Rio: prazer em conhecer

Visando criar um contexto significativo para a formação das professoras e para a aprendizagem das crianças, em relação à língua oral e escrita, foi sugerido um trabalho sobre o Rio de Janeiro. Saber mais sobre o local onde moram motiva os aprendizes crianças e professores de diferentes formas


As crianças do CEI participaram do projeto “Rio: prazer em conhecer”. Os grupos trabalharam diferentes aspectos dessa cidade: praias, pontos históricos, músicas, sabores etc. Cada professora pensou em como compartilhar isso com as crianças de modo que o trabalho fosse significativo para elas. A produção desses grupos compôs uma exposição com características de um folder turístico, com textos e imagens.

As professoras comprometidas com as aprendizagens das crianças e acreditando nas suas competências, proporcionaram inúmeras possibilidades de ampliação de conhecimentos de forma lúdica e significativa. Por exemplo, em uma das salas, as crianças, auxiliadas pela professora, fizeram um bilhete comunicando aos pais o passeio à praia de Copacabana. Veja o que a professora relatou em seu diário:

“… Peguei papel e caneta e perguntei para quem deveria ser o bilhete e elas responderam ‘papai e mamãe’ sem dar continuidade. Percebi que precisavam de informações sobre como iniciar o texto do bilhete. Perguntei o que iríamos fazer: passeio na praia de copacabana responderam elas. Perguntei se os pais não precisavam
saber disso. Douglas,muito preocupado foi logo respondendo:

– Escreve então, escreve’.

Perceberam que precisavam ditar para eu escrever. Acharam também importante falar o valor do ônibus:

– Para o pai não mandar pouquinho dinheiro, disse alguém.

Visitando o Rio, não deixe de assistir a uma partida de futebol no Maracanã

Quiseram falar das coisas que levariam, então sugeri que isso fosse feito em forma de lista num outro momento. Ao final, lemos o bilhete juntos e todos acharam que estava bom, de fato não faltaram informações importantes. Imediatamente o levamos para a Denise, coordenadora, digitar. Assim puderam colocar na caderneta para os pais.” Esse trecho nos mostra a clara intenção educativa do professor, o envolvimento das crianças com a tarefa e com as aprendizagens que são possíveis nessa faixa etária.

Outro grupo visitou o Cristo Redentor para colher informações históricas e apreciar a beleza desse importante ponto turístico do Rio de Janeiro. Durante o passeio, conversaram bastante e pediram muitas informações às pessoase tiraram fotos significativas. Num outro momento, fizeram uma retrospectiva do passeio, registrando-o com desenhos, e legendaram as fotos tiradas, que iriam compor um cartaz para compartilhar com os outros grupos e famílias as informações coletadas.

As crianças não sabiam o que era legenda de foto. A professora Lauriê mostrou-lhes esse tipo de texto em artigos de jornal e de revista, para que elas tivessem a referência. Rapidamente se apropriaram do seu conteúdo e significado.

No diário da professora, ela nos conta entusiasmada:“na foto que aparecia o trem que leva ao Cristo, a legenda ficou assim ‘… antes as crianças subiam o morro do Corcovado a pé, agora sobem de trenzinho elétrico’. Fizemos uma foto onde estamos todos na sacada da lanchonete de braços abertos, e as crianças disseram ‘… ficamos felizes em visitar um dos pontos turísticos mais importantes do Rio e abraçamos a cidade maravilhosa’. Elas são maravilhosas, não é mesmo?!!” E os bebês, de que forma eles participaram disso tudo?

Geralmente as escolas os esquecem, imaginando que eles têm poucas
competências e que cuidados físicos e carinho são suficientes. No entanto, no CEI, eles puderam participar por meio de seus “professores leitores”, que passaram a ler para eles canções e poesias de autores cariocas e não cariocas. E também a encantá-los com as músicas de Tom Jobim e Vinícius de Morais.

As professoras perceberam que as crianças se interessavam e aprenderam muito.À maneira deles,“pediam” que as professoras lessem: pegando os livros da prateleira, folheando-os, colocando no colo da professora, repetindo algumas palavras que tinham ouvido. Isso é muito importante, pois desde pequena a criança vai mergulhando nesse universo leitor, ouvindo textos de reconhecida qualidade literária, ampliando seus conhecimentos. Pelas fotos da exposição e pela produção de todos os envolvidos é possível ter uma dimensão maior do que aconteceu.

Bastidores do projeto A seguir, reflexões do formador, trechos de diários das professores e produção das crianças.

Como tudo começou
Pensando em criar um contexto interessante para o processo formativo das professoras e para a aprendizagem das crianças sobre leitura e escrita, sugeri um trabalho sobre o Rio de Janeiro. Não tinha a intenção e nem poderia dar uma aula sobre a cidade. Imagine uma paulista falando para cariocas, impossível!

