Informática na Educação Infantil

Há quem afirme que uma tecnologia nova é aquilo que não existia quando nascemos. Embora o computador possa ser uma nova tecnologia para nós, educadores, não o é mais para crianças de Educação Infantil.
Ao menos na Global School, a Escola Internacional da Bahia


Quando as crianças que hoje estão na educação-infantil nasceram, o computador já fazia parte do mundo. Por isso, não tem cabimento deixá-lo de fora da escola. Além disso, ele não pode mais ser visto como uma mera ferramenta de trabalho e muito menos como uma máquina de escrever glorificada. Trata-se de um meio de comunicação poderoso e não faz nenhum sentido ter máquinas isoladas que não estejam conectadas em redes internas e externas. Com a crescente popularidade dos micros, as escolas entenderam que deveriam ter aulas de informática. Contrataram professores especiais para essa nova disciplina, inventaram atividades descontextualizadas, compraram programas e joguinhos e submeteram as crianças a um treinamento de utilização de edição de texto, planilha eletrônica e outros absurdos. Os pais, em sua maioria também não-usuários, ficaram satisfeitos. Em nossa escola percebemos desde o início essa aberração. Ninguém jamais imaginou dar aula de lápis, caneta ou de telefone celular, portanto, dar aula de computador deve parecer para as crianças uma coisa muito estranha, ainda mais para aquelas que têm essa máquina em casa. A informática para o usuário comum é um meio, não um fim. Portanto, se o computador tem algum lugar a ocupar na escola, é nas salas de aula, não dentro de um laboratório. Quem tem que utilizar o computador em sua prática diária é o educador, não um outro profissional só de informática, e o uso deve ser constante, quando necessário, e não uma ou duas vezes por semana por cinqüenta minutos.

Os computadores são utilizados livremente, na sala de aula

Os computadores são utilizados livremente, na sala de aula

Dizemos que as práticas de educação devem ser as mais próximas possíveis das práticas sociais reais. Há muito tempo que compreendemos que as crianças não devem escrever só porque a professora mandou, e sim porque precisam
redigir um aviso, fazer um convite ou solicitar algo que necessitam. No entanto, a informática nas escolas é artificializada.
Sem educadores usuários de computador, não temos a menor chance de fazer um bom uso da informática na escola. A utilização constante, e real, tal como acontece no dia-a-dia fora da escola, a necessidade de uso do computador para comunicação, suas possibilidades, a conectividade de redes e a cultura hipertextual devem ser evidentes a cada momento do dia. Assim, as máquinas em nossa escola estão presentes em todas as salas e todas são conectadas à rede interna com acesso 24 horas à internet.

Faz parte do nosso procedimento diário ligar o computador antes de qualquer outra coisa, e ele é o último a ser desligado ao término
do expediente. Existe um tráfego intenso de e-mail por toda a escola. Todos incluem na sua rotina pelo menos dois acessos à caixa postal interna e à externa todos os dias. A minha caixa postal interna tinha 17 mensagens esta manhã, vindas de apenas 19
máquinas espalhadas pela escola. Se o computador é um meio de comunicação, eles não podem estar todos dentro de um mesmo
espaço. Um dos cenários mais importantes que resultaram da miniaturização das tecnologias é a modificação das dimensões de espaço-tempo. O homem torna-se onipresente em seu planeta. Não existem mais distâncias e fusos horários. Juntar os
computadores em uma única sala rouba das crianças a oportunidade de vislumbrar essa realidade.

Em nossa escola as crianças são incentivadas a se aproximar da máquina sem medo. Sobretudo, na sala de 2 e 3 anos, os arquivos são deletados e as configurações alteradas quase que diariamente no início do ano. Chegamos a reinstalar o Windows várias vezes por semana. Mas é fundamental
que a criança não desenvolva a insegurança,
que afasta muitos adultos do micro e impede essa aproximação amigável. Elas precisam
interagir com a máquina, utilizando a única fórmula que se conhece para produzir conhecimento: “pensar”, formulando e testando suas hipóteses. O importante nos grupos de crianças mais jovens é o exemplo.

