O conhecimento didático como eixo da formação

O trabalho de formação com educadoras da 4ª série de três escolas municipais, no qual a leitura e escrita foram “práticas vivas e vitais”, possibilitou o estabelecimento de uma nova relação entre ensino e aprendizagem
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“O necessário é fazer da escola um âmbito onde leitura e escrita sejam práticas vivas e vitais, onde ler e escrever sejam instrumentos poderosos que permitem repensar o mundo e reorganizar o próprio pensamento, onde interpretar e produzir textos sejam direitos que é legítimo exercer e responsabilidades que é necessário assumir.
(Ler e Escrever na Escola: O Real, o Possível e o Necessário, de Delia Lerner. Ed. Artmed)

Estabelecer na escola um ambiente em que as práticas de leitura e escrita se instaurem com toda sua intensidade, com todas as suas potencialidades tem sido o norte deste trabalho de formação com professoras de Escolas de Ensino Fundamental de São Caetano do Sul, na Grande São Paulo. Para isso, é necessário transformar as práticas pedagógicas, possibilitar a construção de novos conhecimentos didáticos.

Sabemos que, de acordo com a teoria de Jean Piaget1, toda ação, seja um movimento, pensamento ou sentimento, corresponde a uma necessidade que é sempre a manifestação de um desequilíbrio. A cada instante, pode-se dizer, a ação humana é desequilibrada pelas transformações que aparecem no mundo, exterior ou interior, e cada nova conduta vai funcionar não só para restabelecer o equilíbrio, como também para tender a um equilíbrio mais estável que o do estágio anterior a essa perturbação. A ação humana consiste nesse movimento contínuo e perpétuo de reajustamento ou de equilibração2.

Para o autor, toda ação conjuga elementos afetivos e cognitivos. A afetividade corresponde à energética para a ação e a cognição corresponde às estruturas de pensamento, com as quais o indivíduo se apropria de determinado objeto. Nesse sentido, podemos dizer que ao contagiar as professoras com o nosso ideal de escola, no qual a leitura e a escrita sejam “práticas vivas e vitais”, ao procurar criar nelas a vontade de mudança, temos como objetivo prover o caráter energético, afetivo, de uma ação mental, que culminará na transformação de suas práticas. E, uma vez que essas práticas são o objeto dessa ação mental, precisamos possibilitar novos observáveis que permitam a problematização e a construção de conhecimento sobre suas práticas.

Levando em conta esses pressupostos teóricos que orientam nosso trabalho de formação, escolhi como objeto de análise para este relatório um encontro com as professoras da 4ª série, no qual procurou-se criar novos observáveis dentro de um duplo objetivo: conseguir, por um lado, que os professores construam conhecimentos sobre um objeto de ensino e, por outro lado, que elaborem conhecimentos referentes às condições didáticas necessárias para que seus alunos possam apropriar-se desse objeto3.

Relato do Encontro de Formação – Dinâmica com duas fases sucessivas:

1ª Fase: Produção em grupo de uma mensagem dirigida a um destinatário específico, seguida de socialização e síntese.

  1. Explicação da proposta para as professoras;
  2. Escrita em grupo de resenha de um livro para compor um conjunto de resenhas para consulta entre as professoras das três escolas (sendo que uma das professoras terá a função de anotar as ações do grupo);
  3. Leitura da resenha;
  4. Leitura das anotações do processo de escrita do grupo, com registro dos pontos considerados importantes, pela capacitadora, para a discussão sobre a natureza do processo de escrita. Discussão sobre os aspectos elencados.

2ª Fase: Reflexão sobre as características da situação didática proposta.

  1. Perguntas feitas pela capacitadora com o objetivo de tornar possível a conceitualização da necessidade de se preservar o sentido social da escrita; garantir que esta seja feita para cumprir um propósito relevante e, dirigida para um destinatário específico; realçar o papel da cooperação entre os escritores na detecção e solução de problemas, da reconsideração do papel do erro e da necessidade de desenvolver nos alunos instrumentos de autocontrole na escrita; e dos tipos de intervenção do docente e quais as suas funções.
  2. Leitura da justificativa do projeto proposto e comentários.
  3. Tarefa: elaboração de etapas para o projeto.

A dinâmica que constitui o cerne desse encontro – Situação de Dupla Conceitualização – é uma das duas modalidades de estruturação da atividade de capacitação descritas por Delia Lerner, no capítulo 5 do livro Ler e Escrever na Escola, no qual a autora discute a importância de tomar como eixo o conhecimento didático nos processos de formação de professores.

