Supervisão pedagógica como estratégia formativa

Observação da prática durante atividades de leitura pelo professor permite que o formador identifique possibilidades de melhorias da atuação do coordenador pedagógico

avisala_39_forma1No programa Formar em Rede1, a supervisão pelo formador local nas unidades educativas é uma das ações de grande importância. Tem o objetivo de apoiar e instrumentalizar o desenvolvimento de projetos institucionais. Durante os dois anos de atuação no município de Caxias – MA, muitos obstáculos precisaram ser vencidos não só por nós, formadoras, como por todos os envolvidos. No percurso, entendemos que algumas estratégias são imprescindíveis para uma reflexão sistemática sobre a prática e, nesse caso, a supervisão pedagógica foi uma dessas que implementamos, embora com algumas dificuldades. A primeira delas dizia respeito ao paradigma histórico entendido como inspeção, fiscalização, que culminaria com punição no imaginário de muitos profissionais. A segunda relacionava-se ao sentimento de insegurança e vergonha dos professores em terem suas práticas desveladas. A terceira referia-se à dificuldade em definir um foco de observação da prática pedagógica dos eixos em estudo (em 2007, o brincar e, em 2008, a aproximação com a cultura escrita) quando notávamos tantas necessidades formativas. Em nossas primeiras visitas, eram típicos alguns comportamentos entre os docentes, entre eles: fecharem a porta de suas salas, enviarem recados ríspidos. A sensação de desconforto quando observados por nós dava-nos a compreensão de que não éramos bem-vindas àquele contexto. Com o olhar voltado ao terceiro aspecto e tentando superar os dois primeiros, iniciamos em 2008 uma sistemática de supervisão mensal2 seguindo uma pauta que serviria de modelo para o coordenador da escola, principalmente por se tratar de algo novo em sua prática. Tomamos as datas definidas na agenda escolar, as turmas determinadas para a supervisão e a atividade a ser observada – leitura pelo professor. Dessa maneira, todos estariam organizados e aguardando nossa visita, que já não seria surpresa. Notamos que essas medidas minimizaram um pouco a ansiedade do grupo, mas ainda tínhamos muitas de nossas ações malcompreendidas, inclusive porque não estavam tão definidas e claras para nós. Outro passo fundamental nesse exercício foi a estruturação da pauta de supervisão com um foco a ser observado mencionado no objetivo e nas estratégias selecionadas. Inicialmente, sentíamos a necessidade de abarcar tudo na supervisão, mas, a partir de trocas de ideias e devolutivas em nossas pautas pela consultora3 fomos ficando mais afinadas no que eleger e por quais motivos. A impressão que tínhamos é que superada uma dúvida novas questões surgiriam como um espiral que gira em torno de si mesmo. Uma vez resolvido o dilema da elaboração da pauta ficamos com a dúvida de como dar vida e sentido ao registro. Iríamos apenas ler para as coordenadoras pedagógicas a pauta ou faríamos também a supervisão nas salas? Compreendemos, então, que teríamos de realizar as duas ações. No entanto, ainda nos restava outra inquietação: como compartilhar com os coordenadores e diretores as informações coletadas na supervisão4? Conquista de confiança Realizávamos a supervisão em uma sala e conversávamos com o professor sobre alguns pontos observados para serem objetos de reflexão. Avaliamos que este ainda não era o melhor formato e resolvemos alterar o nosso encaminhamento. Decidimos manter a supervisão na sala de aula, porém não compartilhar diretamente com os professores as observações. Nossa atitude era mais atuar como referência. Onde encontrávamos abertura, participávamos da roda da conversa depois da leitura com as crianças e atuávamos como parceiro mais experiente e modelo para a professora e a coordenadora que nos acompanhavam nessa atuação. Esse formato foi mais bem aceito e produtivo e, assim, ficou estruturada nossa sistemática. No primeiro momento, conversávamos com o coordenador e o diretor sobre o foco do trabalho, apresentando e discutindo a pauta. Nessa oportunidade eles sempre relatavam as angústias vividas no exercício de formador, como a resistência de professores em planejar os momentos de leitura, de fazer registros escritos