Como o computador está presente no nosso ambiente de trabalho e integrado a ele, as crianças nos observam diariamente escrevendo, construindo bancos de dados, elaborando planilhas, pesquisando na internet, assistindo a apresentações em multimídia e criando homepages. Para elas o objeto e as atividades desenvolvidas nele passam a ser tão familiares como a televisão que elas ligam, desligam e trocam o canal usando o controle remoto sem nenhuma dificuldade. Muitas vezes, ao nos verem escrevendo nossos relatórios diários, as crianças pedem para usar o Word e escrever também. Nesses momentos, Luzinete, que trabalha no grupo de crianças com 2
anos, procura despertar a curiosidade da criança para descobrir tudo que se esconde em um teclado.

São esses momentos espontâneos de interesse que devemos saber explorar para proporcionar saltos qualitativos que não podem ser previstos no
planejamento. “Alguns dos conteúdos importantes para as crianças de 2 anos”, diz Luzinete, que trabalha com o grupo, são “aprender a conservar o computador e conhecer suas partes, bem como respeitar o direito de cada um usá-lo na sua vez.” É importante também que elas comecem a construir hipóteses sobre para que serve o computador. “As crianças me vêem todos os dias verificando minha caixa postal e perguntam: chegou e-mail?”, acrescenta Annya, que também trabalha com crianças de 2 anos.

Quando chegam mensagens endereçadas ao grupo, elas são lidas para as crianças e respondidas, como o e-mail da mãe de Marcelle, que escreveu para o grupo contando o fim de semana da família.
“O e-mail da mãe de Marcelle trouxe muitos detalhes que pudemos explorar naquele dia com as crianças”, conta Annya.
No grupo de 3 anos “o contato maior que as
crianças mantêm com o computador é com os
jogos”, explica Sandra, que atua nessa faixa etária.

Como só temos uma máquina na sala, sente-se a necessidade de fazer uma escala de rodízio para administrar a concorrência. A facilidade de controlar
o tamanho e as fontes no computador ajuda
na aquisição da base alfabética. Todos os cartazes, avisos, etiquetas etc. são confeccionados na presença das crianças e com a ajuda delas. O computador pode também servir como elemento disparador de projetos e como um elemento integrador das atividades da escola e oferece um contexto real para produção de leitura e escrita. Lívia conta: “Ao terminarmos o nosso projeto O Museu da Bruxa Onilda, recebemos e lemos vários e-mails com elogios feitos ao nosso grupo, aos quais respondemos agradecendo. Cada criança digitou o seu nome, assinando a mensagem.”

Os computadores são utilizados livremente, na sala de aula

As crianças do grupo quatro possuem um entendimento claro de que o computador em rede é um meio de transpor as barreiras do espaço e sabem utilizá-lo com esse fim.
No início do ano as crianças de 5 anos se
restringem a usar o computador apenas para jogar. Depois começam as trocas e experimentações. “Um dia resolvi inovar e disse: Hoje vamos escrever a rotina no computador. Iremos fazer a roda em volta dele e o líder de hoje será o escriba”, conta Maria Fernanda. “As crianças ficaram super entusiasmadas decidindo sobre o tamanho e as cores das letras, se usariam maiúscula ou minúscula.

Até eu me surpreendi, não tinha expectativa de que crianças dessa faixa etária iriam produzir um texto”. As crianças que possuem computador em casa têm mais oportunidade de usar a informática e avançam rapidamente nas suas descobertas. A socialização desse conhecimento em sala produz um efeito de reequilíbrio. Carol digitou em casa toda uma história e uma letra de música e apresentou o produto do seu trabalho no dia seguinte com orgulho: “Eu fiquei de dia até de noite para fazer essa história e a música, mas eu consegui.”

