Reunião de Pais

A reunião de pais é prática muito comum em creches e pré-escolas. As instituições convocam os familiares para esses encontros que, em geral, são encarados como meras obrigações cansativas. Percebe-se que há por um lado falta de intencionalidade clara com os objetivos da reunião, por outro lado existe uma certa apatia daqueles que são convocados a participar. Para refletir sobre o assunto e buscar alternativas que possam tornar esses momentos mais interessantes e produtivos, trouxemos a palavra da especialista em psicologia da educação Irene Franciscato1 e as experiências de profissionais que conseguiram criar espaços reais de interação escola/família nas reuniões.
O Espetáculo de Marionetes, Victor Gabriel Gilbert (1847-1933). Agenda Unisef 1999.

Reuniões de educadores com pais e mães podem ter interações significativas e líricas, como as que vemos nesta imagem
(O Espetáculo de Marionetes, Victor Gabriel Gilbert (1847-1933). Agenda Unisef 1999.)

A reunião de pais tem assumido, historicamente, o papel burocrático de informar os pais sobre o regulamento da instituição, calendário escolar, etc. No entanto, a interação entre famílias em creches e pré-escolas deve ser muito maior do que simplesmente transmitir recados. Sobre isso, diz Irene Franciscato : “a interação, quando significativa, geralmente leva a que educadores e familiares criem laços, gerando o sentimento de pertencer a um grupo que tem algo em comum, uma cumplicidade às vezes prazerosa, às vezes árdua: a educação de crianças pequenas”.

Dada a importância da participação das famílias, a reunião de pais tem sido discutida pelos profissionais de educação. Mas, afinal, para que serve? Irene afirma que “os objetivos das reuniões são os de informar e discutir a proposta educacional e conhecer a realidade vivida pela criança em seu meio familiar e social. O entendimento e aceitação deste pressuposto de pronto elimina a elaboração da pauta de reunião, baseada em uma série de pequenos avisos e recomendações que tanto podem cansar e desmotivar os familiares.

Certamente, outros momentos de contato com os familiares se prestam melhor a esse tipo de comunicação. No caso de lembretes importantes e intransferíveis, na melhor das hipóteses, devem ocupar o último item da pauta da reunião. Também se elimina o uso desse encontro para ensinar aos pais como cuidar de seus filhos ou como se tornar colaborador da instituição de educação. Ao invés disso, é mais coerente e interessante aproveitar a reunião para a troca de saberes entre pais e educadores.”Mas equilibrar os papéis informativo e pedagógico não é tarefa das mais fáceis.

A Creche AMUNO2, em Osasco, recorre a algumas estratégias para garantir o sucesso das reuniões. Lá, os educadores costumam realizar um encontro no início do ano para apresentar o programa pedagógico. Para os pais novos há uma data especial, para apresentar as regras da instituição e as pessoas que atuam na creche, a fim de que possam saber a quem se remeter quando precisarem de algo. Além dessa reunião inicial, de caráter mais informativo, existem os encontros coordenados pela professora de cada grupo, cujo objetivo principal é contar sobre os projetos e as aprendizagens daquela turma. Alguns minutos são reservados para os informes da instituição, como horários, cardápio de almoço, lanche, datas de festas, etc., dados sempre pela gerente da creche, que passa de sala em sala falando diretamente aos pais.

Mas a ênfase é para o projeto pedagógico: “As reuniões também são espaços de aprendizagem dos pais – conta Vandréa Póvoa3, coordenadora pedagógica da creche – porque eles acabam aprendendo sobre os assuntos que os filhos estão tratando nos projetos. Nessas reuniões, bem como no cotidiano, os pais trazem muitas perguntas, sempre em função do que os filhos estão vivendo (veja textos destacados no pé da página).
Participando dos encontros, as famílias tomam conhecimento da nossa proposta, o que vamos ensinar às crianças, sabem o que podem esperar e concluem que aqui é um lugar onde se pensa a educação. Passam a respeitar e ter mais confiança no que fazemos”.

Reuniões temáticas: com a palavra, os pais

A escola Criarte4 também tem uma experiência interessante. Lá, a presença e participação dos pais nas reuniões não é problema: “Os pais participam muito, principalmente quando os filhos são pequenos, de 0 a 2 anos. Aqueles que faltam costumam ligar para saber o que foi discutido” – conta Márcia Sbrissa, orientadora educacional da escola.
A grande participação dos pais nas reuniões da Criarte se deve ao espaço que é aberto a eles: as reuniões privilegiam suas falas antes, na hora de decidir um tema que atenda a seus pedidos, durante os encontros, quando perguntam e se colocam, e depois, na hora de avaliar.

Além dos encontros com as professoras, para saber sobre os projetos e as aprendizagens das crianças, a escola também convida as famílias a participar de uma reunião temática, decidida sempre a partir de uma demanda vinda dos próprios pais. “Muitos pais que queriam falar pessoalmente comigo – conta Márcia – tinham dúvidas sobre a educação dos filhos. Foi então que comecei a perceber que haviam questões comuns a quase todos. Tematizá-las nas reuniões poderia dar conta, eu não precisaria atender cada família individualmente”.

