Redução das faltas dos professores

Gestão escolar democrática e participativa pode ser um dos caminhos para acabar com o absenteísmo em instituições de educação infantil? Conheça essas idéias
Pintura feita por Johnny, 5 anos

Pintura feita por Johnny, 5 anos

Este relato integra o projeto de pesquisa de mestrado, ainda em andamento, sobre o absenteísmo de professores de Educação Infantil na rede escolar paulistana. A intenção aqui é focar e apontar a influência da gestão democrática da EMEI Ana Maria Poppovic, em São Paulo – SP, como elemento responsável pela constituição de uma equipe autora de sua prática, capaz de intervir nos espaços escolares e também mais compromissada com a frequência ao trabalho. As faltas docentes têm ocupado manchetes de jornais, muitas vezes com informações parciais, superficiais e até tendenciosas e equivocadas. O fato é que a opinião pública, conforme investigação realizada pelo Ministério da Educação, em parceria com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), em 2005, diz que a categoria docente pública é vista como um segmento dotado de proteções e regalias pouco comuns aos profissionais do mercado privado. Entre os argumentos, são citados o excesso de abonos e greves e a ausência de punições e responsabilização pelas faltas.

A palavra absenteísmo é de origem francesa (absenteísme) e significa pessoa que não comparece ao trabalho ou se ausenta por diferentes motivos, propositais ou por situações alheias à sua vontade. O que o caracteriza é a imprevisibilidade, pois não é algo que pode ser esperado ou planejado com antecedência como férias, folgas e feriados. Ele é marcado pelas faltas abonadas, justificadas, licenças-médicas e por outros motivos impeditivos ao trabalho.

Apenas para se ter uma ideia, as abonadas (dez ao longo de um ano, em até duas por mês) podem ser justificadas por motivo médico ou particular e os funcionários não são descontados em seus vencimentos, o que não acontece com as justificadas e injustificadas, que podem chegar até a 72 dias no mesmo ano. A concessão ou não das faltas é uma das atribuições do diretor escolar, que pela estrutura administrativa do magistério municipal de São Paulo representa a chefia imediata, fator que auxilia, inclusive, na manutenção hierárquica do sistema.

Embora seja uma deliberação dele, a falta é legalmente legitimada. Como consequência, é qua se senso comum conceder a falta, evitando conflitos com algum membro da equipe. Dessa maneira, as ausências se tornam direito adquirido e são vistas como meio compensatório para os baixos salários. A constante interrupção de ações educativas, quer seja causada pelo absenteísmo ou por outra situação que a cultura escolar naturalizou, e a deficiente estrutura de organização são elementos impeditivos para o pleno funcionamento da escola.

Nesse contexto, surgem os questionamentos:
Uma boa gestão escolar contribuiria para diminuir o absenteísmo? É possível propor a inserção dos indicadores numéricos com vistas a uma mudança qualitativa? É viável garantir a falta do professor sem prejudicar o direito constitucional das crianças a ter as atividades educativas? Estruturação de carreira poderia refletir em melhoria da escola? A ampliação da autonomia escolar e o fortalecimento das representações sociais criariam melhores condições trabalhistas? O aumento salarial poderia resolver essa questão?

Fotos: Eliana Chiavone Delchiaro

Fotos: Eliana Chiavone Delchiaro

Modelo democrático
Minha hipótese é que a gestão escolar, enquanto modelo democrático e participativo, poderia criar uma escola mais agradável e prazerosa, com força política para pleitear mudanças. Essas ações estimulariam os envolvidos criando compromisso profissional e contribuindo para a diminuição do absenteísmo. A escola é uma das instituições em que a construção do sujeito está ligada à coletividade. É nesse ambiente que se estabelecem relações interpessoais, em que o potencial transformador de cada envolvido deve criar um clima organizacional, tendo como resultado a melhoria do ensino. Para tanto, é necessário haver permanência e continuidade dos profissionais que nela atuam. Essa instituição é um espaço público onde convivem diferentes interesses e, por isso, deve ser campo para o debate e para a busca de diálogo.

