Para narrar e escrever bem

Conhecer a ortografia apenas não basta. É preciso ter repertório, saber planejar, revisar e reescrever

Em nossa escola – o Colégio Equipe1 –, desenvolvemos Atividades Diversificadas de Português2 para ajudar as crianças a narrar e a escrever melhor. Os grupos são de faixa etária semelhante. Consideramos fundamental que os professores proponham desafios para os alunos em função daquilo que cada um precisa e pode aprender. Apesar disso não acontecer o tempo todo, é uma maneira de organizar o trabalho para evitar que alguns alunos fiquem apenas repetindo o que já sabem, e que todos compreendam o que é solicitado, com vistas à ampliação do conhecimento. Os docentes se deparam sempre com esse desafio em sala de aula. Para tentar vencê-lo, preparam lições diferenciadas e organizam boas parcerias de trabalho para que todos aprendam.

Além disso, há alguns anos, propusemo-nos a eleger um momento da rotina em que reorganizamos as turmas para que cada professor planeje uma proposta com um determinado desafio de aprendizagem aos que dele necessitam. Com isso, temos a oportunidade de formar agrupamentos com capacidades e habilidades semelhantes e, na produção de narrativas escritas, os professores conseguem se dedicar mais ao acompanhamento dos que necessitam de intervenções mais precisas, bem como contar com a colaboração dos estudantes que já aprenderam e podem atuar como coordenadores de grupos de alunos que, com algum apoio, avançam ou conseguem elaborar boas produções.

Desta forma, criamos um espaço que garanta os diferentes saberes e ritmos de aprendizado, aspectos que os estudantes já percebem, explicitando para os alunos que há lugar para cada um continuar aprendendo e ensinando. O objetivo comum é que todos aprendam. Nosso principal objetivo, portanto, é que os alunos sejam respeitados em suas necessidades de aprendizado no contexto da heterogeneidade dos grupos e encontrem desafios de aprendizagem adequados ao que precisam aprender ou sistematizar (apropriando-se do conhecimento para conseguir explicar, ensinar), integrando subgrupos mais homogêneos ou mais produtivos (com um parceiro mais experiente como orientador, como coordenador).

Produção feita por Caio, 2º ano; Diego, 1º ano; e Guilherme, coordenador do grupo 3º ano

Produção feita por Caio, 2º ano; Diego, 1º ano; e Guilherme, coordenador do grupo 3º ano

Grupos de trabalho
Os grupos são formados para a atividade semanal em função de critérios de avaliação relativos à apropriação da sequência da narrativa oral e escrita. Enfatizamos a importância das oportunidades de elaboração da narrativa oral que a escola propicia, pelo próprio aprendizado da expressão oral e também pela posterior base que oferece à elaboração do texto escrito.

Na narrativa oral e escrita, as intervenções dos professores buscam o detalhamento, a coerência na sequência e a concordância gramatical. Quando os relatos são registrados pelo profissional, destacamos também aspectos de diferenciação entre a linguagem falada e escrita, que os estudantes já observam no contato com o texto dos livros.

Nas atividades de produção de texto, na escrita de frases mais curtas, temos como preocupação básica a apropriação do sistema alfabético; na elaboração de narrativas mais longas, a posterior revisão da sequência (detalhamento e coerência) e de aspectos gramaticais e ortográficos (concordância, diferenciação entre linguagem falada e escrita, uso de parágrafos, correção de pontuação, ortografia e acentuação).

Sistematizamos com os alunos, ao longo do 2º ano, o uso de marcas convencionadas como procedimento de revisão de texto, com a expectativa de que eles passem a utilizá-las com autonomia ao longo do 3º ano. Esse procedimento é antecipado, pelos alunos coordenadores de 3º ano, aos de 5 e 6 anos ou que estejam no início do 2º ano, que participam com eles das turmas de produção escrita.

No fim do semestre, realizamos uma atividade de socialização das produções e dos aprendizados, para a qual os estudantes se preparam para contar o quê e como aprenderam, sistematizando aspectos importantes do processo de trabalho e dando o direito aos colegas de acompanharem os desafios enfrentados por todos e as conquistas de cada um, o que é um valor na nossa escola.