reflexivos, de realizar leituras para as crianças com um fim em si mesmas e não a mercê de outras atividades. As conversas foram sempre muito produtivas porque sabíamos pelos relatos como estava o envolvimento deles com a formação. Também era um momento de acompanhar de perto as ações do projeto institucional e as mudanças não só organizacionais, como as didáticas. Essa aproximação só se deu pela regularidade de nossas visitas uma vez que os encontros de formação não contemplavam uma conversa mais intimista. À medida que o grupo de gestores foi significando a supervisão como mais uma estratégia formativa, muitos equívocos, problemas e desconhecimentos foram sendo compartilhados num clima de mais confiança entre parceiros. Um exemplo: para os formadores da escola não era claro que o professor precisava organizar a roda de leitura pensando em todos os momentos (antes, durante e depois), mas apenas ler as histórias previamente. Também foi possível esclarecer a diferença entre ler e contar histórias. Havia professores que ora liam ora contavam e todos consideravam como uma boa prática, pois envolvia os ouvintes. Nas reuniões que aconteciam em seguida às observações realizadas, pontuávamos os avanços, as dificuldades, e refletíamos de que modo poderíamos auxiliar o professor na realização de atividades mais significativas. Esse movimento contribuiu para instrumentalizar o olhar do coordenador e do diretor. Concluímos que era fundamental criar situações em que os professores vivenciassem a leitura de histórias e quisessem compartilhar para num segundo momento analisar essas situações homólogas. Ou seja, se para o adulto era prazeroso ouvir boas histórias e despertar o desejo de conhecer outras, para a criança seria bem semelhante se tivessem essa intencionalidade. No entanto, esse discurso só ganhou sentido depois de ser realmente compreendido pelos gestores que passaram a ter novos observáveis para promover intervenções importantes. Aqui se dava o elo com os encontros de formação, pois, nesses momentos, assumíamos o papel de leitoras mais experientes e cuidávamos não só da escolha, como também de seu preparo. Cientes da necessidade e expostos a bons modelos, os coordenadores reproduziam em seus encontros esse papel a fim de seduzir o professor a realizar rodas mais qualificadas com suas turmas. Foram muitas outras questões discutidas nas supervisões que auxiliaram o coordenador e o diretor nas suas tarefas de formador, dentre elas, explicitar para todos os comportamentos leitores exercidos por professores e crianças no momento da roda, como: expressar suas impressões sobre a história a ser lida no início e final. A tomada de consciência desse e de outros comportamentos leitores permitiu que deixássemos mais visíveis os avanços alcançados com relação à aproximação da criança com a cultura escrita, assim como também do adulto, que passou a explicitar de forma intencional esses comportamentos. O segundo comportamento leitor conquistado e apropriado pelos profissionais, que incidiu em bons resultados, foi compartilhar informações sobre o contexto de produção e o autor da história. O terceiro foi a troca de opiniões sobre os fatos e pontos mais interessantes entre os que ouviam. Profissionais mais seguros As mudanças ficavam evidentes a cada dia e tanto os coordenadores como diretores passaram a realizar com mais competência suas supervisões, o que refletia em professores mais descontraídos e seguros, mesmo em nossa presença. Assim, encontramos um formato que para nossa realidade ia ao encontro das necessidades: experiências prévias respeitando a individualidade e o tempo de cada um. Outra decisão fundamental foi o fato de que o observado por nós não seria objeto de discussão do coordenador com o professor de maneira direta e sim fonte de informação e roteiro do que o coordenador e o diretor deviam buscar em suas observações. Acreditamos ter instrumentalizado os gestores para que de modo autônomo passassem a fazer os questionamentos para o professor tomar consciência do próprio agir e assumir uma postura mais reflexiva. O relato de Raimunda Viveiros (Mundoca), coordenadora pedagógica do Centro de Educação Infantil Rosina, evidencia como a supervisão contribui para o seu papel de formadora.

