Dinâmica motivacional ou estratégia formativa?

As dinâmicas de grupo servem realmente para mobilizar as competências, habilidades e vontade dos professores para ensinar melhor e ter uma ação colaborativa com seus pares? Ou a prática da sala de aula e a formação, bem tematizadas, são mobilizadoras poderosas na formação?

Muitos coordenadores pedagógicos têm verdadeiros pesadelos às vésperas de reuniões pedagógicas ou de encontros de formação com seus professores, buscando formas diferentes para tratar assuntos considerados difíceis. É nessa hora, quando a questão é mais difícil, que geralmente se apela para saídas mais fáceis: dinâmicas motivacionais. Leitura de mensagem de autoajuda, exercícios de relaxamento, dramatizações.

Arquivo Instituto Avisa Lá

Arquivo Instituto Avisa Lá

Recorre-se a tudo com a justificativa de sensibilizar, humanizar as relações, aproximar as pessoas e incentivar a cooperação. A questão enfrentada por um formador ao planejar a pauta de sua reunião pedagógica é justamente avaliar se para determinado objetivo seria melhor uma estratégia ou uma simples dinâmica. Os propósitos a que cada prática, dinâmica ou estratégia se prestam são muito diferentes. No caso dos encontros de formação, que têm certa regularidade, que estão envolvidos em um plano de ação de longo prazo com objetivos e conteúdos claros, é preciso pensar muito mais, considerar questões como: por que as pessoas precisam de técnicas para aproximação? Não estariam já bastante próximas como membros de um grupo que compartilham o mesmo objetivo de trabalho, já que são todos professores em formação? Caso a resposta seja negativa, se realmente as pessoas estão assim tão distantes, o motivo da aproximação não deveria ser mais intrínseco ao trabalho, considerando que ele é a principal razão da constituição desse grupo de professores?

Quais seriam, enfim, os objetivos compartilhados desse grupo, o que faz que seus participantes se constituam como grupo? E por que razão refletir sobre os conteúdos que se referem ao planejamento do trabalho que faz as crianças avançarem em seus percursos de aprendizagem não seria suficiente para sensibilizar os professores? Estamos comumente buscando sentidos e motivações externas. Mas por quê? Será que esses conteúdos não sensibilizam nosso grupo de fato, ou seria a nossa condução que faz com que se tornem pouco instigantes e desinteressantes para os professores da escola?

Essas questões, tão urgentes para os coordenadores, também surgiram em nosso ambiente online, na ocasião de um curso para coordenadores pedagógicos.

Em 2010, no curso desenvolvido para coordenadores pedagógicos, a Sala dos Professores foi tão bem frequentada que nós abrimos vários fóruns temáticos, voltados para interesses específicos. Havia espaço para quem quisesse apenas divulgar e conhecer dicas de leitura; para quem quisesse divulgar dicas da internet, recursos de sites interessantes que poderiam subsidiar a sala de aula; para trocar ideias sobre projetos didáticos; e uma sala especial para onde levávamos as discussões mais acirradas, aquilo que “deu pano pra manga”. Foi nessa sala que ocorreu a discussão relatada a seguir. O debate ocorrido ilustra bem o potencial do fórum para a formação reflexiva de profissionais de educação.

A. T. começou o debate. Em nossa Sala dos Professores, ela convocou as colegas para pedir ajuda:

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Como é costume, os participantes que entravam na sala liam o chamado de um colega e contribuíam com o que sabiam. Todos são coordenadores pedagógicos, e como A. T. , já devem ter passado por situação semelhante, já enfrentaram esse problema e provavelmente possuem repertório suficiente para oferecer ajuda. A. T. recebeu várias respostas de colegas de diferentes instituições educativas, como a que vemos a seguir:

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Débora Rana, formadora do grupo, e eu, coordenadora pedagógica, conversávamos frequentemente sobre o andamento da turma e acompanhávamos o desenvolvimento das questões mais interessantes do debate. Nosso principal foco sempre foi a Sala de Estudos, pois a Sala dos Professores, como espaço absolutamente livre, não demandava intervenções. Mas, em casos como esse, o assunto era tão recorrente que valia a pena provocar a reflexão, mesmo porque isso de fato mexia profundamente com as crenças dos coordenadores.

