presentes em uma mesma etnia.
Para avaliar os aprendizados das crianças ao longo do processo, propusemos novamente algumas atividades, como o autorretrato, que nos permitiu perceber que o olhar em relação a si e aos demais havia mudado. Enquanto desenhavam, as crianças observavam o tempo todo os desenhos uns dos outros e trocavam sugestões:
– Você tem pintinhas no rosto! Você tem que fazer! (para a colega ruiva com sardas no rosto).
O traçado nos desenhos melhorou muito; a proporção e a preocupação com os detalhes também foram ampliadas significativamente. Para tratarmos o tema da miscigenação do povo brasileiro conversamos sobre a colonização do Brasil, apresentamos um mapa-múndi, destacando o País e o continente Africano. Representamos a relação entre ambos, explicando resumidamente o processo de escravização dos negros e a forma como foram trazidos para o Brasil. Construímos juntos barcos de papel para representar os navios negreiros, explicando sua rota. Enquanto recuperávamos um pouco de nossa história, procurávamos sempre ressaltar a cultura africana e sua importância para a nossa formação.
Ao longo das atividades criamos um banco de palavras africanas com as crianças: Cadija, Kirikú, Cobongo, savana, Obax (que significa flor), Nafisa (que significa pedra preciosa), baobá (nome de uma árvore), entre outras. Waldete Tristão Farias Oliveira, a coordenadora pedagógica, nos ajudou a coletar materiais pedagógicos, livros sobre a temática e nos apresentou Roberta Viana, Arte-educadora do Ponto de Cultura Ilú Ònà – Caminhos do Tambor da Associação Ilú Obá De Min – Educação, Cultura e Arte Negra para nos ajudar com a questão da musicalidade.
Roberta apresentou ao grupo de professoras do 3º turno a proposta de formação da instituição nas parcerias que eventualmente realizam com as escolas, bem como ministrou oficinas de danças brasileiras às crianças de nossas turmas. Foi uma vivência muito rica para todos, pois pudemos conhecer a origem das danças Cacuriá e Maculelê, de influência marcada pela cultura de matriz africana e afro-brasileira.
As crianças foram receptivas à professora: participaram com entusiasmo e aprenderam com facilidade o Cacuriá, pois se trata de uma brincadeira de roda. Já para o Maculelê foi preciso primeiro aprender a manusear os bastões. Trabalhamos a letra das músicas em pseudoleituras e por meio de um CD de áudio cedido pela Roberta. Aproveitando a musicalidade das danças, exploramos instrumentos musicais como berimbau, caxixi, agogô e reco-reco.
Em uma das vezes em que ela esteve na Escola, fomos presenteados com uma apresentação da Roberta tocando djembé. Trata-se de um instrumento muito antigo, um tipo de tambor originário da Guiné, na África Ocidental. As crianças dançaram ao redor dela encantadas com o toque do tambor!
Confeccionamos diversos painéis com recortes de revista, desenhos e resultados de nossas pesquisas sobre o povo brasileiro e sobre o continente africano. Os pais enviaram fotos de família que serviram de tema para rodas de conversa sobre a miscigenação da turma.
Outro achado importante nas pesquisas foi descobrir que a cocada é um doce originário da cultura africana. Decidimos, então, preparar uma receita simples com as crianças para que todas as pessoas da Escola pudessem degustá-la. Finalmente, chegou o dia da entrega dos bonecos: uma grande festa! Recebemos bonecos dos mais variados estilos e formas. Algumas famílias os confeccionaram com meias, retalhos; outras produziram bonecos bem sofisticados, mas a grande maioria colaborou com a nossa solicitação.
As crianças compartilharam conosco o processo de confecção de seus bonecos. Algumas mães tiveram o cuidado de vesti-los com roupas que os filhos usaram quando bebês, em clara demonstração de afetividade entre as famílias e seus filhos. Recebemos também alguns relatos das famílias sobre suas experiências com os bonecos e as crianças.
Foi muito gratificante ver as crianças brincando com os bonecos, trocando-os entre si, demonstrando muito cuidado e respeito ao manuseá-los. Por fim, o encerramento do projeto aconteceu no Dia da Família na Escola. Trata-se de uma data instituída pela Lei no 13.457, de 27 de novembro de 2002, que deve fazer parte do Calendário de Atividades dos Centros de Educação Infantil, das Escolas Municipais de Educação Infantil, das Escolas de Ensino Fundamental, de Ensino Fundamental e Médio e de Educação Especial da Prefeitura de São Paulo. Esse evento tem o objetivo de estimular a participação das famílias das crianças e jovens nas questões e nos problemas da comunidade escolar. Para nós, é uma oportunidade sem igual para divulgarmos os trabalhos realizados com as crianças, as pesquisas, as danças e os bonecos confeccionados.
