Ao observar e refletir sobre sua prática, a equipe da creche CEDUC–Natura, na cidade de cajamar (SP), deu novo sentido à alimentação das crianças.
Olhar para a prática cotidiana é um exercício freqüente na vida do educador. Mas este olhar só faz sentido se vier acompanhado da reflexão. E a reflexão ganha força quando vem acompanhada da ação. Estes três ingredientes – observação-reflexão-ação – fazem parte do nosso dia a dia na Educação Infantil.
No primeiro semestre de 2005, observamos, refletimos e partimos para uma ação transformadora da nossa prática educativa, no que diz respeito à alimentação das crianças. Através da observação, percebemos que os momentos de alimentação precisam ser revistos em seus múltiplos aspectos: sociocultural, nutricional, afetivo e pedagógico.
Herança Cultural
Concebemos a alimentação como um produto cultural, pois aquilo que comemos, a maneira como comemos, oferecemos os alimentos, a organização da mesa, o uso de guardanapo e jogo americano, talheres e tantos outros “detalhes” são produtos da cultura ocidental. São hábitos dos quais nos apropriamos ao longo dos séculos, são valores transmitidos de geração a geração que vão se somando às inovações da vida moderna.
Na antigüidade, o alimento era considerado algo sagrado, uma dádiva divina, motivo pelo qual se faziam oferendas aos deuses como retribuição e agradecimento pelas boas colheitas, pela chuva, enfim, para retribuir as bênçãos. Nesse sentido, o ato de comer era também carregado de significado religioso. Assim como nas oferendas, era uma ocasião digna de rituais suntuosos, o que demonstrava a importância que os povos davam a esse momento. Essas práticas evoluíram cultural e historicamente ao longo dos séculos e chegaram aos nossos dias ainda carregadas de sentido. Assim, apesar da dinâmica da vida “moderna”, ainda sentimos prazer em nos reunir com pessoas queridas para batermos um bom papo acompanhado de uma boa comida.
Também nos preocupamos com a organização da mesa, apresentação e preparo dos pratos, maneira de sentar, enfim, todo um ritual instituído culturalmente em torno da alimentação e que se diferencia de acordo com o tipo de celebração.
Valor nutricional e afetivo
Este é o motivo maior pelo qual nos alimentamos: suprir as necessidades orgânicas, existentes em qualquer ser vivo. Entendemos a nutrição como aquilo que o organismo necessita para repor e manter suas atividades metabólicas. Eis o motivo pelo qual precisamos oferecer uma alimentação balanceada a fim de fornecer os nutrientes para a manutenção da vida e da saúde.
A primeira relação do bebê com o outro se dá pela alimentação. Para Vygostsky e Lúria, a boca é o primeiro elo com o ambiente e é através dela que a criança vive as primeiras sensações que vão dando a noção de diferenciação.
A alimentação deve ser um momento prazeroso, e para isso é preciso existir uma atitude de respeito com aquilo que a criança traz como gosto pessoal. Além disso, a possibilidade de interação com o outro e de escolha, o espaço para a subjetividade/individualidade, tudo isso deve ser considerado quando estamos falando de alimentação.
Assim, o aspecto afetivo é determinante quando pensamos nos momentos de alimentação dos pequenos. Como se dá a transição do peito para o alimento sólido, como oferecer este alimento são elementos fundamentais na elaboração do cardápio, bem como na hora de seu preparo. Também é importante pensar na apresentação dos pratos e na organização do espaço.
Papel pedagógico
Para nós, educadoras, esse não é um aspecto mais importante que os outros, mas, no entanto, merece ênfase. Pois é neste âmbito que acontece a atuação do professor. A construção de costumes e práticas de alimentação depende do contexto cultural e da atitude do adulto na hora de escolher os alimentos e de oferecê-los.
Dessa forma, através do acesso a diferentes alimentos e suas preparações, das suas expressões e emoções diante do ato de alimentar, o adulto ensina à criança o valor desse ritual. Considerando a criança como ser ativo nesse processo, o adulto vai proporcionando experiências que possibilitem a aquisição de novas habilidades em relação ao ato de se alimentar, como por exemplo: oferecer pedaços de alimento sólido, permitir que a criança segure a própria colher, ensinar o uso do guardanapo, utilizar o garfo etc.
