Mãe! E agora, o que é que eu falo?

Saber comunicar-se, fazer pedidos, obter informações são algumas das inúmeras competências comunicativas que todos devem ter. Pensando nessa necessidade, uma professora de São Paulo desenvolveu uma interessante seqüência didática com alunos de 5 anos. Falar ao telefone em inúmeras situações, conhecendo alguns dos serviços que se pode conseguir com um simples telefonema, foi uma importante descoberta dessa turma.

Na creche Santa Terezinha as crianças usam o telefone quando brincam de cabeleireiro

Na creche Santa Terezinha as crianças usam o telefone quando brincam de cabeleireiro

Às vezes pedimos para nossos filhos de 10, 12, 15 anos ligarem para marcar uma consulta com o médico ou uma hora com o dentista, e assim que a secretária atende o telefone ouvimos: “Mãe! E agora, o que é que eu falo?” Muitas crianças não sabem mesmo comunicar-se sozinhas. Pensando nisso, decidimos realizar um trabalho que explorasse as possibilidades da língua oral em situações de comunicação específicas, pensando sobre elas e fazendo interferências quando necessário para que a comunicação fosse cada vez mais clara e coerente.

Saber comunicar-se nas mais diferentes situações requer o conhecimento dos códigos e normas das diversas situações comunicativas. Não falamos em uma entrevista do mesmo modo como conversamos com um amigo íntimo.

Pensei então que seria interessante pesquisar esses códigos com as crianças para que pudessem aprender a se comunicar sabendo o quê e como se fala ao telefone.

A primeira atividade da seqüência

Aproveitando um “telefone de copinhos” que as crianças haviam feito, propus a elas que dramatizassem situações assumindo diferentes papéis, de acordo com a proposta. Preparei o ambiente dispondo objetos, tais como papel, lápis, caneta, lista telefônica, páginas amarelas, pratos, copos, talheres, maleta de médico, bonés, aventais, escova, pente, espelho etc; para que as crianças usassem aquilo que julgassem necessário.

As crianças da turma se espalharam: umas representavam e outras observavam com a tarefa de parar, comentar e intervir quando necessário. Maria estava sozinha em casa, morrendo de fome, então decidiu ligar para uma pizzaria; Nathan trabalhava lá. Ocorreu o seguinte diálogo entre eles:

– Alô, da onde fala? – perguntou Maria
– É da Pizzaria Rafael – respondeu Nathan, do outro lado da linha.
– Eu queria pedir uma pizza de mozarela.
– Qual é o seu número?
– 1858, terceiro andar.
– E o nome da rua?
– Ministro R. A..
– Qual é o seu nome inteiro?
– Maria P. B. de A..

Ana Carolina, uma amiga que ouvia a conversa de longe, interferiu explicando que era necessário o nome inteiro, porque podia haver duas Marias morando no mesmo andar.

– Muito obrigada –, concluiu Maria.
– Tá, eu já vou levar.

Nathan não anotou nada do que Maria lhe disse. Mas pegou pratinhos e talheres para fazer a pizza e saiu para entregá-la. Quando lhe perguntamos qual era o endereço onde deveria entregar a pizza, disse que não se lembrava. Conversando, as crianças que observavam chegaram à conclusão de que o dono da pizzaria – ou quem atendeu o telefone – precisava escrever porque senão podia acabar entregando a pizza na casa errada. Partimos então para uma nova tentativa.

Dessa vez, Marcelo trabalhava na pizzaria e Fernando é quem estava com fome. Fernando fez um pedido enorme: 10 guaranás, 10 cervejas, 10 pizzas de mussarela e 10 de calabresa. Marcelo se lembrou de anotar o nome e o endereço de Fernando, mas não anotou o pedido feito. Quando foi fazer a entrega, Fernando reclamou que estavam faltando cervejas e que a pizza não estava correta. Marcelo não conseguiu se lembrar do que Fernando havia pedido. Ao analisar essa situação, os observadores apontaram a necessidade de se anotar também o pedido feito para que não houvesse confusão na hora da entrega.

Desenho de Ana Carolina

O projeto foi realizado na escola Mopyatã, São Paulo, de março a junho de 1998, e dele participou a professora Mônica Nogueira Camargo de Toledo, sob a coordenação pedagógica de Regina Scarpa.

