Aproveitando o interesse das crianças pelas adivinhações, uma nova seqüência de atividades foi planejada: adivinhações visuais. Das fotos ao livro, as crianças participaram do planejamento e de todas as ações
Ao chegar na sala de aula do Pré 2 (crianças de 4 a 5 anos) de uma escola na qual eu trabalhava como professora de artes visuais, notei que a atenção e o interesse da turma estavam voltados para as adivinhas. As crianças divertiam-se na troca de “O que é o que é ?”. Pareceu-me, naquele momento, inadequado quebrar a motivação apresentando a proposta de trabalho que havia planejado para o dia. Rapidamente, precisei me adequar às necessidades da turma. E a idéia surgiu: criar adivinhas visuais. Fiz a proposta às crianças, que aderiram na hora, com muito entusiasmo.
E como faríamos isso? Como construiríamos adivinhas visuais? As idéias foram surgindo e sendo discutidas. Iríamos fotografar partes de objetos e ou imagens que se encontravam em nossa escola, de tal forma que não fossem identificadas num primeiro momento. Faríamos também um pequeno texto que serviria como dica. Proposta aceita, colocamos em prática. Primeiro, precisávamos escolher o que fotografar. Saímos pela escola observando tudo o que encontrávamos. O que interessava ao grupo era analisado com o maior rigor. Observávamos o objeto ou local de diferentes ângulos e perspectivas. Ao final da aula, tínhamos selecionado o que gostaríamos de fotografar. Mas as fotos teriam que ser tiradas somente em outro dia, pois teríamos que providenciar a máquina, os filmes etc.
Das fotos ao livro
Na aula seguinte, fomos aos locais da escola onde havíamos escolhido o que fotografar. Mas como faríamos as fotos? Qual era o enquadramento que desejávamos? Após discutirmos o assunto, resolvemos desenhar o enquadramento escolhido. As crianças se posicionaram diante do objeto em questão e desenharam. Em seguida, montamos a câmera fotográfica sobre um tripé e fomos em busca do mesmo recorte desenhado anteriormente. Depois de enquadrado, todas as crianças conferiram, através da lente da câmera, e o click foi dado. Elas fizeram novos desenhos, para orientar, agora, a foto do objeto por inteiro. E assim fomos procedendo.
Em outro dia trouxe as fotos reveladas. Comparamos o resultado fotográfico com os desenhos. Partimos então para a construção do texto das dicas. As fotos com o enquadramento especial – as “adivinhas visuais” – ficaram expostas e fomos fazendo relações com sua aparência. Dessa forma, fomos completando o texto de cada imagem, feito coletivamente. Na última aula, juntamos o texto com as fotos e os desenhos e montamos as seqüências de adivinhas.
Colamos em folhas separadas as adivinhas na seguinte ordem: texto da adivinha com a foto e os desenhos do enquadramento especial; em outra folha a foto e os desenhos da resposta, ou seja, o enquadramento do objeto por inteiro. Feito isso com todos os cinco objetos, resolvemos montar um livro. Organizamos a seqüência de páginas e criamos a capa. Colocamos no livro o nome de todos os autores. Para tanto, cada criança escreveu seu nome em uma pequena folha, que foi recortada e colada na última página.
Com a finalização dos livros, as crianças demonstraram interesse em lê-lo para seus pais. Confeccionamos um grande envelope para guardá-lo e fizemos um cronograma de retirada, além de regras para empréstimo. Combinamos com a professora regente da sala os procedimentos. Foi um sucesso! As crianças adoravam levar para casa o fruto de seu trabalho. Os pais gostaram muito e elogios não faltaram. Do sucesso da experiência de construção e “curtição” do livro “O que é isso?” com o Pré 2, surgiu a idéia de elaborar outros livros com as turmas do Pré 1 (crianças de 3 a 4 anos) e Pré 3 (crianças de 5 a 6 anos). Mas esta é uma outra história!
