Cálculo Mental na Escola

Ressignificar o ensino da matemática ajudou as formadoras de Nova Lima na mobilização dos coordenadores e professores da rede para enfrentar a mudança nas práticas de ensino do cálculo

É comum ouvirmos de professores que as crianças têm dificuldade de fazer algumas contas, principalmente aquelas em que “vai um” ou “empresta um” e que apesar de o cálculo ser trabalhado diariamente não surte nenhum efeito. Por conta disso, nesse primeiro encontro do Programa Além dos Números1, o objetivo é evidenciar o uso social do cálculo mental e diferenciar cálculo mental de cálculo algorítmico. A proposta de iniciar o encontro com a leitura do relato de um cidadão comum, envolvido com situações diárias de cálculo, fez o grupo refletir sobre situações fora da escola. Esse recurso foi necessário para fazer estimativas, para chegar a um resultado exato, como também para verificar e antecipar o resultado de uma operação realizada com a calculadora.

Após a constatação do uso e da necessidade do cálculo mental na sociedade, foi feita a comparação com a prática escolar. O cálculo mental está presente na escola do mesmo modo como ele é usado fora dela? Por que ensinar cálculo mental na escola? Como a escola trabalha com cálculo mental? No dia a dia da sala de aula, enfatiza-se mais o trabalho com cálculo mental ou com a conta armada? Essas perguntas evidenciaram que o conceito de cálculo mental não era muito claro para o grupo, que o confundia com cálculo memorizado.

As pessoas do grupo acreditavam que os cálculos memorizados garantiriam aos alunos a realização de contas de cabeça, e imaginavam também que se os alunos soubessem calcular com lápis e papel não saberiam resolver cálculos mentais. Havia quem afirmasse que o problema residia no fato de as crianças não saberem usar o raciocínio. E havia também quem dissesse que elas tinham preguiça de pensar.

Foi possível perceber, entre os profissionais da escola, diferentes objetivos ligados ao ensino de Matemática, mas ninguém soube dizer qual é o melhor jeito de fazê-lo. Na verdade, todos estão presos a práticas tradicionais, que não estimulam a criança a pensar nem a compreender o que se aprende. Ela se limita a reproduzir o que foi dito pelo professor. Os docentes passam boa parte do tempo da aula de Matemática ensinando técnicas ligadas à realização de operações.

“A finalidade do trabalho com cálculo mental é que os alunos desenvolvam o hábito de refletir sobre os cálculos e disponham de meios permanentes de aproximação, controle sobre os resultados obtidos pela utilização de técnicas como o algoritmo. O cálculo pensado atualmente, existindo as calculadoras, é mais útil e formador que o cálculo automático (para o qual existem as calculadoras). Por mais que as calculadoras facilitem a operação matemática, sempre será necessário um sujeito para utilizá-las com inteligência, alguém que ordene as operações (tem de saber qual) e que controle a razoabilidade do que obtém.” Disponível em: www.uruguayeduca.edu.uy/Portal.Base/Web/VerContenido.aspx?ID=207523.  (Indicação de Priscila Monteiro)

Em geral, os educadores sentem dificuldade para conceituar cálculo mental. Alguns afirmam que a diferença entre cálculo e algoritmo é o uso do lápis e do papel. Outros argumentam que, para ser denominado cálculo mental, a conta deveria ser contextualizada. Perguntamos então: “5 x 3 não pode ser cálculo mental, mas se elaborarmos um problema envolvendo 5 x 3 tornase um cálculo mental?”

É recorrente a confusão de que cálculo mental é igual ao cálculo que se faz de cabeça ou ao cálculo que se faz de memória. Dizer que cálculo mental é aquele que é refletido e pensado é muito importante para os professores, pois isto altera completamente o ensino de Matemática. (Comentário de Débora Rana)

Apresentamos e analisamos o diagnóstico aplicado nas escolas da rede por meio de três perguntas:

– O cálculo mental é trabalhado na escola?
– É possível saber, pelo diagnóstico, como é trabalhado cálculo mental na escola?
– O ato de corrigir usando riscos ou elogios ajuda o aluno a avançar em seu conhecimento matemático?