Burocratizar o assunto, nem pensar! Queria e quero sempre na educação: encanto e paixão. Queria ver a cidade no coração delas, na vida, na emoção. Fiz o que meu próprio coração mandou. Comecei perguntando: quais os encantos especiais que vocês reconhecem na cidade? O que poderia ser matéria do trabalho? Quais os destaques da cidade?

Listamos as praias, os parques, os lugares (citaram o Autódromo de Jacarepaguá, o Parque Lage, o Maracanã, os Arcos da Lapa e a Catedral), as personalidades (cantores, sambistas e a história do samba), os bairros, a história da cidade etc.

Comidas, brincadeiras, passeios e praias: o Rio tem tudo e muito mais

Acrescentei os assuntos que havia pensado como possíveis projetos: brincadeiras e brinquedos de praia, comidas típicas, paisagens, lugares interessantes, fauna e flora, praias, prédios históricos, museus, história da cidade, a excapital, personalidades (músicos, poetas, artistas), músicas sobre a cidade, histórias de praia e mar; festas; lendas, crônicas, contos, eventos como o fim de ano e o carnaval. Elas foram ficando animadíssimas e pensaram na formatação dos projetos.

Guia da cidade, postais ou exposição na Casa do Instituto Pão de Açúcar? Concluímos que isso dependeria também de recursos físicos e financeiros de que disporiam. Ficamos de investigar.

Iniciando o planejamento Durante o encontro de formação mensal, há um momento do trabalho em subgrupos. Nesse dia a consigna foi pensar no que gostariam muito de fazer, contar e estudar. Para que esse tipo de trabalho desse certo, era preciso estudar bastante, pesquisar e envolver-se.

A partir daí, seria possível planejar o projeto pensando em atividades de leitura e escrita foco do nosso trabalho no período. Relembrei que pretendíamos trabalhar com a leitura para saber mais e com a escrita para contar e informar.

Afinal, a finalidade da escola é criar condições para que as crianças, vivendo em um ambiente letrado, tenham a oportunidade de ter na leitura e na escrita momentos de comunicação significativa.

As crianças impressionaram-se muito com as histórias sobre as condições dos presos e, principalmente, sobre as punições, que eram desumanas, incluindo até o fuzilamento. Esse foi o tema de muitos desenhos.

Elas ficaram muito entusiasmadas, havia uma grande felicidade no olhar, estavam vibrando. À medida que discutiam e refletiam, algumas ficavam animadíssimas, outras temerosas com tanto trabalho que viria. Mas todas tomadas pelos acontecimentos que estavam por vir. Vou passando pelos grupos e vejo nascendo vários trabalhos: sobre futebol, times, histórias, hinos, estádios, locais culturais e turísticos – o Centro Cultural do Banco do Brasil, a Biblioteca Nacional, as praias, os parques. Pensaram, também, nas comidas típicas, sucos, frutas, receitas. Às meninas do berçário foi sugerido que fizessem o projeto envolvendo as famílias.

Pensei com meus botões que precisava trazer sugestões de bons projetos sobre cidades, de trabalhos similares envolvendo outras áreas do conhecimento.

Daria conta de tudo aquilo? Seria interessante sugerir visitas a pontos interessantes e nos encontros de formação cada educadora contaria sobre o que viu.

Não poderia esquecer de trazer para o encontro seguinte trecho de livros que falassem sobre o Rio de Janeiro. As primeiras escolhas Voltamos ao grupo grande e todas puderam falar sobre o que pensavam desenvolver:

Berçário l: samba, letras de músicas; Berçário ll: artistas e personalidades do Rio (Tom Jobim,Vinícius de Morais), Maternal: comidas e influências, o livro de receitas, as receitas sendo executadas, as histórias das comidas, as compras, fazer muitas receitas e escolher as que iam para o livro; Jardim l: esporte, futebol e sua história, visitas, hinos, ídolos, uniformes, torcidas, rivalidades; Jardim ll: pontos turísticos, para saberem mais sobre lugares que são referência do estado do Rio de Janeiro, Teatro Municipal, Rocinha.

Recomendei produzir com as crianças listas com dicas sobre o que levar nos lugares ou orientações sobre como chegar lá, outra possibilidade seriam legendas para fotos, Jardim lll: a agenda cultural, os pontos culturais da cidade, Museu Aéreo Espacial, Biblioteca Nacional e as Municipais, Palácio da Guanabara. Teriam que organizar visitas e obter informações sobre os lugares.

Próximos passos
Deixo sempre tarefas agendadas para o próximo encontro, dali a um mês; desta vez teriam de elaborar o projeto, organizar as seqüências para a apresentação e discussão no encontro. Sugeri que enviassem rascunhos por e-mail ou correio, com antecedência, para que pudesse dar contribuições. Pedi também que já coletassem informações sobre o tema escolhido, com o objetivo de fazer breve apresentação para o grupo, além dos projetos. Entusiasmo ou frio na barriga? Ambos.

