Os jogos são estratégias importantes para uma aprendizagem significativa. Por meio deles as crianças podem aprender com prazer, por exemplo, matemática. Quando jogam, as crianças criam estratégias de resolução de problemas. Ao propor jogos, devemos ter claro o que queremos que as crianças aprendam, pois esse objetivo desencadeará todas as nossas intervenções.
Sempre ofereço jogos na sala,para grupos pequenos de crianças. Em geral elas escolhem o que vão fazer. Não acompanho todas as mesas ao mesmo tempo, mas faço um rodízio, de tal forma que posso sempre observar uma parte da turma enquanto outras crianças brincam sozinhas. Como jogam bastante, as crianças da minha sala já estão bem acostumadas e têm autonomia para resolver muitos problemas sozinhas.
Um dia, propus a um grupo que jogasse três rodadas de boliche. Ao final, cada participante calculava o total de pontos obtidos para verificar quem havia ganho o jogo, anotando os pontos na lousa. À medida que as crianças iam jogando fui percebendo que meu objetivo não seria atingido: elas estavam derrubando poucas garrafas. Sendo assim, a atividade não era desafiadora: ao calcular o total de pontos elas facilmente realizavam a contagem de um em um, registrando o número correspondente. Vi que aquela atividade não ajudaria as crianças a aprender mais do que já sabiam. Essa constatação me fez pensar e reorganizar a atividade.
Ajustes que tornam a atividade mais significativa
No dia seguinte, fiz algumas mudanças para que o jogo de boliche apresentasse um desafio real para as crianças. Numerei as garrafas com valores de 1 a 9 para que os pontos fossem obtidos não mais pelo total das garrafas derrubadas, mas pelo total de pontos obtidos somando-se os valores registrados em cada garrafa. Faríamos apenas uma rodada: as crianças deveriam calcular o total de pontos e explicar como chegaram ao resultado. É importante que a criança comunique a estratégia encontrada para que tome consciência do procedimento utilizado e para que possa discutir com seus colegas outras formas de resolução encontradas pelo grupo.
Pedi então que uma criança organizasse as garrafas para iniciarmos o jogo. Uma outra criança que esperava para jogar reclamou da organização, dizendo que as garrafas estavam muito juntas e que assim não conseguiriam derrubar muitas.
– Está muito fino – disse ela, referindo–se ao espaço por onde deveria passar a bola.
Diante do pedido, as garrafas foram reorganizadas, segundo o combinado pela turma.
Estratégias usadas pelas crianças
O primeiro aluno a jogar foi o Matheus. Ele derrubou as garrafas com os numerais 1,3,5 e 6.
– Como você pode calcular o total de pontos obtidos? – perguntei.
– Vou contar – respondeu Matheus, prontamente.
E registrou o numeral 15 na lousa.
– Como você descobriu esse resultado? – perguntei novamente.
– Eu juntei o 3 mais o 1 e deu 4
– respondeu mostrando como tinha resolvido por cálculo mental – e depois o 5 e deu 9, mais 6 e aí deu 15 – respondeu, usando dessa vez a contagem dos dedos, estratégia bastante comum entre as crianças.
A segunda aluna a jogar foi a Nayara. Ela derrubou garrafas com os numerais 4 e 9. Para fazer o cálculo, ela contou de 1 a 9 e depois continuou contando mais 4, tendo como apoio os dedos das mãos. Em seguida registrou o numeral 13 na lousa.– Como você fez para descobrir esse resultado? – perguntei, mais para que ela socializasse sua estratégia com o resto do grupo do que para me informar.
– Contei nos dedos – disse ela.
– Mostre para nós como é contar nos dedos – insisti.
– Eu contei 9 dedos e depois continuei contando mais 4 dedos, tudo junto.
Contagem e cálculo mental são procedimentos eficientes
O terceiro aluno a jogar foi o Cauê. Ele derrubou as garrafas com os numerais 4 e 5, contando nos dedos, e registrou o numeral 9 na lousa.
– Como você fez para descobrir esse resultado?
– Eu fiz assim – mostrando nos dedos – 6,7,8 e 9.1
– E o 5? Onde ele estava que eu não vi você contar essa quantidade nos seus dedos?
– Ele estava na minha cabeça, e os outros 4 eu contei nos dedos – disse Cauê, oferecendo um importante procedimento ao seu grupo: a sobrecontagem, ou seja, contar a partir de um determinado número.