A participação das famílias foi surpreendente! Como lembrança da visitação à sala de exposição dos trabalhos, distribuímos a receita da cocada que as turmas prepararam. As crianças realizaram uma apresentação das danças aprendidas e, ao final, cada uma delas convidou um familiar para dançar. Foi um momento muito especial, pois cada criança pôde ensinar um pouco daquilo que aprendeu. Era visível o orgulho de ambos ao dançarem juntos. Num painel deixado no pátio da festa, os visitantes puderam deixar comentários.
Após a exposição o tema foi retomado em sala de aula para avaliar o projeto e a devolutiva das famílias. Com a proposta as crianças aprenderam a valorizar suas origens; conheceram um pouco mais sobre si, seus amigos e nosso País. Em ações e atividades percebemos o quanto o imaginário das crianças havia sido ampliado (novas histórias eram encenadas, sem personagens estereotipadas) e observamos significativas mudanças em seus hábitos.
(Eudivanir Leite Assumpção Costa e Priscila dos Santos Silva, professoras de Educação Infantil na EMEI Prof. Arlindo Veiga dos Santos em São Paulo-SP)
1Espécie de gênio ou entidade mágica dos contos de origem africana e árabe.
Kirikú e a feiticeira
Baseado em uma lenda da África Ocidental, Kirikú e a feiticeira é uma animação que narra a história de um garoto pequeno, muito inteligente e com dons especiais. Curioso, ele questiona a situação de medo que assola a sua aldeia e corajosamente enfrenta a cruel feiticeira Karabá, considerada a responsável pela seca da fonte e das plantações e pelo sumiço de todos os homens da aldeia. Com a ajuda de alguns amigos e seres fantásticos, Kirikú vai encontrar soluções inusitadas e descobrir que, muitas vezes, a origem da maldade é o sofrimento e que só a verdade, aliada à inteligência, pode vencer a dor e as diferenças.
Kirikú e a feiticeira, direção de Michel Ocelot. Países: Bélgica, França e Luxemburgo. Duração: 71 min. Ano de produção: 1998.
Ilú Obá De Min
Ilú Obá De Min – Educação, Cultura e Arte Negra, entidade feminina, sem fins lucrativos, surgiu ao longo de 20 anos de pesquisa-ação desenvolvida com variados grupos sociais, tendo como base as culturas de matriz africana e afro-brasileira. O objetivo da entidade é preservar e divulgar a cultura negra no Brasil, mantendo diálogo cultural constante com o continente africano por meio de instrumentos, dos cânticos, dos toques e da corporeidade, além de abrir novos espaços, de maneira lúdica e responsável, visando ao fortalecimento individual e coletivo das mulheres na sociedade.
Fonte: Ilú Obá De Min. Disponível em: www.iluobademin.com.br
O que é o Cacuriá?
Cacuriá é uma dança de roda, cujo ritmo é dado por caixas. Nela, uma pessoa introduz a ladainha e é seguida pelos participantes que, além de dançar, respondem ao coro. A dança pode ser feita aos pares ou em formato de roda. Tem origem africana e é muito conhecida em algumas regiões do Maranhão.
Fonte: Jangada Brasil. Disponível em: www.jangadabrasil.com.br/revista/agosto69/fe69008c.asp
O que é o Maculelê
O Maculelê é uma dança, um jogo de bastões remanescente dos antigos índios cucumbis. Esta “dança de porrete” tem origem Afro-indígena, pois foi trazida pelos negros da África para o Brasil e misturada com a cultura dos índios que aqui viviam. A característica principal dessa dança é a batida dos bastões uns contra os outros em determinados trechos da música que é cantada e acompanhada pela forte batida do atabaque. Essa batida é feita quando, no final de cada frase da música, os dois dançarinos cruzam os bastões batendo-os dois a dois.
Os passos da dança se assemelham aos do frevo pernambucano: são saltos, agachamentos, cruzadas de pernas etc. As batidas não cobrem apenas os intervalos do canto, elas dão ritmo fundamental para a execução de muitos trejeitos de corpo dos dançarinos.
Fonte: 360 Graus. Disponível em: http://360graus.terra.com.br/geral/default.asp?did=2053&action=geral
Ficha Técnica
- Emei Prof. Arlindo Veiga dos Santos
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Fax: (11) 3984-9879
Coordenadora pedagógica: Waldete Tristão Farias Oliveira
E-mail: waldetetristao@uol.com.br
Professora: Eudivanir Leite Assumpção
E-mail: eudivanir@ig.com.br
Site: emeiprofessorarlindoveiga.webnode.com.br/
Para saber mais
Livros
- A semente que veio da África, de Heloisa Pires Lima, Georges Gneka e Mário Lemos. São Paulo: Salamandra, 2006.
- Gosto de África: histórias de lá e daqui, de Joel Rufino Santos. São Paulo: Global, 2005.
- Histórias da Preta, de Heloisa Pires Lima. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
- Menina bonita do laço de fita, de Ana Maria Machado. São Paulo: Ática. 1986.