Diagnosticando as principais dúvidas, foi possível escolher assuntos mais pertinentes para cada encontro, como, por exemplo, a alimentação. “Os pais me procuravam5 para saber como os filhos se alimentam na escola, pois em casa não queriam comer. Mas nós não víamos isso acontecer aqui: na hora do lanche a maioria comia bem, até trocavam lanches com os amigos para experimentar outras coisas.

Tratamos desse assunto na reunião temática: a importância da autonomia na alimentação. Os pais viram no vídeo crianças manuseando as próprias lancheiras, preparando o lugar da refeição, escolhendo seus alimentos e servindo-se sozinhas. Propusemos então uma investigação sobre o processo de alimentação em casa: As crianças podem servir-se, comem sozinhas? Ou são os pais que têm uma expectativa muito acima do que os filhos podem atender? Nesse momento abrimos espaço para que os pais conversassem entre si, pois sabemos que cada família tem seu jeito de tratar a questão: cada um contou como fez em casa, falou sobre suas dúvidas e angústias. Houve uma troca interessante que pode resultar numa outra forma de tratar o momento das refeições em casa.”

O resultado formativo das reuniões

Existem dois encontros com profissionais de fora da escola para falar de assuntos mais recorrentes, como a questão dos limites e da autonomia. Os pais gostam de ouvir um especialista. Mas o trabalho não acaba aí: informar os pais, tirar algumas dúvidas, é o primeiro passo, mas é preciso construir com eles a confiança que devem ter ao tomar atitudes com relação aos filhos. “Não se pode afirmar que somente um especialista pode resolver um impasse com a criança, sem considerar que esses pais têm um saber. Nem é conveniente que acreditem cegamente na palavra dos especialistas , sem dizer o que pensam sobre o assunto, afinal cada família tem um jeito próprio de lidar com a questão”, diz Márcia, que, dessa forma, aproveita muito melhor o espaço das reuniões.

A avaliação dos encontros

O planejamento das reuniões exige muito esforço de toda a escola. É importante que, ao final, todo esse trabalho seja avaliado para que se possa identificar os resultados de ações e recursos utilizados. É o que defende Irene Franciscato: “Assim como planejamos, coordenamos e avaliamos o trabalho com as crianças, o mesmo procedimento cuidadoso deve estar presente quando agendamos as reuniões com seus familiares”. Segundo ela, existem muitas formas de se avaliar os encontros: “pode-se pedir que os pais escrevam algo sobre a reunião ou que respondam a perguntas mais diretas sobre o tema tratado, a forma com que foi tratada, a duração da reunião etc. Isso pode ser proposto de forma individual, em pares ou em pequenos grupos.

Discutir em pequenos grupos favorece àquele pai ou mãe, que, por receio ou por inexperiência, não se expõe diretamente. Um grupo menor aproxima os novatos àqueles que já estão acostumados a expressar seus pontos de vista.
A preferência pelo uso da forma oral ou escrita também dever ser analisada em função das características da comunidade: quando elas têm maior familiaridade com a forma de expressão oral do que com a escrita, pedimos que expressem suas idéias falando em vez de escrever. Também há a possibilidade de usar outras formas de expressão como o desenho ou construções com peças de montagem de uma imagem que diga algo sobre a reunião.
Após a avaliação feita pelos pais, caberá a nossa própria avaliação enquanto planejadores e coordenadores da reunião que se realizou. Nesse momento de reflexão, cabe analisar alguns aspectos extraídos a partir de questões como:

  • O objetivo inicialmente previsto para a reunião foi alcançado?
  • Quais foram as nossas impressões acerca do interesse e participação dos familiares?
  • Houve algum momento mais difícil na condução da reunião? A que atribuímos sua ocorrência?
  • Houve algum tipo de conflito emergente por algum dos participantes?
  • Qual é a natureza desse conflito?
  • O que devo modificar para a próxima reunião?
  • As reflexões certamente contribuirão para o planejamento das próximas reuniões que ainda teremos pela frente”.

O que os pais querem saber

Os familiares das crianças têm expectativas diversas em relação às
reuniões. Nem sempre é muito fácil sabê-las com antecedência e levá-las em conta, especialmente às vésperas do planejamento da primeira reunião. Certamente, para as reuniões que se sucederem, teremos cada vez mais informações sobre as demandas dos pais.