A gestão deve implementar um projeto que vá além da aglutinação de pessoas em torno de um objetivo comum, pois administrar é governar, assegurando a interdependência entre os objetivos e a função da escola. É fato que o diretor de escola tem obrigações jurídicas e institucionais a responder originadas pela própria característica do cargo. Porém, isso não deve levá-lo a se tornar um tarefeiro burocrata criando uma ruptura entre o administrativo e o pedagógico, justificando sua postura apenas por medidas legais. Da mesma forma, o docente não pode se tornar um alienado pedagógico, cujos interesses pessoais e corporativistas tomem lugar do seu papel formador e mediador.

Nas escolas de Educação Infantil, podemos encontrar o mito da “grande família feliz1“, onde as questões pessoais se misturam às profissionais, onde tudo se resolve internamente com acordos e jeitinhos. As pessoas estão sempre envolvidas em tensões e conflitos havendo arranjos e jogos de interesses. Essas instituições ficaram marcadas por mitos que ainda estão muito cristalizados, entre eles o assistencialismo e o paternalismo em condutas. O foco das ações está centralizado no adulto e não na criança. Durante anos as faltas foram resolvidas internamente.

As crianças eram distribuídas e ficavam brincando livremente no parque sob a supervisão dos adultos. Era garantido o direito à falta, e os pequenos eram de certa forma atendidos, já que ficavam soltos no parque entretidos com uma atividade considerada recreativa. Com isso, ocorriam muitos acidentes e criou-se uma imagem bastante distorcida pelos pais que avaliavam a presença da professora como uma simples cuidadora. Isto é, ela não deveria faltar porque as crianças não seriam bem cuidadas.

O projeto de pesquisa em andamento procura comprovar, a partir do conhecimento da história da Educação Infantil, a falta de estrutura originada pela ausência de políticas macroestruturais. Isto acaba gerando a falta de professores substitutos, o que leva a escola a gerenciar as ausências com os recursos que tem.

avisala_38_fazer2

Gestão de espaços
Acredito na importância do espaço escolar como possibilidade curricular. Durante nove anos à frente dos trabalhos da EMEI Profa Ana Maria Poppovic, pude vivenciar a transformação física e pedagógica da instituição. Com base nessa experiência, em que os ambientes, a arquitetura e o currículo se entrecruzaram, observei que o envolvimento da equipe e, em especial, do docente, aumentou à medida que a gestão os motivou a participar da reestruturação e da readequação dos espaços escolares.

Com base nessa vivência, uma hipótese: a participação gera compromisso, responsabilidade e motivação, o que diminui as ausências dos professores. Participar das ações de direção cria um sentimento de pertencimento e vínculo com a escola e, em especial, a possibilidade de transformar os ambientes, tornando assim o educador mais integrado ao seu ambiente de trabalho.

Para tanto, contei com a parceria da coordenadora pedagógica na formação dos docentes para que eles refletissem sobre as concepções da infância. Afinada com a direção, a profissional cuidou e zelou pela formação de todos subsidiando as mudanças físicas e pedagógicas coletivamente. Todos os ambientes de aprendizagem da EMEI foram criados por muitas mãos, desde os professores e crianças, passando pela comunidade e sendo concretizados pelos engenheiros e pedreiros, que trataram a infância de modo singular. Outro fator fundamental foi a procura por um espaço integrado às questões pedagógicas, um ambiente coletivo no qual também coexistissem amizade, solidariedade, busca pela estética e harmonia.

Dentro das salas
As decisões de como organizar os espaços escolares em ambientes de aprendizagem revelaram objetivos claros e intenções que valorizaram o educar, o cuidar e o brincar, como veremos a seguir. A entrada é sempre o cartão de visita para que as pessoas percebam, de início, que são bem-vindas. A jardineira externa e o jardim decorados recebem e acolhem, deixando transparecer a preocupação em relação ao respeito que deve haver entre equipe escolar e comunidade.