(Daniela Pedroso, graduada em Artes Plásticas, é professora de Artes na Rede Municipal. Atualmente desenvolve seu trabalho na Coordenação de Ensino da Arte da Secretaria Municipal da Educação de Curitiba)
Reflexões do formador em artes
Reflexão, brincadeira, arte, área do conhecimento ou jogo? A seqüência de Artes Visuais “O que é isso?”, apresentada por Daniela Pedroso, vai muito além de uma resposta única. Ela propõe aos seus alunos momentos de discussões e escolhas estéticas que ao final do processo se fundem em um livro de adivinhas. A capacidade humana de construir símbolos faz parte da constituição genética da espécie, que se efetuou durante um longo e complexo processo de desenvolvimento cultural e biológico. As artes, por tratarem de atividades que integram a função simbólica e a emoção, têm grande significado no processo de desenvolvimento da infância. O desenho, a música, a dança e o teatro são práticas necessárias, por constituírem o processo de desenvolvimento, como ressalta Elvira Souza Lima1.
Ao perceberem e apreenderem a forma, os alunos iniciam um jogo simbólico em que representam o objeto observado a partir de enquadramentos. Estes são repletos de significados construídos pelos próprios alunos ao longo do trabalho. As crianças realizaram um exercício bastante complexo ao selecionarem uma parte do todo observado, antes mesmo de utilizarem o recurso do visor da câmera. Construíram um significado para a parte enquadrada, representando-o graficamente através de símbolos. Aí então, surge outra etapa do processo de representação. É preciso um novo olhar para o mesmo objeto que foi fragmentado, é hora de desenhá-lo por inteiro.
Para Vigotski2, o papel do adulto como mediador do processo de desenvolvimento da percepção infantil é fundamental, quando considera o gesto e a dramatização movimentos geradores de representação gráfica infantil3. O olhar dos alunos ao observarem novamente o todo do objeto já não era o mesmo. A partir das representações gráficas que fizeram, das escolhas de enquadramentos, das discussões acerca dos mesmos, as crianças ampliaram seus repertórios imagéticos.
Desta forma, a leitura que realizaram dos objetos instigou a construção de uma narrativa sobre eles. “Nasceu” então um texto para cada adivinha. A escrita estava aliada à imagem. O envolvimento das crianças ativou seu potencial imaginativo e criativo antes mesmo que a razão dominasse a situação. Afinal, o jogo e a brincadeira são levados muito a sério pelo mundo infantil. A prática apresentada se construiu a partir do entusiasmo dos alunos com as brincadeiras de adivinhas que vinham sendo trabalhadas pela professora regente, ampliando a proposta inicial.
Este trabalho foi organizado e fundamentado a partir de três critérios essenciais para o desenvolvimento da prática pedagógica: ser culturalmente significativo para os meninos e meninas, surgir de seu meio próximo e possibilitar aos alunos a aproximação com novos contextos e experiências4.
(Relatório elaborado por Josilene de Oliveira Fonseca5)
1A Criança Pequena e suas Linguagens. Elvira Souza Lima. Ed.Sobradinho.
2Professor e pesquisador russo (1896-1934).
3O Olhar em Construção.Uma Experiência de Ensino e Aprendizagem da Arte na Escola. Anamélia Bueno Buoro. Ed. Cortez.
4Cultura Visual, Mudança Educativa e Projeto de Trabalho. Fernando Hernandez. Ed. Artes Médicas.
5Integrante da Equipe de Ensino da Arte da Rede Municipal de Ensino de Curitiba.
Ficha técnica
Professora: Daniela Pedroso
E-mail: danielapedroso@hotmail.com
Josilene de Oliveira Fonseca
E-mail: josifon@yahoo.com.br
Para saber mais
Livros e revistas
- A Criança Pequena e suas Linguagens. Elvira Souza Lima. Ed. Sobradinho.Tel.: (11) 5083-6043.
- Cultura Visual, Mudança Educativa e Projeto de Trabalho. Fernando Hernandez. Ed. Artes Médicas. Tel.: (11) 3221-9033.
- O Olhar em Construção.Uma Experiência de Ensino e Aprendizagem da Arte na Escola. Anamélia Bueno Buoro. Ed. Cortez. Tel.: (11) 3864-0404.
Sites
- Diversão, brincadeiras e cultura – www.qdivertido.com.br
- Jogos e brincadeiras para os pequenos. Destaque para a galeria de adivinhas e o baú de brincadeiras – www.divertudo.com.br
- Jogos e passatempos para crianças de 4 a 10 anos. Desenhos feitos por ilustradores brasileiros e franceses – www.minimagem.com
- Programas infantis da TV Cultura – www.tvcultura.com.br/aloescola /infantis/index.htm