Nossa experiência tem mostrado que as expectativas familiares variam de acordo com a faixa etária dos filhos.
Pais de bebês e crianças bem pequenas querem saber se comem bem ou se choram durante o período de permanência na instituição; outros esperam informações sobre o que o filho faz todos os dias e como está se desenvolvendo; alguns esperam encontrar educadores seguros que lhes transmitam confiança; alguns ainda desejam saber das observações dos educadores quanto a algo que não tenham percebido na criança em casa; pais de crianças maiores desejam saber se a creche/ pré-escola ensina a ler e escrever. Para o planejamento de reuniões ulteriores, a prática de recolher perguntas escritas entre uma reunião e outra pode nos dar mais algumas pistas de como conciliar nossas necessidades com as expectativas dos familiares. (Irene Franciscato1)

O que fazer para que os pais participem das reuniões

  • Para tratar de preocupações com o desenvolvimento de alguma criança em particular , pode-se agendar uma reunião individual com os responsáveis por ela, reservando a reunião de pais para tratar de assuntos que interessem ao grupo todo, e não apenas a um ou outro familiar.
  • Um bilhete atraente escrito de modo a estimular a presença dos familiares, que informe o que será tratado juntamente com a previsão de início e término da reunião, pode ser um bom começo. Comparecer a uma reunião implica reorganização de rotina de vida pessoal dos pais e mães, por essa razão devemos informá-los o melhor possível, especialmente em relação ao horários.
  • Os horários em que as reuniões são agendadas devem favorecer a presença dos familiares. Muitos podem deixar de comparecer à reunião não porque estejam desinteressados, mas em razão de
    dificuldades que podem ser criadas pelo horário escolhido pela instituição de educação.
  • Os familiares apreciam falar sobre as conquistas observadas nos
    filhos e filhas, inserir esse espaço de fala em pequenos grupos e depois, rapidamente, no grupo maior, além de ser agradável para
    os pais, favorece a integração intragrupal e intergrupal.
  • É importante observar o turno das falas: ao professor reserva-se um tempo de fala dirigida aos pais. Deve ser previsto espaço para que os pais também falem, seja com o educador ou com os pais e mães de outras crianças.

Recursos que podem ser utilizados para tornar a reunião mais interessante

Não é demais lembrarmos que não só o que se fala, mas o como se fala, contribui para que a comunicação entre este e os participantes da reunião ocorra de forma efetiva. A escolha dos recursos que podemos utilizar pede um exercício de criatividade. Seria impossível arrolar aqui uma série exaustiva destas possibilidades, por isso, citamos apenas algumas situações em que diferentes recursos aparecem em diferentes reuniões. Assim, numa reunião com familiares dos pequenos em que a pauta seja a apresentação da rotina, pode-se:

  • recorrer a um vídeo ou fotos das crianças, em diferentes momentos do dia, é um excelente recurso, principalmente em se tratando de crianças pequenas, pois por meio da imagem visual é possível comunicar aquilo que fazem e que não podem ainda relatar diretamente pela linguagem oral.
  • Quando a pauta versa sobre os desenhos infantis, pode-se optar por fazer uma exposição dos desenhos, seguida das considerações do educador preparadas previamente com embasamento teórico.
  • Ainda, se o objetivo é falar sobre o desenvolvimento das linguagens
    oral ou escrita, pode-se:
    – trazer um conto da literatura universal para audiência dos pais, e, a partir dessa experiência, tratar de como se dá o trabalho com contos orais e histórias dos livros lidas junto às crianças;
    – propor aos familiares que relatem oralmente as experiências escolares ligadas à alfabetização, para a partir daí apresentar o
    trabalho realizado com as crianças resultante de contribuições teóricas recentes sobre o processo de alfabetização ou letramento,
    como preferem chamar alguns;
    – analisar diferentes produções escritas de crianças para que os familiares compreendam o processo pelo qual passam seus filhos. Em qualquer dos casos vale lembrar que resgatar experiências dos familiares, referentes às vivências de infância, mostra-se mais pertinente do que propor situações em que os adultos devam se portar como crianças numa situação em que o constrangimento certamente poderá surgir não só em função da brevidade de existência do grupo, como também em função dos objetivos das reuniões com os familiares.
    (Irene Franciscato)

1Irene Franciscato é doutoranda em psicologia da educação e conselheira do Crecheplan

2 Associação das Mães Unidas do Novo Osasco – Rua Aparecida Ivone Munhoz, 91, Osasco, SP, CEP 06142-050, tel. 7209-1091

3 Vandréa Póvoa é coordenadora pedagógica da creche AMUNO.

4Escola Criarte, Rua Professor Vahia de Abreu, 696, CEP 04549-003, São Paulo, SP, tel: 822-7277, fax: 822-4613, e-mail: criarte@criarte.com.br

5Na Criarte é a orientadora educacional quem recebe e conversa com as famílias.

Para saber mais

  • As famílias das crianças atendidas pela creche segundo a ótica de seus profissionais. Dissertação de Mestrado. Irene Franciscato. PUC, São Paulo.
  • Com a Pré-escola nas Mãos. Uma Alternativa Curricular para a Educação Infantil. Sonia Krammer e outros. Ed. Ática. Tel: (0XX11) 3346-3000.
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