Debater a diferença entre dinâmica de grupo e estratégia toca as concepções de ensino, de aprendizagem, de grupo e de formação de cada participante. Permite refletir sobre o princípio do trabalho de formação na escola.

O que é estratégia formativa
Em nossa língua, a palavra estratégia pode assumir diferentes significados. Pode ser vista como ardil, estratagema, manobra. Esses sentidos aparecem mais no contexto dos jogos ou, então, da guerra. Em ambos os casos, pode ser analisada como uma ação que se opõe a seu inimigo, seja ele adversário no jogo ou na guerra. Mas, em nosso meio educativo, é mais interessante pensar essa ideia como um plano de mediação, um meio para alcançar determinados fins. Tais planos são constantemente discutidos por coordenadores pedagógicos ou supervisores engajados com a formação de professores.

Em supervisão, recorremos então a estratégias de formação de professores que constituem um meio de formar professores reflexivos, isto é, professores que examinam, questionam e avaliam criticamente a sua prática. Uma vez que o paradigma de formação por nós escolhido para enquadrar essa formação é o modelo reflexivo, as estratégias escolhidas vão envolver processos de reflexão por parte tanto do próprio supervisor, como do professor em formação. Assim perspectivadas, estas estratégias aparecem como instrumentos de apoio à reflexão…(ALARCÃO, I. Formação reflexiva de professores: estratégias de supervisão. Porto: Ed. Porto, 1996.)

Donald Schön circunscreve suas ideias no paradigma do pensamento reflexivo com enfoque na prática profissional, sobretudo no caso dos aprendizes iniciantes de uma profissão. Para ele, estratégias que permitem refletir sobre a prática são a experimentação em conjunto, a demonstração acompanhada de reflexão e a experiência e análise de situações homológicas. Delia Lerner, por sua vez, com base em estudos feitos com professores que já se profissionalizaram e estão atuando nas escolas, procura circunscrever não as estratégias formativas como Schön as entende, mas sim as situações de capacitação docente. Para ela, além das transformações que podem ser conquistadas por meio de estratégias diversas, há também que se preocupar com a conservação das mudanças. Ela aponta a análise de atividades de aula e a dupla conceitualização como as situações de maior sucesso na experiência de sua equipe1. O Instituto Avisa Lá, na ocasião da sistematização de sua metodologia de formação, definiu quatro estratégias básicas pensadas a partir de apropriações dessas referências. São elas: análise de bons modelos, análise de situações homólogas, tematização de práticas e análise de registros com devolutivas2.

Como se vê, a questão é complexa. Nesse momento, a equipe do Avisa Lá online procura investigar e sistematizar as melhores situações formativas em ambientes virtuais de aprendizagem. Nos fóruns, enfocamos a discussão teórico-prática porque entendemos que, muitas vezes, é na transposição do conhecimento teórico para a prática que o problema aparece na forma das perguntas mais simples como, por exemplo, a de avaliar se as dinâmicas de grupo são boas situações formativas.

A discussão sobre uma questão polêmica
Nós apostamos que os fóruns podem ser boas oportunidades para aprender a refletir. Por isso, nossa intenção não é julgar as práticas dos profissionais participantes do curso, nem avaliar o que é correto ou adequado, tampouco defender um ponto de vista, uma ideia já concebida. Queremos mesmo é problematizar a questão, promover uma boa oportunidade para que todos possam refletir, ou seja, criar uma situação que favoreça o avanço, a aprendizagem desse grupo. Postamos, então, o seguinte convite:

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Nos dias que se seguiram, muitas opiniões foram publicadas nos fóruns, ideias que iam se somando, se misturando com as opiniões dos outros, ajudando cada um a mudar de posição ou, então, a mantê-la com argumentos mais consistentes. O exemplo a seguir ilustra as postagens feitas em uma semana.

