Bruno, suas professoras e as outras crianças…

Seu nome é Bruno. Eu não era sua professora, mas o via de tempos em tempos devido ao trabalho de formação que fazia na creche Casa da Criança. Sei que ele teve um longo processo de adaptação atrapalhado por muitas faltas, quase sempre por problemas de saúde. Quase 3 anos, mas não andava nem falava. Para completar, tomava um remédio fortíssimo por causa da epilepsia. Sem firmeza nas pernas e nos braços, não segurava nem o giz de cera. Como não se sentava sozinho, eu o acompanhava nos momentos de atividade, quando lá estava. Era preciso apoiá-lo em meu peito como se eu fosse uma poltroninha, e mesmo assim escorregava.

Havia a desconfiança de que não enxergasse bem. Uma professora que trabalhara com deficientes visuais disse que um diagnóstico mais atento poderia confirmar mas, pelos sinais que pôde observar, existia a possibilidade de problemas de visão. Isso explicaria por que ele se apegava tanto ao colo das pessoas: não queria ficar sozinho. Que solidão devia ser! O acompanhamento médico deixava a desejar. As informações chegavam à creche desencontradas e incompletas.

A mãe não entendia o que acontecia com o filho e se preocupava. As outras pessoas de seu convívio também desconheciam suas reais possibilidades. Pouco se fazia por ele, talvez pensando ingenuamente em poupá-lo. Isso acabava limitando ainda mais suas possibilidades. Difícil sair desse lugar, é bem possível que seu caso tivesse se agravado justamente por ser excluído de muitas oportunidades que poderiam ajudá-lo a se desenvolver.

Como saber o quanto e como podia aprender? Nesses princípios de inclusão de crianças com necessidades especiais, nas instituições de educação, há muito para se fazer. Dora e Linda, as professoras, não sabiam que tipo de atendimento especial precisaria. Mesmo assim apostavam que podia aprender, afinal esse era o trabalho delas.

Observaram até que ele já tinha evoluído desde que entrara na creche. Para atendê-lo e também aprender mais sobre ele, encaminhavam o dia a dia do jeito que era possível.

“Em pouco tempo todos passaram a cuidar de Bruno…”

Organizavam tempo e espaço para garantir sua participação em todas as atividades, respeitando suas possibilidades. Brincadeira de pátio, dança, circuitos…, seguravam ele pelas mãos ou carregavam no colo. Alguém sempre ficava com ele ou, em último caso, elas levavam um colchonete para que pudesse ao menos estar no parque como todos, cercado de brinquedos. Bárbaro! O olhar atento das professoras foi crucial.

Em pouco tempo todo mundo passou a cuidar dele naquela creche, principalmente as crianças. Lucas vinha lá da outra sala para vê-lo, dizendo que ia ajudar o Bruninho, como ele o chamava. As meninas da sua sala abraçavam e deitavam sua cabeça no colo delas. Ensaiando os jeitos de cuidar! Bruno aprendia, mas todo mundo também teve o que aprender. Isso aconteceu durante poucos meses. Bruno, as crianças e suas professoras, convivendo dia após dia. Pequenos progressos.

Certa vez, chegando mais cedo, o vi ali na entrada. Estava sentado sozinho! Sem cair e não babava! Uma cara muito melhor! Ele estava diferente. Fiz a maior festa, elogios, aplausos… ele dava risada. Parecia mais feliz . Infelizmente, por motivo de saúde, Bruno não pôde continuar na creche.

Hoje eu penso que o investimento das professoras, a coragem de arriscar e a vontade que tinham de conhecê-lo foram muito importantes. A creche apoiando-o, ajudando-o a participar mais e a se ver como uma pessoa capaz. E acho que foi assim, no seu tempo, dentro de suas possibilidades…Dora e Linda puderam compartilhar dias melhores na vida de Bruno e de sua família. Pequenos gestos todos os dias, assim também é o trabalho das professoras.

(Silvana Augusto, 1999)

A inclusão de crianças com necessidades especiais nas instituições convencionais de educação é uma conquista importante que deve resultar, nos próximos anos, um melhor atendimento, além de possibilitar às outras crianças a oportunidade de aprender desde muito cedo a conviver, entender e respeitar a diferença. Mas ainda há muito o que saber; conhecer essas crianças, seu jeito de pensar e reagir diante das experiências do mundo será talvez o maior desafio para o futuro. A ONG Reintegra, sob coordenação de Marta Gil, é uma importante referência. Vale a pena fazer um contato: reintegr@saci.cecae.usp.br

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