Leitura, escrita e grafite

Educadores da zona sul de São Paulo descobriram, no grafite, um grande aliado para o ensino de práticas de leitura, escrita e de artes visuais. Além de promover o avanço na leitura, os conhecimentos adquiridos ao longo do projeto ajudaram crianças e jovens de 8 a 14 anos a pensar formas de intervenção que melhoraram o aspecto dos muros da instituição. Veja como esse trabalho foi realizado com pouco recurso e muito apoio da comunidade.


As crianças e os jovens que freqüentam o Espaço Gente Jovem (EGJ) Santa Cecília eram também alunos de uma escola pública. Mas, mesmo assim, muitos não sabiam escrever, e mesmo os alfabetizados não eram leitores.

Infelizmente são muitos os casos de alunos da 5a, 6a, 7a e até 8a séries com sérias dificuldades para compreender uma reportagem ou um parágrafo de texto, ainda que simples. E, embora a alfabetização seja tarefa da escola, os espaços destinados à complementação escolar não podem ignorar o problema, pois não se pode admitir que crianças de 10, 12, às vezes 14 anos ou mais, continuem analfabetas: educação de qualidade é direito de todo cidadão.

Como a equipe do EGJ Santa Cecília estava encontrando dificuldades para fazer seus alunos avançar, desenvolvi com os professores o projeto grafite, numa aposta de que o contato com esse universo seria suficientemente interessante para os jovens e contribuiria para suas aprendizagens.

Os alunos poderiam ler para aprender sobre o grafite e também conhecer algumas das técnicas de grafitagem que lhes permitissem fazer intervenções no espaço da instituição. O EGJ fica na zona sul de São Paulo, berço do grafite e do hiphop, segundo contam as matérias de jornal e revista que eu li. Imaginei, então, encontrar ali os tais grafiteiros que poderiam, quem sabe, contribuir com nosso trabalho. O próximo passo foi tomar as decisões didáticas.

A primeira versão do projeto
Como professora de apoio1 tinha encontros semanais com o grupo. Utilizava este tempo para desenvolver algumas etapas do trabalho e combinava com o Anderson, educador da turma, outras tantas atividades que ele faria quando eu não estivesse lá. Com ele também discuti os objetivos e conteúdos que o projeto contemplaria.

Propus, como um objetivo a ser compartilhado com o grupo de alunos a produção de um fôlder2 sobre o grafite, para ser distribuído no dia da oficina de grafite, que seria organizada por eles e oferecida à comunidade. Todo texto tem um destinatário, mas às vezes esquecemos disso quando estamos na escola ou no EGJ.

Não queria que isso acontecesse mais uma vez. Era importante os alunos saberem que leriam textos recomendados por mim para produzir folhetos que teriam um destinatário específico: o público da oficina.

Com esse intuito, propus a leitura de diferentes textos para que eles resumissem e pudessem utilizar no final do semestre.

Conhecimento sobre grafite
Para saber o que as crianças já conheciam sobre o grafite, planejei uma atividade inicial: apresentei uma série de fotos sobre arte de rua, nos bairros da Lapa e Vila Madalena, contendo grafites, e também de lugares que não apresentavam tais intervenções.

No rodapé de cada foto, a localização, o nome do artista, o ano de realização, o estabelecimento onde foi feita a intervenção e uma breve descrição do tipo de técnica usada. Distribui as imagens de acordo com os grupos e pedi que as analisassem apoiando-se nestas questões:

Alunos pesquisam no mural as imagens dos grafites estudados até o momento

Do que tratam estas fotos? O que é igual e diferente entre elas? Quem sabe o nome destas pinturas nas paredes? Conhecem alguma pessoa que faz este tipo de trabalho nos muros? E aqui no bairro existe este tipo de pintura nas paredes? Onde? Ia ouvindo a discussão dos grupos e registrando o que cada um dizia. As crianças adoraram as fotos e fizeram muitas colocações:

– É pichação – disse alguém do grupo.
– Eu já ouvi falar deste lugar aqui, Vila Madalena – respondeu o outro.
– Isto aqui é feio – disse uma garota apontando para uma pichação – mas este é bonitinho – apontando para um desenho de ursinho no muro de uma escola infantil.
– Tem até o telefone do cara que fez, olha! – apontou o colega do lado, muito observador.