O diagnóstico revelou que o cálculo mental não é trabalhado na escola e, quando trabalhado, é feito de modo equivocado. O diagnóstico é um excelente instrumento para tornar observável como se trabalha e o que se trabalha. No entanto, esse diagnóstico precisa ser analisado à luz da concepção de ensino vigente e da que se quer implementar. (Comentário de Débora Rana)

Propusemos então a estratégia de dupla conceitualização. Na primeira parte, trabalhamos a reconceitualização do objeto de ensino – cálculo mental. Na segunda, fizemos os encaminhamentos didáticos para comunicar esse conteúdo. Os coordenadores resolveram individualmente  as situações-problema sem utilizar lápis e papel e, depois, houve a socialização das estratégias utilizadas por eles para resolver os seguintes cálculos:

a. Ontem, comprei uma camiseta por R$ 26,00 e uma por R$ 19,00. Quanto gastei?
b. Em uma semana, gastei R$ 364,00 no supermercado; na outra, R$ 528,00. Quanto gastei no supermercado nessas duas semanas?
c. Em uma semana de um determinado mês gastei R$ 390,00 no supermercado; na semana seguinte, R$ 510,00. Quanto gastei nas duas semanas?
d. No almoxarifado da escola, há 77 caixas de lápis com 32 lápis em cada uma delas. Quantos lápis há no almoxarifado?
e. Quero comprar um fogão em sete prestações de R$ 99,00. Qual é o preço total do fogão?
f. Calcule: 4 x 53.
g. Quanto é preciso subtrair de 1.000 para se obter 755?

Socializamos as estratégias utilizadas pelos coordenadores pedagógicos, registrando-as em um cartaz. Propusemos a comparação entre as diferentes estratégias utilizadas e o que se pretendia com as experiências realizadas.

Formação em Nova Lima – MG: mudança  nas práticas de ensino do cálculo (foto Jaquelline Marques)

Formação em Nova Lima – MG: mudança nas práticas de ensino do cálculo (foto Jaquelline Marques)

As estratégias limitaram-se à visualização mental da conta armada na cabeça (algoritmo) e ao uso de arredondamentos e de decomposição. A socialização das estratégias adotadas permitiu ao grupo ter acesso a outras possibilidades de resolução das operações.

Neste caso, a proposta é deixar claro que, para calcular, apoiamo-nos em propriedades das operações e do sistema de numeração. (Comentário de Priscila Monteiro)

Após a apresentação das estratégias empregadas, apresentamos outras maneiras de se operar mentalmente com as propriedades das operações. Retomamos a construção do conceito de cálculo. Antes essa tarefa havia se mostrado difícil, mas agora, vivenciada uma situação-problema, que desencadeou reflexões sobre o conteúdo em foco, ela possibilitou ao grupo di fe renciar cálculo algorítmico (na próxima página), em que sempre se utiliza a mesma técnica para uma operação dada, qualquer que sejam os números.

Em seguida, refletimos sobre as condições didáticas2 necessárias para que os alunos se apropriem do cálculo mental. As seguintes perguntas direcionaram as discussões:

  • O que as crianças podem aprender em uma atividade como essa?
  • Por que a atividade foi inicialmente proposta de maneira individual?
  • Faz diferença anotar as estratégias em um cartaz?
  • O resultado seria o mesmo se as estratégias fossem anotadas no quadro?
  • Seria diferente iniciar a situação definindo cálculo mental?

O ponto relevante de toda a discussão foi o momento em que os coordenadores consideraram a importância de oferecer às crianças a oportunidade de socializar as estratégias utilizadas para a resolução de  cálculos. O confronto das diferentes estratégias suscita outras possibilidades de resolução, e as crianças se apropriam das estratégias que lhes parecem mais eficazes. A verbalização de seu pensamento (metacognição) possibilita a tomada de consciência, o entendimento dos caminhos percorridos. Enfim, a aprendizagem passa a ter sentido.