Para a sala do 1º estágio (para crianças de 4 anos), adquirimos mobiliário menor, que foi adequado à proposta pedagógica. Criamos um canto com tapete para as rodas de conversa ou de história, para os momentos livres e para a leitura individual de livros, gibis e revistas. Os brinquedos, dispostos em prateleiras ao alcance das crianças, favoreceram a autonomia e a liberdade de escolha. Conseguimos também ganchos para pendurar mochilas.

Na sala do 2º estágio (para crianças de 5 anos), por ser maior que as demais, foi possível adequá-la de maneira mais interessante. Para pendurar mochilas e agasalhos, também colocamos ganchos. Assim, as cadeiras ficaram livres para a movimentação dos pequenos. As mesas, dispostas de forma conjunta e retangular, favoreceram a interação e a socialização durante as atividades e os jogos. O canto com tapete e o baú de livros atendiam às rodas de conversa, à hora da história e aos momentos de passagem (entre uma atividade e outra). As prateleiras também ficaram ao alcance da turma. Os murais feitos de cortiça serviram para afixar as produções e se tornaram uma boa oportunidade para a observação dos trabalhos.

As adaptações foram poucas na sala do 3º estágio (para crianças de 6 anos). Montamos um canto com tapete, muitos livros, revistas e outros portadores textuais. Esse local privilegiado, onde o lúdico e o conhecimento se misturavam, foi um convite e um prêmio para aqueles que concluíam suas atividades. Os brinquedos foram especialmente escolhidos, tendo em vista o interesse da criançada em jogos de mesa e cooperativos. Trabalhamos também respeito e ajuda mútua referentes à manutenção, ordem e cuidado com os materiais.

Tonucci, F. 'Frato: 40 Anos Com Olhos de Criança', Artmed Editora. Porto Alegre. 2009. Fig.'Doze Horas na Creche'

Tonucci, F. ‘Frato: 40 Anos Com Olhos de Criança’, Artmed Editora. Porto Alegre. 2009. Fig.’Doze Horas na Creche’

Parte externa
A brincadeira de casinha passou a acontecer, pelo menos, uma vez por semana. As crianças, em grupos ou individualmente, se envolviam com representações de papéis sociais. Para a hora da merenda, foi criado o quiosque com o objetivo de oferecer um ambiente acolhedor para esses momentos. Comer é gostoso, ainda mais num ambiente agradável, com professores que estimulam e valorizam o ato, cujos rituais são incorporados à rotina, mesmo durante um lanche. A capacidade de se servir foi uma feliz introdução no almoço, com o sistema self-service. Os pequenos passaram a comer mais e o desperdício diminuiu. As mesas externas de alvenaria, sob a sombra de refrescantes e frondosas árvores, favoreceram atividades de artes, jogos de matemática, festas de aniversário etc. Elas também se tornaram espaços para reuniões, descansos e bate-papos.

A quadra foi especialmente construída a pedido das turmas. Meninos e meninas utilizavam a quadra para, entre outras atividades, bater uma bolinha. Nela, as crianças brincavam, corriam e se divertiam à vontade. O pátio e os jardins começaram a ser palcos de jogos e brincadeiras. Também virou lugar privilegiado para observar o sol, o céu e as nuvens, além de cuidar das árvores e sentir o vento, o frio e o calor. O chão, riscado com amarelinhas e caracóis, trouxe de volta as brincadeiras alegres e inocentes da infância.

O parque virou um território social, local para muitas experiências positivas e necessárias, onde as crianças passaram a ter contato com a natureza e os elementos dos meios físico e natural. Assim como na sala, criamos os cantinhos no parque, como o da areia, para brincar com pás, baldinhos, moldes variados; o dos elementos de jogos exteriores, com balanços, escorregadores, rampas e construções diversas; e o das árvores, dos jardins, das muretas para subir, pular, saltar e correr, brincar com água.