Lembrei que poderiam trazer guias de diferentes modelos para se inspirarem. Comentaram que aprenderiam bastante. Sem dúvida! Ao final, não me ocorre nada mais original do que citar O Pequeno Príncipe: “tu és responsável por aquilo que cativas”, e também um querido brasileiro nosso conhecido, “E agora José ?. E agora?”

Tom Jobim e Vinícius de Morais, dois cariocas da gema

Dos diários das professoras
A professora Lauriê decidiu elaborar com suas crianças com textos informativos sobre diferentes pontos turísticos e, a partir das visitas, produziu uma série de cartazes a que deu o nome de “Rio e seus Encantos.”

Visita ao forte
Muitas crianças não participaram da visita ao Forte de Santa Cruz, na Barra. Para socializarmos todas as informações fizemos uma roda de conversa. Contaram com entusiasmo tudo o que lembravam. Mostrei a elas o papel em que anotei algumas informações que eram inéditas para nós. Luana, que não foi ao passeio, pediu que eu lesse as minhas anotações. Isso contribuiu para que lembrassem de alguns fatos e palavras como, por exemplo, os componentes da mistura usada na época como se fosse cimento: óleo de baleia, calcário e mariscos.

Na hora de organizar aquelas lembranças para a elaboração do texto da nossa exposição, perguntei ao grupo se poderíamos escrever exatamente como falamos. Rafa respondeu que não, porque as coisas que lemos não são iguais às que falamos.

Pedi a atenção de todos para a fala de Rafa, sempre participativo, que lembrou que devíamos registrar os 22 canhões lá existentes. Hugo disse que os canhões serviam para defender a cidade dos “invasores”. Douglas completou dizendo que os canhões não funcionavam mais. Lembraram que as pedras do Forte vieram de Portugal.

Ao escrevermos sobre a prisão não recordaram o nome da sala escura, a masmorra. Então recorremos ao guia que descreveu o forte e essa palavra entrou no nosso texto.O mesmo aconteceu com relação aos invasores do Rio de Janeiro que Douglas dizia ser os portugueses, mas, na verdade, eram os holandeses e os franceses.

Elaboração de listas
A professora Raquel trabalhou com as crianças a elaboração de listas de “dicas” para quem vai à praia. O que levar para comer, para beber, para brincar e que precauções tomar. Uma das atividades constituiu-se em uma roda de socialização das idéias e conhecimentos, produção de textos coletivos e ilustração.

“Durante a roda, li algumas indicações de lugares interessantes no Rio de Janeiro, como restaurantes, hotéis etc. Lembrei das indicações que fizeram de alguns livros e histórias e disse que poderíamos fazer algo parecido em relação aos lugares da cidade. Compartilhei com elas a exposição para que tomassem consciência e pensassem no trabalho visando esse destino. Fizemos um passeio à praia de Copacabana e as crianças haviam feito uma lista do que levar e que precauções tomar. Isso causou alguma confusão,
pois durante a discussão percebi que falavam muito do que levar para se proteger do sol, o que comer, quais brinquedos e como se vestir.

Sugeri, então, uma divisão no grupo, para se organizarem melhor. Havia também um pouco de algazarra, pois o número de crianças era grande e se empolgavam relembrando o passeio. Retomei a leitura de diferentes tipos de listas para que conhecessem o tipo de texto que fazia parte dos folders, das revistas e dos jornais que levei para roda.

Discutimos o que seria importante indicar para as pessoas e reli a lista que fizemos antes do passeio. Observaram que alguns itens, como protetor solar e guarda-sol, não foram utilizados pois o sol estava fraco, porém concluíram que precisavam constar da lista. Após a organização dos grupos nos dirigimos ao quadro de giz para ver como iria ficar a distribuição nos cartazes (expliquei que faríamos primeiro no quadro e depois montaríamos o painel).

Dividi o quadro em quatro partes e, em cada uma delas, escrevi os títulos em conformidade com o grupo que fazia a atividade. Eles ditavam os itens enquanto eu escrevia. Ao lado as crianças desenhavam o item correspondente. Em certas situações de escrita, algumas crianças tentavam descobrir a letra inicial dos nomes por intuição, outras utilizavam indícios apoiando-se nas vogais iniciais, e ainda havia as que não se importavam com a escrita. Porém, todas demonstravam interesse pela atividade e se preocupavam com os desenhos que faziam.

(Cisele Ortiz, M.Virgínia Gastaldi e professoras do CEI)

A equipe posa feliz na abertura da Exposição “Rio, prazer em conhecer”

Ficha técnica:

Este trabalho foi desenvolvido pelas professoras Lauriê Ramos de Lemos, Kelly da Silva Teperino e Raquel Souza da Conceição, do Centro de Educação Infantil do Instituto Pão de Açúcar de Desenvolvimento Humano. Maria Virgínia Gastaldi faz o trabalho de formação no CEI e Cisele Ortiz coordena o projeto. Apoio: Instituto Pão de Açúcar de Desenvolvimento Humano.

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