Em geral, os grupos que realizaram as propostas feitas encontraram-se para essa atividade. No segundo semestre de 2010, como os alunos e as professoras já se conheciam, iniciamos a atividade com um encontro coletivo e, a seguir, formamos subgrupos compostos por alguns alunos que haviam realizado as duas propostas, para que eles pudessem compartilhar o aprendizado com os colegas – estratégia que costumamos utilizar com os mais velhos, do 2º ao 5º ano. As formas e a nossa avaliação dessa socialização acompanham o resumo de alguns trabalhos realizados, ao final desse relato.

Organização dos grupos
Os alunos do 1º ao 3º ano que dominam melhor, no contexto de sua série, os recursos para a escrita de frases ou de narrativas e os procedimentos de revisão de texto, auxiliam, como coordenadores, os colegas de 5 a 9 anos que estão em processo de aprendizado dos conteúdos de sua turma ou avançaram em relação às expectativas propostas. Por exemplo, quando uma criança de 5 anos se alfabetiza e segue com desafios que, a princípio, são planejados para as de 1º ano.

Dependendo do semestre e do número de participantes, formamos dois ou três grandes subgrupos para trabalhar com a narrativa oral – com mais ou menos apoio em objetos e figuras – e dois ou três grupos para trabalhar com a escrita de frases e de textos, com base em contextos mais ou menos definidos – como análise e elaboração de início, meio e fim de histórias, recontos, criação de personagens e enredos característicos (bruxas, fadas e vilões).

E no segundo semestre de 2010, os grupos foram configurados de diversas maneiras, como mostram os quadros3 a seguir:

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Os demais alunos, de 3 a 9 anos, integraram três subgrupos de trabalho com desafios de narrativa oral com apoio em objetos e ilustrações de histórias conhecidas (pequenos de 3 a 5 anos), de escrita de frases curtas (crianças de 5 anos, do 1º e do 2º ano, trabalhando com coordenadores de 1º e de 2º ano) e de elaboração e revisão de textos autorais (alunos de 2º e de 3º ano).

Grupo 1
Narrativa oral com apoio em sequência de imagens ou no reconto de memória – gravação de duas histórias de tradição oral narradas pelas crianças.

Resumo da atividade: nos primeiros dois encontros, lemos o conto A mulher dourada e o menino careca7. Conversamos a respeito do texto e cada criança escolheu um trecho para ilustrar. Organizamos uma linha dos acontecimentos com os desenhos, que serviu como apoio para recontarmos a história. Nos dois encontros seguintes, foi a vez de “Os onze cisnes da princesa”8. Cada criança escolheu dois personagens para desenhar.

Depois, retomamos a história. No quinto encontro, lemos o conto “Dona Boa Sorte mais Dona Riqueza”9. Ao longo dos encontros, conversamos sobre os versos que encerram as histórias, as maneiras de se iniciar uma narrativa, as palavras bonitas da linguagem escrita… Falamos, então, sobre o conto que elas gostariam de recontar para os demais.

Escolhemos dois contos e o grupo foi dividido em subgrupos com sete ou oito alunos cada um. Eles narraram as histórias e as professoras registraram os recontos. Com os textos prontos, os trechos a serem ilustrados foram entregues às crianças. Depois, filmamos os desenhos enquanto cada uma narrava a parte correspondente da história. Os pequenos chamavam a atenção para o uso de uma linguagem adequada durante a contação.

Com a filmagem, houve certa timidez e alguns perderam o fio da meada. Assistimos ao vídeo e, depois, o avaliamos, comentamos a postura de contador de cada um, conversamos sobre como se sentiram e o que acharam dos resultados. Entendendo que o vídeo estava ainda em processo de elaboração e, por isso, precisaria ser refeito, optamos por preparar com os pequenos, para a socialização, um relato sobre o processo. Nos ensaios e nos encontros, foi possível observar que a maioria havia se apropriado do trabalho realizado.

Avaliação do processo: foi importante dedicar alguns minutos para que os pequenos interagissem livremente, à medida que iam chegando à sala onde faríamos a atividade, para, em seguida, retomar o que vínhamos fazendo, bem como garantir um momento para brincadeiras livres ao final do período reservado para essa atividade. Isso propiciou mais integração entre eles, que originalmente pertenciam a três diferentes grupos.