No trabalho com cálculo mental, é possível distinguir dois aspectos: a sistematização de um conjunto de resultados e a construção de procedimentos pessoais. Vejamos em que consistem esses dois aspectos. Um dos objetivos do cálculo mental é que os alunos memorizem certos resultados ou possam recuperá-los facilmente. Essa memorização deve estar apoiada na construção e na identificação prévia de relações que teçam uma rede a partir da qual possam sustentar e dar sentido a ela.

A sistematização de resultados permite a construção progressiva de repertórios de adições, de subtrações, de multiplicações e de divisões disponíveis na memória ou que podem ser facilmente reconstruídos com base naqueles que foram memorizados. Procedimentos pessoais que permitem dar resposta a uma situação foram denominados “cálculo pensado” ou “refletido”. Por não serem processos automatizados, eles consistem na apresentação de diferentes caminhos com base em decisões que os alunos vão tomando durante a resolução dos problemas propostos. Essas decisões estão vinculadas à compreensão da tarefa, com diferentes relações que se estabelecem com o controle daquilo que vai acontecendo durante a resolução.

O cálculo mental permite, então, trabalhar com os números de maneira descontextualizada, familiariza os alunos com uma atividade matemática que também encontra sentido em si: encontrar um procedimento, confrontar diferentes procedimentos, analisar sua validade. Isso permite às crianças expressar um mesmo número de diferentes maneiras relacionadas com a numeração decimal. (Comentário de Priscila Monteiro)

Após a atividade de dupla conceitualização, propusemos a leitura compartilhada do texto Contas de cabeça e sem errar3. Quais as vantagens de trabalhar com cálculo mental? Quando e com que frequência o cálculo mental deve ser desenvolvido na escola? Essas duas perguntas nortearam a leitura do texto, possibilitando a sistematização das discussões e o esclarecimento de dúvidas. O trabalho com cálculo mental possibilita que os alunos atribuam sentido ao algoritmo, na medida em que permite que construam estratégias de antecipação e conferência de resultados, e mais do que isso, desvelar os passos que estão ocultos no algoritmo. No encerramento do encontro, foram sistematizadas as condições didáticas para o trabalho com os alunos.

(Débora Rana e Priscila Monteiro, coordenadoras do Programa Além dos Números, do Instituto Avisa Lá, em São Paulo – SP; Jaquelline Marques e Luciene Campos, formadoras locais do projeto Além dos Números, em Nova Lima – MG)

1O Programa Além dos Números, iniciado em 2010, é uma parceria entre o Instituto Avisa Lá e o Instituto Razão Social com o apoio da IBM, por meio da cessão de servidores e licenças de uso dos softwares.

2Segundo Delia Lerner, o conceito de Condições Didáticas é o que é necessário garantir em diferentes situações didáticas, de ideias fundamentais para favorecer as aprendizagens.Para saber mais: Ler e escrever na escola: o real, o possível e o necessário, de Delia Lerner. Porto Alegre: Artmed Editora. Site: www.artmed.com.br

3Contas de cabeça e sem errar, de Paola Gentile e Thais Gurgel. Revista Nova Escola – Fundação Victor Civita: São Paulo, setembro de 2009, disponível em: http://revistaescola.abril.com.br/matematica/fundamentos/cabeca-errar-500351.shtml

Ficha Técnica

  • Programa: Além dos Números
    Coordenadoras: Débora Rana e Priscila Monteiro E-mail: deborarana@ajato.com.br / E-mail: pbm@terra.com.br
    Responsabilidade técnica: Instituto Avisa Lá
    Parceiros: Instituto Razão Social, com apoio tecnológico da IBM
    Site: www.avisala.org.br
  • Secretaria Municipal de Educação de Nova Lima – MG
    Núcleo de Formação Continuada
    Endereço: Rua José Agostinho, 2335 – Oswaldo Barbosa Pena. CEP 34000-000 – Nova Lima – MG Tel.: (31) 3541-9715 E-mail: jaquellineamarques@yahoo.com.br e lucienenl@ig.com.br
    Site: www.novalima.mg.gov.br
Foco na formação em Nova Lima – MG: ressignificar o ensino de Matemática da rede (foto: Jaquelline Marques)