O grupo arriscou classificar o que as fotos mostravam:

  • Grafite
  • Pichação
  • Arte
  • Pintura

Fizeram também algumas observações:

  • Tem desenhos que têm autor.
  • Grafite é colorido.
  • Grafite é uma espécie de desenho com pichação.
  • Tem letras misturadas.
  • Pichação é feia e suja a cidade.

Essa proposta mostrou que as crianças sabiam algumas coisas, mas ainda confundiam as intervenções e não conseguiam definir a diferença entre desenhos, pichações, grafites e pinturas.

Um outro ponto interessante foi a descoberta de algumas palavras que coloquei na ficha técnica das fotos: “Intervenções gráficas no espaço urbano”. Escolhi esse título porque não queria direcionar o olhar para um tipo específico de intervenção, e também tinha como objetivo que os alunos começassem a se familiarizar com esses termos que surgiriam nos textos futuros.

Um deles perguntou:
– O que é intervenção?

Conforme sugeriu um outro aluno, ajudei a procurar a palavra no dicionário. E também os verbetes gráfica e urbano, desconhecidos por eles.

Os alunos disseram conhecer muitos lugares do bairro e também dois pichadores famosos: “Zinho” e um outro. Ficaram muito animados com a idéia de fotografarmos as intervenções.

Incentivei-os a pensar em locais interessantes para registrar, podendo inclusive fotografrá-los para nossas intervenções. Pedi que pesquisassem e trouxessem os endereços por escrito, os nomes dos colaboradores e a justificativa de sua escolha. Ao final da atividade, Anderson, observou detalhes importantes da prática pedagógica. Disse que os textos que acompanhavam as fotos incentivaram os alunos a falar bastante.

O fato de eu ter posto as questões na lousa antes de entregar as fotos facilitou a análise do grupo. Ele observou que várias vezes eles se voltavam para a lousa para procurar as perguntas e que isso facilitava suas conversas. Notou ainda que ficaram muito motivados em perceber semelhanças e diferenças e que para isso, queriam analisar todas as fotos. O sucesso da atividade se deveu à orientação que foi dada à leitura de imagem e do texto.

Professor lendo para os alunos uma revista sobre grafite

Ler para conhecer mais
Para dar início ao trabalho de leitura, escolhi textos em função dos temas sobre os quais eles precisariam se informar. Um exemplo foi a reportagem da Folha de São Paulo – Folhateen agosto/99 – que discutia a proliferação desse tipo de arte na cidade, a influência do hip-hop, break, rap, MC/DJ e grafite.

Como a reportagem era longa, selecionei os parágrafos que falavam sobre o grafite e o hip-hop. Um texto muito claro e contextualizado historicamente. Depois da leitura deixei que a turma trouxesse seus comentários. Voltamos então ao primeiro registro sobre o que eles sabiam e o retomamos, acrescentando agora os conhecimentos despertados a partir da leitura da reportagem.

Aprenderam que existe um tipo de grafite que é do hip-hop. Outro ponto que chamou a atenção foi sobre a disputa de espaço dos grupos. As letras “gordas”, como diziam os jovens para se referir a um tipo específico de grafite, passaram a ser chamadas de letras “volumosas”, conforme o texto dizia. E ainda:

  • No grafite hip-hop tem imagens sobre o rap e sua dança.
  • No grafite usa-se spray e tinta.

Dias depois, Anderson planejou uma atividade similar: a leitura do artigo da revista Veja São Paulo. Como a reportagem era extensa, ele leu antes e selecionou trechos que julgou interessantes. Entregou uma cópia por dupla e se pôs a observar as crianças. Percebeu que algumas não prestavam atenção.