Hoje Carol é uma espécie de monitora da turma, compartilhando seus conhecimentos com os demais. Próximo do fim do ano a interação com o computador no GR 5 já é muito grande. Nessa fase as crianças começam a abrir os jogos sem o nosso auxílio, escrevem bilhetes, gostam de trocar sozinhas a fonte, a cor e o tamanho das letras. Isso é
de grande valia para que percebam a infinidade de aparências diferentes que as letras possuem no mundo real. “Nós também utilizamos a internet para realizar pesquisas”, conta Silvinha, que também
atua no GR5, “com a total participação do
grupo, pois já compreendem que cada site tem o seu próprio endereço eletrônico”. Chegam às vezes a ditar o endereço.

No grupo de crianças de 6 anos o computador
– além de ser um agente favorecedor da aquisição da linguagem escrita – contribui para que elas aprendam a assumir responsabilidades no progressivo controle sobre sua própria formação. Elas enviam
relatórios semanais por e-mail para o
Headmaster (título de diretor de uma escola internacional) fazendo uma reflexão sobre o que aprenderam naquela semana. Na segunda-feira o Headmaster faz a devolução dos relatórios. Escolhemos alguns exemplos que ilustram o processo de organização da comunicação escrita mediada pelo computador.

O primeiro exemplo mostra três crianças com estágios diferentes de aquisição da base alfabética. É comum no início do ano as crianças do GR6 digitarem o texto utilizando só maiúsculas ou minúsculas e até não dividir as palavras, deixando espaços entre elas. Por essa razão a líder de grupo, para me ajudar, envia a tradução entre parênteses.

O próximo exemplo é datado de maio e tratase de um e-mail que recebi do Presidente do Conselho do Grupo, em resposta a uma mensagem minha reclamando que não havia recebido o último relatório. Observem que eu me dirigi a ele de maneira formal, como convém a um presidente. Ele me responde

Paulo, Eu enviei o relatório na sala da coordenação com Kelli porque o computador da sala está quebrado. Procura lá que Kelli lhe dá. Essa semana nós gostamos muito das atividades. Eu gostei mais daquela do fim de semana. Hoje foi engraçado, Teresinha me viu cantando e dançando. Assinado: Flávio

No último exemplo Iara me comunica que o antigo presidente do Conselho do Grupo renunciou ao cargo e me informa que assumirá a presidência do Conselho do GR6V e que aceita a responsabilidade de enviar relatórios semanais e organizar o grupo.
As comunicações via e-mail proporcionam um contexto real de produção de comunicação escrita particularmente interessante para esse momento da organização da linguagem escrita, porque e-mails são geralmente curtos, objetivos, e preservam a autenticidade do mundo real. Não são curtos simplesmente porque as crianças ainda não produzem textos longos.

Todos esses exemplos ilustram como o computador
contextualiza a comunicação escrita, além de promover o exercício da autonomia na aprendizagem, fazendo com que a criança se habitue a refletir sobre o que aprende. Nas séries seguintes, as produções textuais se tornam progressivamente mais complexas, potencializam exercícios de metacognição
mais elaborados, permitindo que a aprendizagem adquira significados mais pessoais e sofisticados.

(Paulo Pérrisé e equipe1, Doutor em Psicologia
pela USP/SP, coordenador do Projeto The
Global School® e diretor da Escola
de Educação Internacional da
Bahia)

1 Cristiane Passos, Soraia Souza, Maria Fernanda Barreto, Silvia
Passos, Lívia Alcântra Viveiros, Patrícia Peixoto, Sandra Fróes, Annya Freire e
Luzinete Menezes dos Santos

Partes deste texto
foram publicadas
no Caderno de
Informática do
Correio da Bahia,
1998

Contatos com Paulo Pérrisé

  • Escola Internacional da Bahia – The Global School, caixa postal 7186, Salvador, Bahia, CEP 41811-970, Tel.: (0XX71) 461-1004 – www.globalschool.com.br, e-mail: pperisse@globalschool.com.br
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