Foi a reflexão sobre nossa prática, informada teoricamente, que nos levou a rever aquilo que pensávamos sobre alimentação numa instituição de Educação Infantil. Concluímos que devíamos nos constituir como mais um espaço para a construção de conhecimentos sobre hábitos alimentares saudáveis.
Embora como educadores não devamos impor nossa vontade, a vida em grupo, os cuidados com a escolha, o preparo e a oferta dos alimentos contribuem de maneira significativa para que a criança adquira um repertório alimentar mais rico e variado, além de proporcionar momentos prazerosos e de interação com o outro.
Frutos conquistados
Ao longo do semestre, notamos os frutos de novas percepções e posturas. Hoje, a partir de um ano, as crianças já se sentam à mesa com os colegas, utilizam jogo americano, começam a aprender a utilizar a colher, levam seu prato para as lactaristas.
As crianças de dois a quatro anos já se servem sozinhas, têm a possibilidade de escolher o que querem comer, usam guardanapo e garfo, estão aprendendo a limpar seu próprio lugar e o desperdício de comida diminuiu muito. Somadas, essas ações representam um passo importante para a conquista da independência das crianças.
A sobremesa é considerada parte da alimentação, e não um prêmio para quem comeu tudo. Por entendermos a alimentação como um tema bastante amplo, não tratamos dela somente quando estamos sentados à mesa, mas também em nossas atividades de culinária e no projeto Horta. Quando as crianças vivenciam situações de plantio, colheita e preparação de alimento, o prazer de comer é, com certeza, mais significativo. Nesse sentido, alimentar não é só comer. Mais do que nutrir o corpo, nossa intenção é construir bons hábitos alimentares desde o começo da vida.
(Raimunda Honorato Do Nascimento, pedagoga, educadora do Grupo 3 – crianças de 2 a 3 anos – da Creche Ceduc–Natura, Cajamar-SP e Clélia Virginia Rosa, pedagoga, educadora de Apoio da Creche Ceduc–Natura, Cajamar-SP)
Ficha técnica
- Creche Ceduc–Natura – Cosméticos Rodovia Anhanguera, km 30,5 s/n Cajamar – SP. CEP: 07750-000 – Tel.: (11) 4446-2128
- Centro de Estudos e Formação Profissional e Educacional – Ceduc – Rua Albino Puttini, 170 – Jd. das Hortências – Jundiaí – SP. CEP: 13209-462 Tel.: (11) 4523-0755 www.crechesceduc.com.br
Para saber mais
Livros e revistas
- “Higiene e Precauções Padrão em Creche – Contribuindo para um Ambiente Seguro e Saudável”. In. Santos LES (org). Creche e Pré-Escola: Uma Abordagem de Saúde. págs. 31-148. Ed. Artes Médicas. Tel.: (11) 3221-9033.
- O Cuidado como Elo entre a Saúde e a Educação, Damaris Gomes Maranhão. Cadernos de Pesquisa, Revista 111, págs. 115-133. Ed. Autores Associados Ltda.Tel.: (19) 3289-5930.
- “O Binômio Cuidar /Educar das Crianças na Instituição de Educação Infantil”. Damaris Gomes Maranhão, In. José Gerardo Matos Guimarães (org). Pedagogia Cidadã. Cadernos de Formação. Educação Infantil. São Paulo: Unesp, Pró-reitoria de Graduação. Tel. (11) 3333-7188.
- “O que Significa Cuidar”. Damaris Gomes Maranhão. Revista avisa lá no 16 – out/2003. Tel.: (11) 3032-5411.
- “Alimentação: Prazer ou Campo de Batalha”. B. T. Brazelton, In. Ouvindo uma Criança. Ed. Martins Fontes. Tel.: (11) 3241-3677.
Site
- Os profissionais de Saúde e o público leigo em geral podem aprimorar os conhecimentos em diferentes áreas de Saúde no site: www.unifesp.br