Então se lembrou do encontro anterior e retomou a proposta: disse que depois da leitura teriam que dizer tudo o que descobriram sobre os pichadores. Pediu que retomassem a leitura e discutissem. Deu 15 minutos e então deixou que os grupos fizessem suas observações. Notou que todos prestaram mais atenção e comentou:

– Aí todo mundo queria falar!

Anderson foi capaz de retomar uma atividade em que notou problemas. Isso foi possível porque ele estava seguro com o encaminhamento da aula e, consequentemente, pôde observar a ação das crianças. Percebeu com muita propriedade os procedimentos que os alunos utilizaram:

  • Tinha gente que procurava encontrar as palavras exatamente como ele solicitou, ou seja, eram alunos acostumados a procurar no texto a partir de perguntas, como acontece nos livros didáticos.
  • Outros queriam ler o texto inteiro para encontrar uma informação.
  • Por fim, havia aqueles que iam direto a uma parte do texto porque sabiam que o que estavam procurando deveria estar ali.

A partir daí, a leitura passou a fazer parte da rotina de nosso trabalho por meio de diferentes modalidades:

  • leitura em duplas e discussão em grupo do que entenderam sobre o texto.
  • leitura realizada pelo educador com o acompanhamento dos alunos, que explicitaram suas dúvidas.
  • leitura em pequenos grupos e discussão sobre o que entenderam, e depois um pequeno seminário para cada grupo explicar, por exemplo, sobre um grafiteiro famoso que estudou.
  • leitura para coletar informações importantes para a escrita do texto e elaboração de perguntas para o grafiteiro que veio ao EGJ.


Pesquisando o bairro

Na etapa seguinte, Anderson preparou a pesquisa de campo das crianças. Com sua ajuda, elas retomaram as anotações feitas anteriormente e completaram com as últimas indicações de locais do bairro que podiam fotografar.

Um aluno levou o guia da cidade, e a partir da xerox do mapa do bairro, eles elaboraram o roteiro. Combinaram a data da saída, prepararam máquinas fotográficas e discutiram sobre como utilizar o pouco recurso que tinham: estabeleceram como regra que cada um só poderia bater uma foto. Anderson lembrou algumas dicas utilizadas pelos fotógrafos, como abrir distância ou aproximar para enquadrar a imagem que será registrada, segurar firme no momento de clicar etc.

Na visita as crianças encontraram de tudo: grafite, pichação, pintura, propaganda etc.

Quando cheguei, eles estavam organizados e já tinham distribuído as tarefas entre os pares. Fiquei extremamente feliz com a organização do grupo e com o empenho do Anderson para que essa saída fosse realmente interessante e divertida para todos.

O percurso foi o máximo! Nunca vi tantos grafites na minha vida. O bairro é forrado de intervenções nas paredes, e muitos comerciantes contrataram serviços de antigos grafiteiros que hoje já se profissionalizaram. Um dos mais elaborados trazia as imagens de todos os integrantes dos Racionais MC, um grupo de rap bastante conhecido pelos garotos.

Nossa saída foi motivo de curiosidade na vizinhança. Imagine só, até um pastor de uma igreja saiu na porta para ver a “banda” passar. Tinha gente que pedia para ser fotografada!

Foram feitas várias fotos após muitas subidas e descidas por escadões e ruelas. As crianças descobriram que há um pichador que deixou muitas marcas no bairro, mas não se identificou. Nós o reconhecemos pelo estilo de letra. Há outro grafiteiro que assina. Passamos na porta da casa dele e acenamos para a mãe, que estava lavando louça e gentilmente sorriu para um garoto que gritou:

– É a mãe do Zizi, aquele que fez os grafites lá na escada.

Fiquei encantada com o passeio,com os garotos e tudo o que encontrei pelo bairro. Não imaginava encontrar tanto. Uma coisa é ler no jornal que aqui é o berço do grafite hip-hop, outra é circular pelo bairro a pé. Como geralmente ando de ônibus, minha visão fica muito limitada.

