Um projeto aliado ao brincar

Nas unidades educacionais o brincar organiza o ambiente, a rotina e traz à tona o papel do professor
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Fotos: Arquivo Sme de São Bernardo do Campo

No município de São Bernardo do Campo, em São Paulo, um dos 30 participantes da primeira edição do Programa Formar em Rede1, percebeu-se, após a realização de uma avaliação inicial sobre o brincar em suas creches conveniadas, a necessidade de ampliação dos olhares dos educadores em relação ao espaço destinado às brincadeiras. O diagnóstico revelou, ainda, a necessidade de se investir na proposição de momentos de brincadeiras e suas intervenções, direta ou indiretamente. Essa tarefa colocou o profissional em um contexto de aprendizagem real no qual ele aprende fazendo, errando, acertando, tomando decisões. Desta forma, a resolução de problemas, um dos princípios da formação de educadores, foi contemplado diretamente.

A escolha do brincar para iniciar o Programa não foi aleatória. Consideramos não só a relevância deste conteúdo na Educação Infantil, como também por ser uma prática nas instituições, caracterizada, na maior parte das vezes, por mal-entendidos. Este foi o conteúdo comum a todos os municípios no primeiro ano da formação, respeitadas as especificidades e consideradas as diferentes realidades de cada rede. Desde o primeiro seminário do Programa, realizado em São Paulo, em abril de 2007, que reuniu mais de 60 profissionais, a equipe do Instituto Avisa Lá acompanhou a distância os trabalhos realizados nos municípios, e muitas conquistas começaram a aparecer depois de alguns meses de estudo, reflexão e ação.

Projetos institucionais
Elegemos como estratégia de formação a realização de projetos institucionais, pois geralmente eles partem de boas situações- problema, que precisam ser resolvidas pela equipe. Este tipo de projeto, pouco conhecido nos municípios, abrange mudanças organizacionais, além de envolver diferentes atores das instituições e da comunidade, possibilitando alterações na rotina e no espaço físico, dentre outros aspectos.

Além da elaboração de projetos institucionais, foram práticas comuns entre as formadoras locais e os participantes das formações o desenvolvimento de pautas de encontros, a participação em reuniões on line (ora com os 30 municípios envolvidos no Programa, ora com os do grupo da consultora responsável), ações de formação locais e avaliação com portfólios. Práticas supervisionadas e analisadas pelas consultoras, com o intuito de problematizar os materiais produzidos nos municípios e disponibilizar pelo portal2 boas referências, resultados e impactos positivos da formação também fizeram parte da ação.

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Nesse contexto de formação, a proposta foi constituir equipes formadoras nas Secretarias Municipais de Educação, com apoio das consultoras do Instituto Avisa Lá que, por sua vez, tinham o papel de mediadoras no aprofundamento da prática realizada nas instituições, compondo assim uma cadeia de responsabilidades com base numa relação de reciprocidade entre os formadores locais, os sujeitos envolvidos nos projetos institucionais e, em especial, com as crianças.

As formadoras locais do município de São Bernardo do Campo – Leila Orssolan Aboud e Cleide Lovato Daré –, avaliaram que a formação provocou o início de uma nova fase para o fazer pedagógico das Entidades Conveniadas: um Coordenador com um olhar mais distanciado para o ambiente institucional, para as práticas e aprendizagens promovidas por elas; mais atento ao seu papel de parceiro mais experiente, como co-responsável pelo desenvolvimento e aprendizagem das crianças. A parceria com as professoras de apoio pedagógico (PAPs) auxiliando-as na construção de pautas dos encontros, na observação do brincar na Instituição, na ajuda às tarefas solicitadas, tem alavancado as discussões promovidas nos encontros mensais.

Nos encontros mensais, as formadoras, a partir de orientações de pauta encaminhadas pela equipe no ambiente virtual, realizaram discussões visando aprofundar conhecimentos sobre a linguagem do brincar e seu reflexo nos projetos institucionais:

“Em nossas reuniões, resgatamos algumas brincadeiras e cantigas de roda que me fizeram recordar como minha infância foi maravilhosa. Comecei a refletir como eu estava trabalhando com as crianças e acabei modificando muitas coisas em meu planejamento, principalmente as brincadeiras que embora ocorressem, se davam sem muita intencionalidade. A partir do momento que relembrei quando eu era criança, recordei-me que aprendi muitas coisas prazerosas através de brincadeiras. Foi então que percebi quanto as crianças estavam perdendo! Oportunidades tão enriquecedoras e cheias de aprendizagens.”