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C.F., A. T. e I., entre outras participantes, concordaram que “tanto dinâmicas como estratégias de formação devem ser planejadas e ter objetivos claros”. C.F. foi mais fundo na sua formulação, afirmando que a principal diferença entre dinâmica e estratégia é que uma leva “à reflexão sobre o seu eu e a interação com o grupo, e as estratégias de formação levam o professor à reflexão de suas próprias práticas.” Ela já apontou para a tendência que a primeira tem de lidar com conteúdos psicológicos.

Não por acaso, elas são matéria dos cursos de Psicologia e não de Pedagogia. Mais uns dias de prazo para todo mundo responder, replicar e, finalmente, sistematizar. Nessa hora, assumi o papel de organizar os conhecimentos que estavam sendo construídos coletivamente. Ao rearranjar as informações do fórum, foi possível devolver ao grupo as seguintes diferenças relativas à “dinâmica” e “estratégia”, sintetizando as ideias mais recorrentes nesse debate:

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A validação dos conhecimentos e a palavra da formadora
Provocar e sustentar a discussão dos participantes é nosso maior desafio nos fóruns; por isso, reservamos nossas opiniões para um momento posterior, evitando, com isso, inibir os participantes ou induzi-los a uma resposta pronta. Muitas vezes, isso exige escuta cuidadosa e calma. Nesse fórum, por exemplo, Débora, a formadora do grupo, só depois de os participantes publicarem suas opiniões, registrou o seu ponto de vista.

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A palavra de Débora não encerrou discussão; pelo contrário, uma nova rodada de postagens se iniciou. Os participantes, a todo momento, puderam rever suas posições. J.C., por exemplo, não confiava no alcance de nenhuma dinâmica e, por isso, propôs que a convivência fosse objeto de reflexão:

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C. Fe., por sua vez, reconheceu as possibilidades, mas também os limites desse tipo de dinâmica.

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Discussão sobre dois casos
Ficou claro para o grupo que as dinâmicas costumam ter compromisso com os objetivos de sensibilização. Como disse uma das participantes desse fórum, são usadas “como técnicas para motivação, desenvolvimento e interação, tenho visto sendo muito utilizadas em seleção de candidatos ou apresentação inicial a um grupo de pessoas que não se conhecem”. Mas será que esse olhar é suficiente para nos ajudar a trabalhar de maneira diferente com nossos alunos? Saber a diferença entre ambos nos permite fazer melhor?

Avaliamos que seria mais estratégico nesse momento refletir sobre alguns exemplos recolhidos na escola, casos homólogos provavelmente conhecidos pela maioria dos coordenadores ao longo de sua experiência prática. Todas essas questões circularam na segunda rodada desse fórum, com um contexto prático para aprofundar as reflexões, mostrando como os coordenadores se posicionavam em relação a essas práticas. Uma nova intervenção fez todos pensarem sobre as diferenças, dessa vez, utilizando os conhecimentos construídos na análise de dois exemplos, um deles inclusive trazido por uma das formadoras do curso.

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Notamos que as respostas tardaram a chegar, provavelmente porque os participantes com opinião diferente ainda estavam procurando repensá-la com base nas novas ideias. Houve quem postasse uma mensagem sem antes ler o teor de toda a conversa. Quando isso acontecia, os próprios colegas procuravam restabelecer os novos parâmetros teóricos do debate. Sabemos que não é fácil para vários coordenadores abandonar uma antiga crença, principalmente aquelas referendadas pela experiência prática ou quando não se tem algo mais seguro para colocar no lugar. Os que já tinham uma opinião formada, ao contrário dos demais, colocaram-se mais abertamente, como é o caso da J.:

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A proposta do primeiro caso é certamente mais frouxa. Ela trata simbolicamente de uma questão motivacional, talvez supondo que o grupo necessite de mais cooperação. A proposta da dinâmica, a saber, o próprio jogo, em momento algum é tratado como objeto em si. Ele é apenas pretexto para uma possível falta de cooperação. Vemos que o objetivo de melhorar o planejamento de propostas de escrita que, afinal, era a intenção da coordenadora naquela reunião pedagógica, não teve conexão com a dinâmica. Não se acredita que ter um bom desafio sobre uma questão específica sobre a escrita, que aparece constantemente na prática do professor, seja motivação suficiente para o grupo de professores.