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Extraído do site www.bc.edu

A situação proposta pela autora foi escolhida pela nossa equipe de formadoras, porque no momento específico em que nos encontrávamos – no processo de formação dos professores do Ensino Fundamental46, já havíamos compartilhado as características da formação e concordado na realização de um projeto de escrita em cada série com leitura diária pelo professor, discutido as modalidades organizativas do tempo didático, analisado as características de um projeto e as condições para a realização da leitura pelo professor – fazia-se imprescindível discutir a natureza da escrita e as condições didáticas para sua construção. Nesse contexto, tal situação reunia as condições essenciais para a construção desses conhecimentos por parte dos professores.

Preservando o sentido da leitura e da escrita
Para colocar a atividade em prática tínhamos que tomar alguns cuidados. O primeiro deles era garantir que a mensagem que os professores teriam de escrever para um destinatário específico fosse uma situação comunicativa real, pois consideramos, tal como o faz Delia Lerner ao analisar as condições para o ensino da leitura e da escrita, que o necessário é, em suma, preservar o sentido do objeto de ensino para o sujeito da aprendizagem, o necessário é preservar na escola o sentido que a leitura e a escrita têm como práticas sociais, para conseguir que os alunos se apropriem delas possibilitando que se incorporem à comunidade de leitores e escritores, a fim de que consigam ser cidadãos da cultura escrita5.

Assim, pensamos em propor às professoras que, em grupo, resenhassem uma obra literária que poderia ser lida para seus alunos. Essa resenha seria enviada às outras professoras de 1ª a 4ª séries das escolas de São Caetano do Sul que, por sua vez, lhes enviariam as resenhas que haviam escrito. Com isso, elas teriam em mãos um conjunto de resenhas que poderiam orientar a escolha de uma próxima leitura com suas crianças.

Para que as professoras tivessem as condições necessárias para a escrita, tivemos o cuidado de levar outros livros com resenhas que se constituíssem em bons modelos; esclarecer qual, dentre as diversas acepções que a palavra resenha encerra, era aquela que esperávamos da situação de escrita.

Além disso, apresentamos alguns livros de contos para que elas pudessem eleger conteúdos conhecidos, como é o caso da mitologia grega; escolher a professora que desempenharia o papel de anotadora do grupo, pois, quanto mais minuciosas fossem suas anotações, melhor seria a discussão da atividade. Como só poderíamos formar um grupo de trabalho em cada ocasião – devido ao número de professores envolvidos –, não haveria a possibilidade da contribuição de vários grupos, nem da comparação intergrupos.

Os resultados foram muito positivos, tanto com o grupo de professoras do Alcina, quanto com o grupo de professoras do Ângelo e do SEMEF. O fato de escreverem para uma situação de comunicação real atuou como um motivador dos esforços de todos para elaborar uma boa resenha.

Levaram em consideração as características de seu destinatário (suas colegas de profissão), procurando estratégias para motivá-las a ler. Registraram claramente as características do processo de escrita: o planejamento do texto, a textualização, o replanejamento, a revisão durante e ao final do processo, a edição, a procura de palavras que provocassem no leitor o efeito desejado por seus autores, a preocupação em se colocar no lugar do leitor para imaginar se a forma como estava elaborada a escrita atingiria seu propósito.

Estabelecendo as condições didáticas
A segunda fase da dinâmica também fluiu de maneira extremamente satisfatória. Foi muito tranqüilo para as professoras que, a partir das questões que lhes foram propostas, estabelecessem as condições didáticas necessárias para produzir encontros significativos das crianças com a Língua Portuguesa.

O fato de terem experimentado uma situação significativa de escrita dentro de um tempo determinado desencadeou, nos dois grupos, a preocupação com a produção no tempo adequado e a observação das condições para que os alunos pudessem construir novos conhecimentos sobre a escrita. Essa estratégia formativa possibilitou que os professores estabelecessem uma nova relação entre ensino e aprendizagem.

Acredito que, nesse encontro, demos mais um passo no nosso objetivo de criar nas professoras a vontade de mudança, e de possibilitar a detecção de novos observáveis nesse objeto já apreendido por elas, o conhecimento didático, criando condições para novas problematizações de tal objeto que culminem na construção de novas práticas.

(Ana Flávia Alonço, pedagoga e mestranda pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. Atualmente é capacitadora do Projeto DICA)

1Jean Piaget (1896–1980), psicólogo e filósofo suíço.

2Ler e Escrever na Escola: O Real, o Possível e o Necessário, de Delia Lerner. Ed. Artmed.

3Esse projeto é apoiado.
4Ler e Escrever na Escola: O Real, o Possível e o Necessário, de Delia Lerner. Ed. Artmed.