(trecho do relatório da professora Elisangela de Sousa Santos da Creche Jesus de Nazareth)

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A construção da autonomia tem no brincar sua melhor expressão

Colocando em prática
Entre as inúmeras ações realizadas no município para valorizar o espaço externo como um importante local para as brincadeiras acontecerem de fato destaca-se a proposta da Instituição Assistencial e Educacional Jardim Esperança. A idéia foi organizar um espaço de casinha de bonecas utilizando a árvore do parque e criar um circuito para motocas. Enquanto as crianças dormiam, as educadoras prepararam o espaço externo para a atividade. Após o lanche da tarde, as crianças foram convidadas para brincar na casinha, e tiveram as motocas como opção para chegar até lá. No espaço preparado, as crianças ficaram livres para escolher a brincadeira enquanto as educadoras propunham desafios, mediavam conflitos ou estimulavam a participação de todos. Ao final da atividade, as crianças foram incentivadas a recolher e guardar os brinquedos.

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Ninguém brinca sozinho, há sempre um “outro” sendo internalizado

Quando e como intervir nas brincadeiras?
Durante o processo de formação um dos conteúdos do brincar mais discutido em nossas reuniões on line foi justamente a intervenção do professor nas brincadeiras. Ela deve acontecer? De que forma? Até que ponto o profissional pode ir? É possível não escolarizá-la? A dificuldade em ressignificar o lugar do professor muitas vezes justifica as ações e intervenções que ele julga adequadas. Para muitos, conter e controlar são realmente sinônimos de organização, de autoridade e até de competência pedagógica. Leila Aboud, formadora local de São Bernardo do Campo, reproduziu, em uma reunião on line, a fala de uma coordenadora pedagógica: Pode brincar, mas quando chegar alguém tem que parar e estar tudo arrumado.

Podemos pensar como é possível brincar sem desarrumar e, igualmente, que concepção de brincar e que infância são estas que estão atreladas a esta fala. A criação da casinha e do circuito de motocas, no exemplo já citado, revela-nos uma forma de intervenção indireta desse educador, que cria um ambiente lúdico para promover e enriquecer a brincadeira. E este certamente é um dos papéis de mediação desse educador. Voltando à dificuldade de se definir o papel do professor, o que vemos não raras as vezes são cenários repletos de detalhes, ao gosto do adulto. As crianças dão a impressão de apenas desarrumarem aquilo que foi organizado tão detalhadamente. Várias educadoras se sentem até ofendidas com tal atitude. Mas, aos olhos da criança, o que lhe resta a fazer nesses espaços se tudo está tão arrumado, colocado impecavelmente no lugar? Em um cenário assim as crianças ficam perdidas e não sabem como agir.

Renata Meireles, especialista em brincar, nos dá outra chave para a compreensão do papel do educador durante as brincadeiras: Sugiro a todos a estarem constantemente pesquisando a cultura infantil. Isso significa aproximar-se de grupos de crianças que estejam brincando espontaneamente e perguntar a eles do que brincam e como é que se faz para brincar. Para isso deve-se sentar-se ao chão, ouvir atentamente as coordenadas das crianças, e deixar-se brincar com elas. Conheça os ritmos dos movimentos de mãos, as estratégias dos jogos, as palavras certas para cada momento, como cortar e montar cada parte de um brinquedo. Experimente não analisar nada, não busque respostas certas para serem incluídas nos planejamentos, não permita que estruturas muito concretas lhe envolvam. (Leia o texto na íntegra em www.aliancapelainfancia. org.br/biblioteca)

O adulto deve trazer materiais, organizar espaços, propiciar ambientes que permitam às crianças criar a partir deles, mas sem determinar tudo; caso contrário, continuaremos a arrumar a casinha para as crianças apenas desarrumarem.