Essa saída me fez pensar sobre o quanto estamos distantes da realidade com que trabalhamos. Não estou pregando um turismo à lá “Rocinha” para inglês ver a favela. Não, não é isso. Mas fiquei impressionada com a oportunidade que eu perderia se não tivesse conhecido o bairro. Pensei então em tantos outros trabalhos que já fiz, tantos outros lugares pelos quais passei e que não conheci de fato.

Produzindo os textos

Dias depois, quando as fotos chegaram da revelação, os jovens puderam
apreciar seu trabalho. Adoraram ver as fotos e ficaram satisfeitos com os enquadramentos. Em duplas, pedi que escrevessem textos para as imagens, retomando as anotações feitas na “expedição”, acrescentando as descrições que julgassem interessantes.

Os alunos se apoiaram no modelo de ficha que eu havia apresentado no primeiro encontro. Utilizaram as anotações realizadas durante o passeio para o preenchimento dos dados. As fichas traziam as seguintes informações:

  • fotógrafo
  • escritor
  • suporte
  • localização
  • autor (caso estivesse mencionado no grafite)
  • contato (caso estivesse mencionado no grafite)

Ao final, as crianças ficaram ainda com a tarefa de pensar e decidir, a partir do que vimos, o que é grafite, painel, pichação e pintura de parede. O que fosse apontado pelos alunos como de maior interesse seria foco de pesquisa das aulas seguintes, servindo como roteiro tanto para a consulta aos livros e revistas quanto para as entrevistas com os grafiteiros que convidariam para ir ao EGJ.

Criando um texto coletivo
A atividade seguinte tinha como objetivo a elaboração de um texto coletivo que poderia ser usado, no futuro, para o fôlder. Queria saber como as crianças utilizam as informações trabalhadas e como as transformam em texto coletivo.

Levei, então, exemplos de fôlderes – de exposições diversas, de lançamento de livros, de programação mensal etc. – para que analisassem: como circulam as

informações nesse tipo de portador de texto? Para que servem esses folhetos? Que tipo de informação eles apresentam? Qual a forma de apresentação dessas informações? O que está presente em todos esses folhetos? O que têm de diferente?

Antes da entrega dos folhetos retomei com o grupo o objetivo do projeto e o porquê de ler os textos sobre grafite. Depois contei como consegui os folhetos e expliquei que, como eles iriam fazer algo parecido com os textos deles, teriam que conhecer um fôlder. Só então formei os agrupamentos e distribui os folhetos para que lessem e discutissem.

Quando terminaram fiz uma roda de conversa. Como os folhetos eram muito bonitos e ilustrados a motivação foi grande. Depois de todos falarem, pedi que sugerissem como gostariam de fazer a arte final de seus folhetos. Concluíram que:

  • tem que ter título
  • endereço completo do EGJ (um aluno falou até em e-mail)
  • nome dos autores do projeto
  • fotos que eles tiraram e que ainda poderiam tirar
  • texto explicando o que é grafite
  • texto sobre alguns grafiteiros que eles iriam estudar (alguém lembrou de eu ter mencionado o nome do Alex Vallauri)
  • capa bem bonita
  • desenhos, figurase grafites
  • fotos com legendas

Como organizar o conteúdo do texto
Retomei então um dos textos sobre grafite estudados pelos alunos. Pedi que lessem o título primeiro. Depois perguntei sobre o que o texto tratava. Ninguém respondeu. Retomei, procurei explorar o título com eles e então disseram que tratava das semelhanças entre o grafite e a pichação. Perguntei que semelhanças poderiam existir e se o texto dizia isso. Responderam:

  • os dois são feitos na parede
  • são coisas proibidas
  • se localizam no espaço urbano

Pedi que me apontassem no texto a passagem que poderia confirmar o que eles diziam. Alguns conseguiram fazer isso tranqüilamente, outros precisaram de ajuda. Então, Amanda, 8 anos, disse que tinha mais uma semelhança, mas não soube explicar e recorreu ao texto para ler:

– “Desse modo, grafite e pichação, manifestações anárquicas, marginalizadas no âmbito historicamente cultural, acabam sendo absorvidas pelo próprio sistema que as baniu…”

Pedi que contasse o que a levou a imaginar que nesse trecho haveria mais uma semelhança. E ela respondeu:

Atividade de pintura, a partir de leitura de imagens de diferentes grafiteiros

– Ah, Márcia, é aí que está:“… acabam sendo absorvidas pelo próprio sistema que as baniu….”.