Nosso quintal passou a oferecer brincadeiras e desafios aos que se integravam e adquiriram um novo olhar para esse espaço. A proposta em investir nos afazeres ao ar livre surgiu da importância em brincar num ambiente aberto e grande.

Trabalho de equipe
Diante do exposto, é possível avaliar que nossas crianças não ficam 12 horas na instituição olhando o tempo passar como nos leva a refletir Frato2. Educação Infantil exige variedade de ambientes para que os projetos se concretizem. Muito mais poderia relatar sobre as ações que buscaram significar os tempos e os espaços no Poppovic, porém, nesse momento, apresento uma conclusão provisória pautada pela experiência sensível, cuidadosa, amorosa e profissional que tem motivado os funcionários a permanecer na instituição, por sentirem orgulho, prazer e acolhimento nos ambientes por eles projetados. Por isso, sinto-me encorajada a acreditar na importância da estabilidade da equipe.

O ambiente brincante, alegre e barulhento possibilita oportunidades de aprendizagem para adultos e crianças, e todos se surpreendem. Nessa perspectiva, o docente tornou-se autor comprometido com a ação educativa, compartilhando responsabilidades e se envolvendo mais no processo. Esse sujeito crítico e ativo torna a escola um local de “…entrecruzamento do projeto coletivo e político da sociedade com os projetos pessoais e existenciais dos educadores”3. Com essa ação gestora conseguimos reduzir as faltas, que estão muito abaixo da média da rede pública.

(Eliana Chiavone Delchiaro, diretora da Escola Municipal de Educação Infantil Profa Ana Maria Poppovic e mestranda de Currículo da Pontifícia Universidade Católica – PUC, em São Paulo – SP)

1Tese de doutorado,1998: Escola, Cultura e Clima – Ambiguidades para a Administração Escolar – Regina Lucia Giffoni Luz de Brito.

2Frato – Francesco Tonucci, educador italiano, desenhista e ilustrador.

3SEVERINO, Antônio Joaquim. A didática e a escola de 1º grau. São Paulo: Fundação para o Desenvolvimento da Educação, Série Idéias, no 11.

avisala_38_fazer3

Ficha técnica

EMEI Profa Ana Maria Poppovic
Endereço: Rua Jaricunas, 470 – Alto da Lapa – São Paulo – SP. CEP: 05053-070 – Tel.: (11) 3672-0268 / 3864-1255
E-mail: emeiapoppovic@prefeitura.sp.gov.br
Diretora: Eliana Chiavone Delchiaro
E-mail: delch@terra.com.br
Coordenador pedagógico: Kazue Saíta
Assistente de diretoria: Iolanda Martins Magalhães

Para saber mais

Livros

  • Frato: 40 anos com olhos de criança, de Francesco Tonucci. Ed. Artmed. Tel.: 0800-703-3444.
  • Educação como exercício do poder: crítica ao senso comum da educação, de Vitor Henrique Paro. Ed. Cortez. Tel.: (11) 3873-7111.
  • Gestão educacional e tecnologia, de Alexandre Thomaz Vieira, Maria Elizabeth Biancocini de Almeida e Myrtes Alonso (orgs). Ed. Avercamp. Tel.: (11) 5042-0567.
  • Organização e gestão da escola: teoria e prática, de José Carlos Libâneo. Ed. Alternativa. Tel.: (62) 3945 0262.
  • Territórios da infância – linguagens, tempos e relações para uma pedagogia para crianças pequenas, de Ana Lucia Goulart de Faria e Suely Amaral Mello (orgs). Ed. Junqueira & Marin. Tel.: (16) 3336-3671.

Leia outro artigo da autora (Uma gestão comprometida) na revista Avisa lá, edição 28, de outubro de 2006.

Posted in O fazer do gestor, Revista Avisa lá #38 and tagged , , , , , , , .