(Renata Frauendorf, psicopedagoga da Clínica Soma, em Campinas-SP e formadora do Instituto Avisa Lá)

1Rede é uma comunidade virtual de formadores, com ações presenciais e a distância, cujo objetivo é aprimorar, disseminar e desenvolver práticas de qualidade na Educação Infantil em diferentes regiões do país. Participam do Programa 30 municípios.

2Endereço eletrônico do Portal Formar em Rede: www.formaremrede.com.br

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Na brincadeira eu sou eu e o outro ao mesmo tempo

A Casinha

As casinhas habitadas e construídas por crianças são como ninhos. Um refúgio que dá a possibilidade de entocarse, esconder-se, fechar-se sobre si mesmo, nessa intimidade assegurada e protegida pelos contornos do pequeno lar. Assim como um passarinho que aproveita cada pequeno fiozinho de palha caída no chão, as crianças amarram panos velhos, erguem tábuas, empilham caixas, pregam folhas de árvores, cortam e grudam papelões e reaproveitam cada detalhe disponível ao redor. Uma verdadeira caçada de objetos e estruturas que formam as paredes ou contornos da casa. Isso sem esquecer os apetrechos utilitários – escovas de dente, ferros de passar, camas, chuveiros, lâmpadas, vasos de flores, escorredor de pratos, almofadas –, que podem ser das mais diversas formas e constatam a realidade e a verdade do brincar. Uma construção intensa e rica provando que esses “passarinhos” já sabem voar, e voam alto.

Nessas casinhas infantis brasileiras moram sanhaços, periquitos, japins, sabiás, andorinhas, jacutingas, uirapurus, murucututus, que cozinham, fazem dormir seus filhotes, lavam roupas em cantorias diversas, criam cachorros, limpam a casa, saem para fazer compras, arrumam armários e prateleiras, consertam objetos quebrados, brincando de se enraizar em um cantinho desse mundo. As casinhas são um espaço habitado por essências, segredos e liberdades infantis.
(Fonte: Giramundo e outros brinquedos e brincadeiras, Renata Meirelles. Ed. Terceiro Nome, Tel.: 11 3816-0333)

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Fotos extraídas do livro Giramundo e Outros Brinquedos

Ficha técnica

Programa Formar em Rede
Responsabilidade técnica: Instituto Avisa Lá
Realização: Secretaria Municipal de Educação e Cultura de São Bernardo do Campo – SP
Coordenadora: Luciana Hubner
Consultora: Renata Frauendorf
Formadoras locais: Leila Orssolan Aboud e Cleide Lovato Daré
Av. Wallace Simonsen, 188 – Nova Petrópolis – São Bernardo do Campo – SP. CEP: 09771-210– Tel.: (11) 4336-7777

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Muitos jeitos para ir ao encontro do brincar

Para saber mais

  • O jogo e a educação infantil, Celso Antunes. Ed.Vozes. Tel.: (24) 2233-9000.
  • A arte de brincar. Brincadeiras e jogos tradicionais, Adriana Friedmann. Vozes. Tel.: (24) 2233-9000. Brincar: crescer e aprender.
  • O resgate do jogo infantil, Adriana Friedmann. Ed. Moderna. Tel.: 0800 17 2002
  • Jogo, brinquedo, brincadeira e a educação, Tizuko Morchida Kishimoto Editora Cortez.Tel.: (11) 3873-7111
  • A excelência do brincar, Janet Moyles. Ed. Artmed. Tel.: 0800 703 3444
  • Só brincar? O papel do brincar na Educação Infantil, Janet Moyles. Ed.Artmed. Tel.: 0800 703 3444
  • Era assim, agora não…Uma proposta de formação de professores leigos, Regina Scarpa. Ed. Casa do Psicólogo. Tel.: (31) 3303-1000
  • Rcnei – A Publicação integra a série de documentos dos Parâmetros Curriculares Nacionais, elaborados pelo Ministério de Educação e do Desporto, 1998. O documento se constitui a partir das concepções de criança, infância e educação, oferecendo diretrizes curriculares a todos que atuam na área de Educação Infantil. Volumes disponíveis no site: www.mec.gov.br

Na Internet

  • Quando eu crescer quero me tornar criança – site:www.aliancapelainfancia.org.br/biblioteca

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