Perguntei o que haviam entendido sobre esse trecho e ninguém se arriscou. Perguntei o que sabiam sobre “marginalizadas”, e assim fomos decompondo a palavra, e daí em diante expliquei o contexto. Para concluir, acrescentaram mais um item à listagem de semelhanças:

  • os dois já foram marginalizados pela sociedade

Iniciação à arte do grafite
Foram muitas as atividades de leitura para conhecer os diferentes grafiteiros. Entre uma e outra leitura, propunha também algumas atividades próprias da grafitagem como, por exemplo, a confecção da técnica de máscaras.

Nas entrevistas lidas, os alunos descobriram que antigamente as lojas apresentavam os símbolos de suas mercadorias na fachada, bem grandes: um vendedorde óculos, por exemplo, poderia pedir a um artista que desenhasse um grande óculos na parede.

O grafiteiro Alex Vallauri partiu desse mesmo princípio, só que usava os símbolos de sua geração. Perguntei então ao grupo quais eram os símbolos de sua geração, e eles responderam:

  • super-heróis (Batmam, Pokémon e Pica-pau)
  • prédios (marca das cidades)
  • flores (preservação da natureza)
  • caneta (preocupação com estudo)
  • televisão (marca de comunicação)
  • computador (marca de comunicação)
  • moça bonita (futuras namoradas)
  • e outros desenhos como sorvete, bola, estrela, óculos.

Então cada um pôde desenhar seu símbolo e, com a ajuda do educador, recortar com estilete para fazer uma espécie de molde vazado. As primeiras aplicações foram testadas sobre folhas de papel: ficaram lindíssimas!

Oficinas na comunidade
O professor Anderson e a coordenadora Ivanete procuraram na comunidade quem pudesse fazer algumas oficinas com as crianças sobre a arte do grafite. O simpático Zizi, grafiteiro do bairro, com aproximadamente 20 anos, prontificou-se a ensiná-las.

Professor auxilia grupo a produzir carta ao grafiteiro. Duas alunas pesquisam no texto uma palavra que gostariam de colocar na carta

Durante dois meses, ele ministrou aulas de apreciação, desenhos e esboços de grafites de artistas brasileiros famosos. Esses encontros aconteciam semanalmente e, apesar de nunca ter feito isso antes (ensinar crianças), o jovem artista foi para o EGJ com sua pasta de desenhos para mostrar a elas, que ficavam boquiabertas com as belas produções e sua facilidade em desenhar.

Tive a oportunidade de vê-lo com as crianças: incrível o respeito mútuo que surgia entre todos. Inesquecível o sorriso orgulhoso de Zizi quando era chamado de professor. Ele se mostrou extremamente generoso com elas e seu trabalho foi árduo, porque tinham muitas dificuldades para fugir de um desenho estereotipado.

Sabemos que ainda hoje, infelizmente, a atividade de desenho em muitas escolas está restrita à educação infantil, e o modelo predominante vem dos mimeografados do tipo Ursinhos Pufs, coelhinhos da Páscoa, Mickeys, Mônicas etc.

Apesar da dificuldade, o grafiteiro conseguiu propor desafios, como escolher um tema e fazer diversos estudos sobre ele. Desse modo, as crianças puderam aprimorar suas produções, ainda que os temas fugissem um pouco dos padrões mais encontrados nos muros grafitados.

O evento final
Não foi só nas aulas que o grafiteiro Zizi revelou sua preocupação social e o respeito para com as crianças: no dia combinado para grafitar o muro do CJ, depois de tantos estudos e esboços, ele convidou outros grafiteiros e aprendizes da própria comunidade para auxiliar as crianças na transposição do que haviam planejado para o muro. Ajudaram muito, mas é claro que também tiveram espaço garantido para grafitar.