“O processo ajudou na minha ‘ansiedade’. Achava que não ia conseguir ser uma coordenadora, mas, na conversa com vocês durante as supervisões, ficava mais calma. Fazia uma espécie de ensaio em cima dos pontos discutidos e, então, tinha outras ideias de como melhorar o trabalho do professor. Passei a deixá-lo mais à vontade porque antes eu cobrava muito… Minha aprendizagem não foi só na parte intelectual, mas emocional, até física, pois me sentia cansada. Este ano vai ser mais fácil. A elaboração de pautas passou a ser rotina na minha prática e também na escola. Nas conversas com as crianças, sentimos a necessidade de registrar tudo. Não sabemos fazer nada sem registrar. A paciência, a tolerância, a busca de fontes tornou-se uma prática constante.”

Muitas vezes, o coordenador relatava que alguns professores julgavam que a presença do formador local atrapalhava a rotina de trabalho ao realizar a roda de leitura. Compreendemos, então, que a leitura pelo professor ainda não era uma atividade permanente e precisava ser para que as rodas não se tornassem momentos pontuais só ligadas às supervisões. Buscamos indagar o coordenador de como estava estruturada a rotina da escola e para nossa surpresa, em algumas instituições, o que a determinava era o tempo necessário para as crianças realizarem as atividades de escrita, isto é, cópia de letras e números. A (re) estruturação contemplando a roda de leitura como atividade permanente diminuiu as atividades inadequadas e tornou possível a reflexão do professor sobre esse momento. Sendo realizadas diariamente, as rodas de leitura fizeram todos ampliarem o repertório de histórias conhecidas e se tornarem bem mais criteriosos na escolha de bons livros para serem lidos. No início deste ano, as sete escolas do nosso grupo pontuaram como ganho a (re)estruturação da rotina escolar otimizando o tempo, organizando a prática dos professores, tornando as propostas pedagógicas mais dinâmicas e produtivas. O que podemos concluir é que nessa jornada de formador o uso da supervisão como estratégia formativa nos fez enfrentar muitos desafios e construir muitas aprendizagens. A principal delas é que a supervisão é um processo e o seu formato é construído nas idas e vindas da formação. Não existe estrutura definida para se ter um bom ou mau resultado, sua validação depende de quem está realizando, com que finalidade e para qual público. O desenho definido pelo município de Caxias – MA trouxe bons resultados. Porém necessitamos fazer adequações a cada etapa, pois sempre há profissionais diferentes, com novos olhares e outros dilemas. Nos dizeres de Isabel Alarcão4: “supervisionar deverá ser um processo de interação consigo e com os outros, devendo incluir observação, reflexão e ação do e com o professor”5. A concepção de supervisão definida pela autora valida o perfil dos profissionais que atingiram bons resultados. Todos os que enfrentaram os desafios apresentados e que exerceram a postura de parceiro mais experiente na escola conseguiram trabalhar coletivamente. Com isso, os professores construíram muitas aprendizagens externadas nos momentos das rodas de leitura, nos depoimentos e nos desempenhos dos pequenos que culminaram em bons registros escritos. Em 2007, realizamos apenas uma supervisão e no ano de 2008 fizemos seis. Das sete escolas do grupo, cinco têm a prática orientada por uma pauta como ação indispensável da formação, ou seja, faz parte da rotina do coordenador, sendo realizada todos os meses em cada sala da instituição. Mesmo que não façamos a nossa supervisão em determinado mês, as coordenadoras elaboram suas pautas e nos procuram em busca de devolutiva e análise de seu registro. A cada passo dado descobrem-se novos obstáculos e percebem-se os desafios vencidos, fazendo do ontem uma experiência, do hoje um exercício de descobertas e do amanhã o limiar na (re)construção de novas práticas, capazes de formar cidadãos e cidadãs mais felizes. (Maria de Nazareth Fernandes Martins e Neonilia Viana Maia Alves, formadoras local do Programa Formar em Rede do Município de Caxias – MA) 1Programa de formação a distância desenvolvido em 15 municípios diferentes. É uma iniciativa conjunta dos Institutos Avisa Lá e Razão Social em parceria com o Instituto C&A, Gerdau e Natura. 2A observação em sala é usualmente feita pelo coordenador pedagógico. No caso, os formadores locais excepcionalmente atuaram diretamente para atender demanda específica do município. 3Consultora do Instituto Avisa Lá para o Programa Formar em Rede. 4O papel do formador local nas situações regulares é tematizar as práticas do coordenador pedagógico para que este possa, cada vez mais, assumi-las com autonomia, assegurando o seu lugar de formador dentro da escola. 5Professora catedátrica aposentada da Universidade de Aveiro, em Portugal e membro fundador da Unidade/Centro de Investigação Didática e Tecnologia Educativa na Formação de Professores. Tem desenvolvido intensa atividade pedagógica e científica em duas áreas que procurou interligar: Didática e Supervisão. 6AMARAL, Maria João et al. O papel do supervisor no desenvolvimento do professor reflexivo: estratégias de supervisão. In: ALARCÃO, Isabel (org.) Formação Reflexiva de Professores: estratégias de supervisão. Coleção: Cadernos Cidine. Porto Editora, 1996.

Memorial da Balaiada

Memorial da Balaiada

Ficha técnica

Programa: Formar em Rede Coordenadora (na época da supervisão): Luciana Hubner Consultora: Renata Frauendorf Responsabilidade técnica: Instituto Avisa Lá Parceiros: Instituto Razão Social em parceria com o Instituto C&A, Gerdau e a Natura Desenvolvimento: Secretaria de Educação de Caxias – Maranhão. Departamento de Educação Infantil – Pça. Panteon, s/no – Caxias – MA. CEP 65000-600 – Tel.: (99) 3521-2588 Site: www.formaremrede.org.br

Para saber mais

Livros

  • Escola reflexiva e supervisão: uma escola em desenvolvimento e aprendizagem, de Isabel Alarcão, Porto Editora, Portugal. Tel.: (+351) 22 608 83 00. Fax: (+351) 22 608 83 01. Site: www.portoeditora.pt
  • Professores reflexivos em uma escola reflexiva, de Isabel Alarcão, Editora Cortez. Tel.: (11) 3611-9616. Site: www.cortezeditora.com.br
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