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Extraído do site www.bc.edu

A Odisséia

A Odisséia conta a história da volta de Ulisses, após o combate de Tróia, para sua terra, a ilha de Ítaca. Numa busca persistente de sua verdadeira felicidade através do resgate de um passado distante. Esse livro é recomendado porque alimenta a imaginação e prende a atenção do leitor pela ação e aventura vividas por Ulisses. A história é um clássico de Homero, adaptada pela autora Ruth Rocha, apresentada com uma linguagem simples, de fácil compreensão, com figuras e ilustrações da Grécia antiga.
(Resenha das professoras da Escola Municipal de Educação (EME) Profa Alcina Dantas Feijão)

Contos e lendas da Mitologia Grega

Contos e Lendas da Mitologia Grega é um transporte no tempo: da criação do Universo aos dias atuais, que fará você refletir sobre a origem do universo e sua evolução, apresentando personagens fantásticos como os deuses e heróis que se fundem com a personalidade humana, fazendo com que você se identifique com eles. Esta identificação o levará à reflexão sobre si mesmo e suas possíveis transformações internas.
(Resenha das professoras da 4ª série)

Homero

A Homero, poeta que viveu por volta dos séculos IX e VIII a.C., atribuem-se os dois maiores poemas épicos da Grécia antiga, que tiveram profunda influência sobre a literatura ocidental. Além de símbolos da unidade e do espírito helênico, a Ilíada e A Odisséia são fonte de prazer estético e ensinamento moral.

A Odisséia, de Homero, expressa com força e beleza a grandiosidade da remota civilização grega, do século VIII a.C., quando os gregos, depois de um longo período sem dispor de um sistema de escrita, adotaram o alfabeto fenício. A Odisséia narra as viagens e aventuras de Ulisses em duas etapas: a primeira compreende os acontecimentos que, em nove episódios sucessivos, afastam o herói de casa, e a segunda consta de mais nove episódios, que descrevem sua volta ao lar sob a proteção da deusa Atena.

É também desenvolvido um tema secundário, o da vida na casa de Ulisses durante sua ausência, e o esforço da família para trazê-lo de volta. Esse poema, predominantemente dramático, tem encantado o homem de todas as épocas e lugares e está entre os pontos mais altos atingidos pela poesia universal.

Ficha Técnica

Projeto DICA 2005 – Didática, Informação, Cultura e Arte Formação Docente em Serviço
Rua Pedro Taques, 104 – ap. 22 – Consolação – São Paulo – SP. Cep: 01415-010 Tel: 3255-7050 / 3257-1491 E-mail: projetodica2005@terra.com.br
Direção Pedagógica: Ana Claudia Rocha e Mariana Breim
Capacitadora das Professoras de 4ª série: Ana Flavia Alonço Castanho

Escola Municipal de Educação Fundamental Ângelo Raphael Pellegrino
– Estrada das Lágrimas, 1656 – Bairro Mauá – São Caetano do Sul – SP. CEP: 09580-500 Tel.: (11) 4232-9056 / 4238-7344 – E-mail: escolapellegrino@ig.com.br
Diretora: Magali Aparecida Selva Pinto

Escola Municipal de Educação Profa Alcina Dantas Feijão – Rua Capivari, 500 – Bairro Mauá – São Caetano do Sul – SP. CEP: 09580-370 Tel.: (11) 4238-3157. E-mail: alcina@eme-alcina.com.br. Site: www.eme-alcina.com.br
Diretora: Maria Teresinha Dario Fiorotti

Segunda Escola Municipal de Ensino Fundamental – Rua José Benedetti, 550 – Bairro Cerâmica – São Caetano do Sul – SP. CEP: 09531-090 – Tel.: (11) 4227-4631
Diretora: Janice Paulino César
Capacitadora das professoras de 4ª série: Ana Flavia Alonço Castanho

Para Saber Mais

  • A Odisséia, de Homero. Ed. Melhoramentos. Tel.: (11) 3874 0940
  • Ruth Rocha Conta a Odisséia, de Ruth Rocha. Ed. Cia. Das Letrinhas. Tel.: (11) 3707-3501
  • Contos e Lendas da Mitologia Grega, de Claude Pouzadox. Ed. Cia das Letras. Tel.: (11) 3707 3500
  • Ler e Escrever na Escola: O Real, o Possível e o Necessário, de Delia Lerner. Ed. Artmed. Tel.: (11) 3027-7070
  • Seis Estudos de Psicologia, de Jean Piaget. Ed. Forense Universitária. Tel.: (11) 3104-2005
  • Site: www.saocaetanodosul.sp.gov.br
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