Esse é um procedimento mais econômico.
A quarta aluna a jogar foi a Taís. Ela derrubou as garrafas com os numerais 1,3 e 8. Enquanto calculava, contava nos dedos 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, dando um total de oito dedos. Em seguida anotou o numeral 8 na lousa.
– E você, como descobriu esse resultado? – perguntei a ela.
– 1 mais 3 são 4 – disse, resolvendo a conta por meio de cálculo mental – mais 8 são 11 – contando nos dedos, dessa vez.
– Você não quer calcular de novo para verificar se o resultado é esse mesmo? – sugeri a ela.
Nesse momento ela refez o cálculo procedendo do mesmo modo anterior e continuou afirmando que o resultado era 11.
– Você me falou que 1 mais 3 são 4, falta colocar mais 8.
A partir daí, ela refez a contagem partindo do 5 e encontrando como resultado o 12.
As crianças discutem resultados diferentes
O quinto aluno a jogar foi o Robson. Ele derrubou garrafas com numerais 4 e 6. Fez o cálculo com apoio dos dedos e anotou na lousa o numeral 11.
– Como você pensou para descobrir esse resultado? – perguntei.
– Fui contando nos dedos até chegar no 11. Sabe, né, eu sou bom em conta. Eu sabia que era 11.
– Vocês concordam com o resultado do cálculo feito pelo Robson? – perguntei, dirigindo-me à classe.2
– Eu não – disse Caio.
– Então explique por que você não concorda.
– 6 mais 4 dá 10.
– Como você descobriu isso?
– De cabeça.
– Robson, você acha que o Caio pode ter razão?
– Eu ainda acho que é 11.
– Tentem calcular novamente
para ver qual é o resultado, pois um acha que são 10 e o outro acha que são 11. Pode ter dois resultados?
– Não – concordaram Caio e Robson.
Nesse momento ficaram pensando, então voltei a intervir:
– Além dos nossos dedos, o que podemos usar para descobrir o resultado?
– Desenhos – disseram algumas crianças que ouviam atentamente.
– Tentem fazer de um outro modo para verificar o resultado.
– Eu não quero fazer – disse Robson.
Nesse momento Caio começou o seu desenho para ver o que aconteceria.
Ele contou agrupando, segundo o desenhou que fez na lousa:
Que resultado deu agora?
– 10! – disse Caio.
– Robson, o Caio continua achando que o resultado é 10. O que você pensa sobre isso?
– Eu contei primeiro o 4 e depois o 6. Por isso o resultado foi diferente.3
– Caio, faça o desenho como ele está falando, para que possamos ver se o resultado será diferente. E assim ele fez e tornou a contar, confirmando o resultado já obtido anteriormente. Continuei questionando, pois percebi que Robson não abria mão de seu resultado para não admitir que havia se enganado – já que ele mesmo havia dito, no início, que era bom de conta. Nesse momento ele se levantou e mudou o total registrado para 10.
– Ele conseguiu te convencer? – perguntei.
– Sim – disse Robson.
Prosseguimos assim até o final da partida, sempre mediados pelas intervenções. Ao término, comparamos os totais e classificamos de acordo com a pontuação.
O desafio de propor jogos em salas numerosas
Vale lembrar que não era a sala toda que jogava junto, já que colocar 25 crianças juntas inviabilizaria a partida. Outros jogos aconteciam na sala no mesmo momento, mas eu participei apenas desse. Algumas crianças acompanharam aquela partida.
Percebi que foi um momento muito rico, pois elas ouviam e observavam com bastante interesse, acompanhando a estratégia utilizada pelos amigos.4
O jogo, como estratégia de aprendizagem, foi tão bem-sucedido nesse pequeno grupo que eu resolvi, num outro momento, propor a mesma atividade para as demais crianças, para que elas também pudessem mobilizar em jogo tudo o que sabiam e avançar nas suas construções.