Já no segundo caso, a proposta de jogar com os professores está diretamente ligada ao propósito de promover uma reflexão sobre o movimento como conteúdo de aprendizagem. Jogar e, em seguida, discutir sobre como foi jogar serviu à coordenadora do grupo como estratégia, um meio para atingir o seu principal fim, que é tornar visível aos professores determinados conteúdos que eles até então não reconheciam como tal. Nesse caso, os participantes podem desenvolver uma dupla conceitualização: pensar sobre o movimento como conteúdo de aprendizagem e, ao mesmo tempo, sobre como se ensina esse conteúdo na Educação Infantil.

De todo modo, pensar sobre a prática com base em casos similares ao que vivemos na escola permitiu aos participantes trocarem os próprios relatos, como ocorreu na conversa entre J. e C.:

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C. R. reviu a antiga prática relatada nesse fórum como sugestão de trabalho para uma colega. Ela concluiu:

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Avaliamos a importância dessa discussão para o grupo por dois motivos. Primeiro porque, no módulo 2 do curso, retomamos o conceito de estratégia, já que todos tinham mais informações e, segundo, porque sentimos um envolvimento real e interessado dos participantes, um enorme respeito às ideias divergentes e vontade de aprender mais, características de quem desenvolveu uma atitude responsável pela própria formação. Tudo isso em uma Sala de Café, cuja frequência não era obrigatória nem fazia parte da avaliação do curso. Esperamos que essa experiência seja de fato inspiradora para nossos formadores e para nossos futuros alunos online que esperamos encontrar em nossos próximos fóruns.

(Silvana Augusto é formadora do Instituto Avisa Lá, coordenadora do curso “O coordenador pedagógico como formador em sua unidade” e professora do Instituto Superior de Educação Vera Cruz, em São Pauo – SP.)

1Para saber mais, leia o capítulo 5 do livro de Delia Lerner, Ler e escrever na escolar: o real, o possível e o necessário na alfabetização. São Paulo: Artmed, 2002. Tel.: 0800 703 3444. Site: www.artmed.com.br.

2Bem-vindo, mundo! Criança, cultura e formação de professores, de Silvia Pereira de Carvalho e Adriana Klisys. São Paulo: Ed. Peirópolis, 2011, p.119. Tel.: (11) 3816-0699. Site: www.editorapeiropolis.com.br.

Avisa Lá Online

Agora, o Instituto Avisa Lá também está online. Seguindo a proposta já testada em 25 anos de formação continuada de professores, a equipe do Avisa Lá desenvolve cursos, oficinas, grupos de estudo e assessoria em seu ambiente virtual de aprendizagem. Os conteúdos oferecidos foram planejados para atender aos pedidos dos professores, coordenadores pedagógicos e diretores que desejam encontrar boas oportunidades de estudo, ajustados ao tempo de cada um. Procuramos assegurar que todos possam compartilhar boas oportunidades de aprender na interação, contando com a orientação de uma equipe especializada em cada um dos diferentes assuntos.

reflex1Trabalhamos principalmente em duas modalidades: cursos e oficinas. Embora ambas as atividades tenham um viés teórico-prático, diferenciam-se no tipo de demanda que é feita aos alunos. O curso propõe atividades de estudo e de reflexão sobre algumas práticas profissionais. A oficina centra o estudo na reflexão sobre a própria prática educativa do aluno participante, o que pressupõe que ele esteja atuando na sua área e se disponha a realizar as propostas apresentadas pela formadora em sua própria escola e relatar aos colegas o que aconteceu.

Ficha Técnica

  • Avisa Lá Online
    Coordenação executiva: Silvia Pereira Carvalho
    Coordenação pedagógica: Silvana Augusto
    Formadora: Débora Rana
    Curso online: O coordenador pedagógico como formador em sua unidade. Turmas A, B e C, 2010.

Para saber mais

  • Aprender construindo: a informática se transformando com os professores, de Fernando José de Almeida. Disponível em: www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=40248
  • Aprendizagem mediada pela tecnologia. In: Tecnologia na Educação, de Eduardo O. C. Chaves. Disponível em: edutec.net/Textos/Self/EDTECH/tecned2.htm#IV.
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