Foi uma boa troca: os aprendizes de Zizi puderam usar spray de cores diferentes, o que nem sempre é possível, porque é caro. Além disso, puderam fazer tudo à luz do dia, o que propicia uma outra luminosidade, e, o melhor, sem correr o risco de serem presos.

Além de muito produtiva para as crianças, a grafitagem permitiu a esse grupo ser visto na comunidade de outra forma que não marginal. No dia da pintura, observei cenas marcantes dessa mudança de postura: vi um pai segurando sua filha no colo para que alcançasse o topo do muro, com um spray na mão.

Grafiteiro ajuda criança a finalizar sua idéia

Um outro jovem, boné virado para trás, calças largas e jeito despojado, auxiliando uma garotinha a controlar o jato do spray, enquanto iniciava o seu grafite. E, no final do evento, as cozinheiras do EGJ ofereceram um bolo a todos os participantes, decorado com um desenho de grafite.

O fôlder, um produto simples mas representativo do processo de leitura e escrita, foi reproduzido e distribuído no próprio dia para os pais e transeuntes que paravam para apreciar, perguntar ou posar para sair em fotos. Dessa forma, encerramos o projeto.

Esse trabalho conciliou o estudo da leitura e da escrita com um propósito social e vinculou isso à integração com a comunidade.

(Márcia Cristina da Silva, Formadora do CEDAC e do Instituto Avisa lá)

1 Professor de apoio é um formador que atua diretamente em uma sala de aula durante quatro meses, compartilhando o desenvolvimento de um projeto didático, junto com o educador da sala, cujo objetivo é criar contexto de observação e reflexão da prática pedagógica.
2 Fôlder: impresso de pequeno porte, constituído de uma só folha de papel, com uma ou mais dobras, e que apresenta conteúdo informativo ou publicitário.

Projeto Grafite

Faixa etária: 8 a 14 anos

Tempo previsto: 4 meses

Eixo de trabalho predominante: Práticas de leitura e escrita

Objetivo compartilhado com o grupo: Organizar uma oficina de grafite para a comunidade e produzir um fôlder sobre o grafite para ser distribuído no dia.

Objetivo didático: Propor situações nas quais os alunos possam ler, buscar informações e utilizá-las para a produção de um novo texto informativo, resumido, para compor um fôlder.

Conteúdo: Procedimentos de leitura de texto informativo.

Etapas previstas de trabalho:

  1. Saber como as crianças estão lendo, que recursos e procedimentos utilizam.
  2. Conhecer o que as crianças sabem sobre grafite.
  3. Propor ao grupo a intervenção no bairro a partir do que vão conhecer no projeto.
  4. Ampliar o que as crianças conhecem sobre arte da rua, propondo uma visita ao bairro.
  5. Levantar com os alunos um panorama do bairro a respeito de arte de rua, utilizando como recurso tecnológico a máquina fotográfica.
  6. Iniciar com os alunos o processo de pesquisa sobre grafite, a partir das imagens registradas por eles.
  7. Ampliar os conhecimentos do grupo com a leitura de reportagens e livros sobre o grafite para selecionar informações relevantes ao estudo.
  8. Ajudar o grupo na elaboração de um texto coletivo que fará parte do fôlder.

Ficha técnica:

Iniciativa do Instituto C&A. Desenvolvimento: Cooperapic, Instituto Avisa lá e Espaço Gente Jovem Santa Cecília.Tel.: (11) 5853-0173. Equipe: Anderson Santos Lima, Maria Ivanete Cabral dos Santos, Márcia Cristina da Silva e Priscila Monteiro. Grafiteiro: Zirmalei de Jesus Ribeiro (Zizi).