Como parâmetro para a divisão das turmas, avaliamos que o ideal é que as de narrativa oral tenham em torno de 10 integrantes. As leituras podem ser feitas em agrupamentos maiores, mas, para o reconto, é importante subdividi-los para que todos tenham a oportunidade de narrar, intervir na narrativa dos demais, dar opinião e se beneficiar da intervenção da professora no momento da elaboração de uma parte do enredo.

Grupo 2
Análise, produção e correção de narrativas escritas – início, meio, fim, versão ou reconto – e elaboração de uma versão para o conto João e Maria.

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Intervenção da professora no trabalho em grupo

Resumo da atividade: o objetivo foi a produção de um livro com versões do conto João e Maria com algumas alterações, a ser entregue para outras turmas e para a biblioteca da escola. Iniciamos o trabalho com a leitura do conto “Ao Roã Meija” ou “O passarinho”10. Para que os alunos descobrissem o enredo da história, problematizamos as características do conto, indicando os elementos que compõem esse gênero. Realizamos uma discussão sobre versão.

No primeiro encontro, foi necessário definir o papel dos coordenadores, bem como convidá-los a trabalhar antes de seu grupo com o material a ser entregue na aula seguinte, a fim de que estivessem imbuídos de suas responsabilidades e, cientes do que seria solicitado, pudessem dar mais atenção aos colegas que iriam orientar.

Versão do grupo para o conto João e Maria  (produção feita por Manuela, coordenadora do grupo 3º ano, e Théo - 3º ano - e Valentina - 1º ano)

Versão do grupo para o conto João e Maria
(produção feita por Manuela, coordenadora do grupo 3º ano, e Théo – 3º ano – e Valentina – 1º ano)

Na aula seguinte, comparamos o início de diversas versões do conto João e Maria e ressaltamos aspectos que poderiam ser alterados, como ambiente, nomes e objetos. Retomamos também, oralmente, semelhanças e diferenças entre as versões lidas. Combinamos que no início de cada aula seria lida uma versão desse conto para que a turma pudesse se inspirar, observando variações em um mesmo enredo. Queríamos também colocá-la em contato com bons modelos de contos com valor literário e com a utilização da linguagem específica do gênero, evitando simplificações das versões originais.

Atividade proposta pela professora

Atividade proposta pela professora

Os alunos passaram ao planejamento de suas versões e observamos a necessidade de detalhá-las para que algumas características, como ambiente, personagens, acontecimentos e alterações ficassem explícitas para cada grupo. Deu-se, então, o início do registro das narrativas. O processo de produção escrita dos contos aconteceu na sala de aula e continuou no laboratório de informática. Assim, os estudantes tiveram a possibilidade não só de aprimorar o manuseio do computador, como também de revisar com frequência suas produções, que ficavam guardadas no computador, esperando que novas alterações fossem feitas com base nas atividades de revisão realizadas. Esse trabalho entre sala de aula e sala de informática permitiu que cada turma pudesse trabalhar em seu próprio ritmo e conseguisse revisar seus textos ao longo do processo de criação.

Nosso papel foi ler com atenção as versões produzidas e verificar quais os aspectos discursivos e notacionais que mereciam atenção e investimento especiais para serem passados aos coordenadores e seus grupos. Além disso, no fim de todas as produções, as crianças elaboraram uma carta para ser entregue a alguns leitores escolhidos, anexada aos textos, com o intuito de garantir a compreensão das produções finais. Paralelamente, puderam observar diferentes tipos de ilustração para esse conto e ilustrar as próprias histórias.

Na conclusão do processo, cada criança recebeu um bloco com todas as produções do trio (parciais e final), para que tivessem um registro que permitisse retomar e avaliar o trabalho, bem como partilhar o processo de produção com os demais colegas. Os contos e suas ilustrações foram compilados em forma de livro, entregue nas salas de aula e na biblioteca da escola. Na atividade de socialização, as crianças relataram o trabalho realizado, apoiadas no bloco com as produções, para demonstrar aos colegas o processo pelo qual haviam passado.