Essa experiência me mostrou o quanto é importante para o professor criar na sua rotina de trabalho momentos em que ele possa estar junto com as crianças para jogar, além dos momentos em que elas jogam sozinhas. Acompanhar as crianças nos permite observá-las, intervir para ajudá-las, assegurando dessa forma um jogo que não é apenas uma repetição, mas, ao contrário, apresenta desafios reais para as crianças.5
(Rosa Maria Ribeiro da Luz Lopes, professora da EMEI Profa. Ruth Carturan Wiemann, Jundiaí, São Paulo – autora do texto principal)
1 Como as crianças pensam os procedimentos
A maioria das crianças da sala da professora Rosa partia de uma quantidade para seguir contando de 1 em 1. Para calcular 4 + 5, por exemplo, conservavam o 4 e seguiam contando com o apoio dos dedos: 5, 6, 7, 8, 9. É importante lembrar que usar os dedos como apoio para o cálculo é um recurso que, como tantos outros, deve ser transitório: é necessário aprender a usá-lo, mas também deixar de usá-lo. Como a maioria do grupo já utiliza esse procedimento, a professora confirma que guardar o 6 na cabeça, para seguir contando, é um procedimento mais econômico do que contar partindo do 1. O fato de a criança explicar o que fez e a professora validar seu procedimento possibilita às outras que ainda não usam esse procedimento que passem a utilizá-lo.
Ao contar, algumas crianças também sabiam agregar 1 de memória, como, por exemplo, 3 + 1 = 4; isso possibilitou maior rapidez no cálculo. De fato, a competência, em matemática, se traduz na rapidez e na economia para resolver problemas. Por isso, memorizar algumas contas – como, por exemplo, as somas cujo resultado dão 10 (4 + 6, 7 + 3, etc.) e as somas de dobro (4 + 4, 5 + 5, etc.) – é muito útil para as crianças, que podem dessa forma desenvolver a competência matemática, o que as faz boas de conta.
2É importante discutir diferentes estratégias
Durante o jogo, as crianças puderam confrontar seus resultados:
Robson colocou o resultado na lousa, Caio discordou. Se a criança fez cálculo mental, a explicação só se justifica no confronto dos resultados. Ela precisa convencer o outro de que o seu cálculo está certo. Por isso, a professora não deve adiantar a resposta certa, confirmar a resolução dada por uma criança ou negar o resultado da outra: o melhor que ela tem a fazer é ajudar as crianças a formularem
suas explicações, como fez com Caio.
3O trabalho com a natureza das operações
Na tentativa de provar seu resultado, Caio desenhou tracinhos na lousa, contou tudo e rapidamente concluiu. Robson não entendeu e tentou justificar pela ordem inversa dos números: ele pensava que 6 + 4 poderia trazer um resultado diferente de 4 + 6. A professora Rosa insistiu perguntando, fazendo-os pensar e oferecendo ao Caio a oportunidade de aplicar novamente seu raciocínio, partindo da hipótese do Robson. Ao fazer isso, Caio ajudou Robson, que assim pode aprender uma das propriedades da adição, a propriedade comutativa – a ordem das parcelas não altera a soma.
A descoberta da propriedade comutativa foi tão importante que a
professora até poderia continuar investigando–a com as crianças:
Será que sempre é assim?, poderia questionar. Em seguida, poderia
favorecer o confronto de diferentes procedimentos e resultados,
organizando duplas que tivessem como tarefa resolver algumas
contas para posteriormente conferir e comparar resultados e procedimentos. A professora desafiaria as duplas propondo adições com as parcelas invertidas, como, por exemplo, 3 + 7 e 7 + 3, 2 + 5 e 5 + 2.
4O que garante a aprendizagem das crianças
Observar o colega jogando e ouvi–lo explicar o que fez pode ser interessante para as crianças, mas, por si só, essas ações não garantem que elas avancem, aprendendo mais do que já sabem. Para efetivamente ajudar as crianças, seria ainda melhor se elas tivessem também como tarefa realizar o mesmo cálculo do colega. Pois dessa forma seria possível comparar de fato diferentes procedimentos com o seu próprio procedimento, decidir pelo mais econômico e passar
a usá–lo, se for o caso.
5Dicas para a professora
Para ajudar a criança a desenvolver competências para resolver problemas – utilizando procedimentos mais econômicos e eficientes – é importante oferecer a ela a oportunidade de:
• explicar o que fez;
• socializar as diferentes estratégias com o resto do grupo;
• confrontar resultados e estratégias obtidos por ela com os resultados e estratégias alcançados por outras crianças;
• experimentar outras estratégias e discuti–las.
E, ainda, a dica das professoras de Diadema:
• organizar um jogo em que cada garrafa valha 10; dessa forma, as crianças precisarão se apoiar na regularidade do nosso sistema de numeração (contando de 10 em 10) para calcular o resultado da
soma de seus pontos.
(Priscila Monteiro, consultora, trabalha com a formação de professores em matemática – escreveu os comentários.).