As crianças conheceram intervenções em ruas da Vila Madalena

Como propor a leitura de um texto

Ler, por mais simples que seja o texto, pode ser uma tarefa muito complexa para aqueles que não são leitores de fato. Mas a aproximação dos textos pode ser apoiada pelo educador se ele tiver clareza do que espera da leitura. No caso do texto informativo, por exemplo, como os que foram estudados pelos jovens durante o projeto Grafite, é importante seguir algumas orientações:

  1. O propósito da leitura deve ser claramente colocado aos alunos: qual será a informação a ser buscada?
  2. A leitura deve ser iniciada pelo título, e o educador deve levantar com o grupo quais as antecipações que podem ser feitas a respeito do texto.
  3. Também é importante verificar se as crianças manifestam dúvidas quanto ao entendimento de palavras ou mesmo do contexto: como procuram resolver essas dúvidas? Tentam explicar? Sugerem dicionários? Perguntam ao educador?
  4. Ao término de cada parágrafo, deve-se verificar com os alunos o que conseguiram entender. Pedir que manifestem suas opiniões, mesmo que contraditórias, propondo que se reportem ao texto e, se for o caso, pedir que releiam.
  5. Só então o professor deverá propor uma discussão sobre quais são as informações mais importantes, de acordo com a pesquisa. O professor pode optar pelo trabalho em duplas e, nesse caso, pedir que justifiquem suas indicações. Depois lembrar o que foi acordado.
  6. Importante que o grupo comece a elaborar procedimentos para seleção de informações como: para selecionar, preciso saber o que estou procurando; quando achar é importante saber grifar as informações principais.

Estratégias de leitura

Ler um texto e compreender seus significados é tarefa que exige mais do que a simples decodificação. Durante a leitura usamos uma série de estratégias que nos ajudam, pouco a pouco, a compreender os significados que vão surgindo a cada linha.

É importante que os educadores ajudem os jovens a tomar consciência e utilizar tais estratégias, pois elas podem definir o entendimento de seu conteúdo. Uma importante estratégia de leitura é a antecipação de significados, que pode ser feita, entre outras formas, pela leitura do título.

Diante do título Estilo americano no Brasil, por exemplo, do texto O que é Grafite, de Celso Gitahy, os alunos levantaram as seguintes hipóteses, na tentativa de antecipar sobre o que o texto tratava:

  • tipo de roupa dos americanos
  • jeito de grafitar dos americanos
  • grafite americano
  • grafite americano que fez sucesso no Brasil
  • viagem
  • grafite hip-hop
  • outro tipo de grafite
  • o estilo de lá que veio para cá

A verificação é uma segunda estratégia:
por meio dela os jovens voltam ao texto para confirmar ou não suas hipóteses iniciais, dando prosseguimento ao trabalho de leitura. Nesse momento é importante que o educador peça aos alunos que expliquem melhor, que voltem ao texto, que releiam um trecho para verificar suas hipóteses.

Os alunos anseiam por validar seus esforços, saber se estavam certos ou não.Através de colocações simples como, por exemplo, “Como você descobriu isto?”, “Em que parte do texto o autor fala sobre isto?”, “Tem certeza de que é isto que o texto fala, não gostaria de reler?”, o professor pode ajudar os alunos a verificar e validar seus conhecimentos, fortalecendo o sentimento de competência leitora.

Bibliografia

  • Ler e escrever para estudar, apostilado, 1999. Seminário Internacional do Centro de Estudos da Escola da Vila.Tel.: (11) 3726-3384.
  • O que é Graffiti, Celso Gitahy. Ed. Brasiliense. Tel.: (11) 6198-1488.
  • Kid Grafisco, Philip Ridley. Ed. Cia. da Letras. Tel.: (11) 3167-0801.
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One Comment

  1. Um dos pontos que mais me preocupa, quando crianças avançam no fundamental, sem saber ler e escrever, é que sua autoestima vai ficando muito comprometida e o lugar do não-saber, parece ser um lugar comum e as dificuldades se tornam maiores. Esse projeto, fez um exercício muito importante, de resgatar algo que interessa aos meninos e meninas, respeitando seu interesse, seu saber para então avançar e expressar sua compreensão das coisas, com recursos possíveis e garantindo sua capacidade em evidência na própria comunidade. Muito bacana¹.

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