Última versão de João e Maria

Última versão de João e Maria

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Produção feita por Caio, 2º ano; Diego, 1º ano; e Guilherme, coordenador do grupo 3º ano

Avaliação do processo: finalizados e revisados os textos, os grupos compartilharam com o professor aspectos referentes à edição, o que confirmou a importância de colocar os alunos em contato com bons modelos de contos. É fundamental promover a socialização das produções escritas entre as crianças e propiciar a comparação com bons modelos, para que elas percebam os aspectos que merecem ser revisados. De maneira geral, no fim de todo o processo, os alunos demonstraram a apropriação do conhecimento necessário para a produção proposta.

(Adriana Mangabeira, orientadora pedagógica e educacional da Educação Infantil e do Ensino Fundamental I; Aleksandra Silva e Camilla Guimarães, professoras do 1º ano do Ensino Fundamental I e do Grupo de Educação Infantil – crianças de 3 a 5 anos. Todas elas trabalham no Colégio Equipe, em São Paulo – SP)

1O Colégio Equipe atende alunos da Educação Infantil (a partir dos 3 anos) ao Ensino Médio.

2São atividades desenvolvidas a cada semestre com subgrupos, formados por crianças da Educação Infantil ao 3º ano do Ensino Fundamental e, anualmente, com os alunos de 4º e 5º anos do Ensino Fundamental, sob a coordenação de Adriana Mangabeira e Ana Cristina Marotto.

3Fotos: Luciana Justi

44 anos completos até 30 de junho de 2010

55 anos completos até 30 de junho de 2010.

6Foram lidas diferentes versões desse conto: João e Maria, de Dulce Grisolia; João e Maria, de Julio Emílio; Joãozinho e Maria, de Ruth Rocha (adap.), todos da Ed. FTD. Tel.: 0800-772-2300. Site: www.ftd.com.br. Foi lida também a obra João e Maria, de Jonathan Swift, da Bloch Editores S.A. Tel.: (11) 3362-2000 (para São Paulo – SP) e (11) 4003-9393 (para demais localidades). Twitter: @atend_edglobo. Site: http://globolivros.globo.com.

7Os textos estão no livro No meio da noite escura tem um pé de maravilha, de Ricardo Azevedo. Ed. Ática. Tel.: 0800-11-5152. Site: www.atica.com.br.

8Idem

9Idem

10Texto publicado no livro Que história é essa?, de Flavio de Souza. Ed. Companhia das Letrinhas. Tel.: (11) 3707-3500. Site: www. companhiadasletrinhas.com.br.

11Outros textos lidos: Era uma vez irmãos Grimm, de Katia Canton. Ed. DCL. Tel.: (11) 3932-5222. Site: www.editoradcl.com.br e Os contos de Grimm, de Tatiana Belinky. Ed. Paulus. Tel.: (11) 3789-4000. Site: www.paulus.com.br.

Reescrita do conto João e Maria

Reescrita do conto João e Maria (Foto: Luciana Justi)

Ficha Técnica

  • Colégio Equipe
    Endereço: Rua São Vicente de Paula, 374 – Higienópolis. CEP: 01229-010. São Paulo – SP. Tel.: (11) 3379-9150
    Site: www.colegioequipe.g12.br
    Diretor geral: Luis Márcio Barbosa
    Orientadora pedagógica e educacional da Educação Infantil e do Ensino Fundamental I: Adriana Mangabeira
    E-mail: drica@colegioequipe.g12.br
    Orientadora pedagógica e educacional do Ensino Fundamental I: Ana Cristina Marotto
    E-mail: ana@colegioequipe.g12.br

Para Saber Mais

  • As melhores histórias de todos os tempos, de Lidia Chaib e Mônica Rodrigues da Costa (adap.). Ed. Publifolha. Tel.: (11) 0800-14-0090. Site: www.publifolha.folha.com.br.
  • Chapeuzinho Vermelho e outros contos por imagem, de Rui de Oliveira (imagens) e Luciana Sandroni (textos). Ed. Companhia das Letrinhas. Tel.: (11) 3707-3500. Site: www.companhiadasletrinhas.com.br.
  • Contos de Grimm, de Monteiro Lobato (trad.). Companhia Editora Nacional. Tel.: 0800-017-5678. Site: www.ibep-nacional.com.br.
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