Desdobramentos do trabalho

Conversando mais tarde com todas as crianças, e partindo do conhecimento que elas já tinham, resgatei as situações vividas na atividade e propus que pensassem sobre a melhor maneira de se comunicar naquela situação. Elas comentaram as interferências dos amigos e sugeriram algumas modificações. Todos os conhecimentos foram incorporados no jogo simbólico que durou semanas. Sugeri, ao final que fizéssemos uma espécie de cartilha para que pudéssemos ensinar as outras crianças a falar ao telefone sem muita dificuldade. As crianças ficaram animadas, pois como disse a Déborah:
“é difícil, tem que pensar num monte de coisas na hora de falar, senão não dá certo…”

Com o tempo fui ampliando o trabalho, explorando cada vez mais as situações comunicativas por telefone: ligar para marcar uma consulta no médico, ligar para o clube para saber sobre as aulas de esporte que podiam fazer, ligar pedindo informações sobre a situação da estrada antes de viajar e ligar marcando hora no cabeleireiro e no barbeiro. Em todas as situações as crianças puderam refletir sobre o que deveriam falar para que a comunicação acontecesse da melhor forma possível.

Achamos que o trabalho com a oralidade foi válido, pois pela primeira vez as crianças puderam se dar conta, conscientemente, da importância de se falar corretamente de acordo com a situação que se tem pela frente. Se as crianças tiverem a oportunidade de se comunicar bastante, de diversas formas, acho que se tornarão bem mais autônomas e confiantes do que tantas outras que pegam o telefone mas só sabem perguntar:
“mãe e agora, o que é que eu falo”?

Construindo textos instrucionais

O trabalho com comunicação deu oportunidade para apresentar às crianças um novo tipo de texto: o instrucional. Propus que pesquisassem livros, manuais, receitas e outros tipos de textos que nos ensinam a fazer alguma coisa. Estava à procura de características comuns que dessem às crianças algumas referências para que pudessem escrever textos instrucionais sobre as diversas situações dramatizadas:

– Esses textos ensinam porque escrevem tudo que a gente tem que fazer – disse Ana.
–A gente tem que seguir uma ordem para fazer as coisas senão dá errado – completou Marcelo.
–Quando uma pessoa vai ensinar uma coisa, tem que explicar pedacinho por pedacinho e a outra pessoa tem que ir seguindo – disse Maria.
– A gente tem que explicar todas as partes do que tem que fazer – comentou Nicholas.

Com base nessas informações, organizaram seus textos e decidiram que as etapas deveriam estar dispostas em itens, pois assim a leitura dos mesmos se tornaria mais fácil. Fizeram um primeiro rascunho em pequenos grupos, que depois foi revisado por outro grupo para que pudessem modificar, acrescentar ou suprimir informações com o objetivo de torná-lo mais organizado e, portanto, mais claro para o leitor. Fizemos também uma pesquisa de ícones que poderiam ser utilizados para representar e ilustrar os textos escritos. E assim fomos montando nossa cartilha, à qual demos o nome de “Como viver na cidade: situações de emergência“, pois, segundo as crianças, com ela “a gente não passa fome, não fica doente, não fica feio, faz exercício e pode viajar sem ficar parado na estrada!”
(Mônica Nogueira Camargo de Toledo, ex-professora do Colégio Mopyatã1)

1Colégio Mopyatã – Educação Infantil, Av. Giovanni Gronchi, 4000; Morumbi, São Paulo, SP, 05724-000,
www.mopyata.com.br, e-mail: mopyata@mopyata.com.br

Textos Instrucionais

“Estes textos dão orientações precisas para a realização das mais diversas atividades, como jogar, preparar uma comida, cuidar de plantas ou animais domésticos, usar um aparelho eletrônico, consertar um carro, etc. Dentro dessa categoria encontramos desde as mais simples receitas culinárias até os complexos manuais de instrução para montar o motor de um avião.(…) Esses textos têm duas partes que se distinguem geralmente a partir da especialização: uma, contém listas de elementos a serem utilizados (lista de ingredientes das receitas, materiais que são manipulados no experimento, ferramentas para consertar algo, diferentes partes de um aparelho, etc.), a outra, desenvolve as instruções.”

(Escola, Leitura e Produção de Texto, Ana Maria Kaufman e Maria Elena Rodriguez, ed. Artes Médicas.)

Para saber mais:

  • Escola, Leitura e Produção de Texto, Ana Maria Kaufman e Maria Elena Rodriguez, ed. Artes Médicas.
  • Psicopedagogia da Língua Oral, um enfoque comunicativo, Maria José Del Rio, ed. Artes Médicas.
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