Foco na formação em Nova Lima – MG: ressignificar o ensino de Matemática da rede (foto: Jaquelline Marques)

Alguns conceitos

Cálculo Mental
“Conjunto de procedimentos que, analisando os dados por tratar, se articulam sem recorrer a um algoritmo preestabelecido para obter resultados exatos ou aproximados (…). (…) Isto é, os algoritmos permitem operar sem reparar nos números com os que se está calculando. Trata-se apenas de seguir os passos que asseguram chegar ao resultado correto se não se comete nenhum erro no caminho. No caso do cálculo mental é necessário analisar cada caso em particular e buscar o modo mais conveniente para operar. No há regras a seguir, cada caso é singular.”

Fonte: Cálculo mental e algorítmico: Dirección de Gestión Curricular – Mejorar los aprendizajes – Área Matemática. Equipe: Teresita Chelle, Patricia García, Gloria Robalo, Inés Sancha, María Cecilia Wall, (coord.)  Andrea Novembre. Dirección General de Cultura y Educación: Buenos Aires.

Algoritmo
“Um conjunto de regras necessárias à resolução de um problema ou cálculo.”

Fonte: Dicionário matemático – Só Matemática www.somatematica.com.br/dicionarioMatematico

Cálculos algoritmizados: “consistem em uma série de regras aplicáveis em uma ordem determinada, sempre do mesmo modo, independentemente dos dados, que garantem alcançar o resultado buscado em um número finito de passos. As contas convencionais utilizadas para resolver as operações são procedimentos do seguinte tipo: caracterizam-se por recorrer a uma única técnica para uma operação dada, sempre a mesma, independentemente de quais forem os números em jogo”.

Fonte: Cálculo mental con números naturales: apuntes para la enseñanza, Coordinación autoral: Patricia Sadovsky. Elaboración del material: María Emilia Quaranta, Héctor Ponce. Buenos Aires.

Multiplicações Básicas
“Para ajudar a memorização das mesmas tabuadas, é preciso observar a lei de formação, o que ademais prepara o aluno para o conceito posterior de múltiplo. Assim, na tabuada do dois, por exemplo, há que se notar que os sucessivos resultados obtidos variam de dois em dois: 2, 4, 6 etc. Da mesma forma, na tabuada do três, os resultados sucessivos se diferenciam em três: 3, 6, 9 etc. Ambas as versões se fundamentam na repetição e na prática. A segunda, no entanto, contém o matiz diferenciador de dispor de uma estratégia aditiva para deduzir um resultado a partir de outros prévios (pela soma) ou posteriores (pela subtração). Isso, pelo que se entende, implica maior ligação do aprendido com a base conceitual prévia: a multiplicação como soma reiterada. É possível e até aconselhável desenvolver esta aprendizagem no segundo curso de escolaridade, de maneira imediata à aprendizagem das primeiras multiplicações.”

Fonte: As multiplicações básicas, de Carlos Maza Gomes in Multiplicar y Dividir através de la resolución de problemas. Visor: Madri.

Para Saber Mais

Livros

  • Didática da Matemática: reflexões psicopedagógicas, de Cecilia Parra e Irma Saiz (orgs.). Editora Artmed. Tel.: 0800-703-3444. Site: www.artmed.com.br
  • Cálculo mental con números naturales: apuntes para la enseñanza, de Patricia Sadovsky (coord. autoral). Disponível em http://estatico.buenosaires.gov.ar/areas/educacion/curricula/pdf/primaria/calculo_naturales_web.pdf
  • Multiplicar y dividir a través de la resolución de problemas, de Carlos Maza Gomes. Madri: Visor – Espanha. E-mail: info@libreriauniversal.com. Site: www.libreriauniversal.com
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