O que está em jogo no Jogo dos Dinossauros

Prática permanente de leitura faz surgir tema de interesse das crianças, que partem para a pesquisa e constroem um elaborado jogo de percurso, utilizando arte, leitura, escrita e muito mais


Cristiane Mendes, Denise Nalini¹

No Pró-Saber SP², temos um compromisso com o trabalho contínuo de leitura e escrita. Em função disso, desenvolvemos uma série de sequências didáticas de leitura, abordando diversos gêneros ou subgêneros, como poemas, contos de aventura, de bruxas e fantásticos, livros informativos, jornais e diferentes obras de um mesmo autor ou diferentes textos sobre um mesmo tema.

Essa diversidade de textos é oferecida ao longo de todo o ano nas leituras diárias realizadas pelos professores. Simultaneamente, a prática é enriquecida por duas idas semanais do grupo de crianças à biblioteca, que é o coração de nossas ações.

Acreditamos que esses momentos favoreçam a aproximação com os textos, que, em muitos casos, nem seriam conhecidos. As crianças podem conhecer livros de diferentes extensões e complexidades, autonomamente ou com apoio e acompanhamento de um adulto. Essas práticas, em nosso cotidiano, são permanentes e organizamos sessões de leitura e exploração de livros na biblioteca desde o início do ano até o último dia de aula.


1 Cristiane, formada em Pedagogia com especialização em Alfabetização, é professora no Centro de Estudos Psicopedagógicos Pró-Saber SP. Denise, doutora em Educação Infantil pela FEUSP, é coordenadora pedagógica na instituição coordenadora de projetos do Instituto Avisa Lá.

Em nossa primeira visita, em 2014, com a turma de crianças de 6 anos, percebemos que elas se encantavam com os livros sobre dinossauros, e a cada novo encontro na biblioteca o interesse aumentava, até ser o principal assunto do grupo. Ao redor dos livros, olhos brilhantes, curiosos, muitas conversas e ideias a respeito do assunto e trocas de impressão:

– Olha, esse aqui grandão vai comer o outro.
(Apontando para uma imagem do tiranossauro rex)

– Comem tudo, até gente.
– Esse é o filhinho dele, é pequenininho.
Esse movimento e interesse fez com que todos quisessem levar esses livros para casa. Havia muitos comentários nas rodas de conversa e nas mesas de desenho, nas quais imperavam os dinos, principalmente o tiranossauro rex.


2 O Pró-Saber SP é uma associação civil sem fins lucrativos que desenvolve, desde 2003, um programa de educação na comunidade de Paraisópolis. Desde 2010, dedica-se ao trabalho de educação integral em parceria com escolas públicas da região. O Pró-Saber SP foi semifinalista do Prêmio Itaú-Unicef de 2015.

Passou a ser rotina consultar livros de dinossauros e, para alimentar essa pesquisa, em roda escrevemos um bilhete. A professora foi a escriba, anotando o pedido para a Lia (a responsável pela biblioteca):

Lia, você poderia, por favor, selecionar todos os livros sobre dinossauros da biblioteca para estudarmos?
Ass.: Grupo Dinos

Em menos de uma semana, recebemos uma cesta enorme com vários livros para pesquisa. A chegada dos livros ao grupo foi um sucesso. As crianças gritavam e pulavam de felicidade e empolgação. Diziam que eram muitos livros para conhecer.

Passamos a explorar os livros. Na primeira etapa, reservamos diariamente um tempo para as leituras e pesquisas sobre os dinossauros na roda e observamos as imagens e os diferentes tipos de livro – se eram informativos ou de histórias sobre dinos. As crianças observaram que alguns livros tinham índice e conversamos sobre seu uso, além da leitura de alguns trechos escolhidos por elas. Dessa forma, o grupo foi construindo um conhecimento sobre os dinos e adquirindo familiaridade com os livros.

Novas perguntas e informações surgidas dessa primeira pesquisa foram incorporadas pelo grupo: Quantos tipos de dinossauro existiam? Qual o nome deles? Estão vivos? Comem frutas ou carnes? Comem arroz? Fazem xixi? Namoram? O que são dinos herbívoros e carnívoros? Como era sua casa? Eles nasceram de ovos? Como foi sua extinção? Como surgiram? Será que os dinossauros comem dinossauros? Será que os dinossauros comem gente?

Aprendendo a perguntar

Para potencializar o estudo sobre os dinossauros, listamos, em roda, tudo o que já tínhamos observado nos livros. Retomamos as hipóteses das crianças e escrevemos as perguntas sobre o assunto.

Numa cartolina dividida ao meio, anotamos de um lado as coisas que as crianças já sabiam sobre os dinos – O que já sabemos sobre os Dinos – e, do outro lado, o que gostariam de saber – Nossas dúvidas sobre os Dinos.

Para grande parte do grupo, os dinossauros ainda viviam em nosso planeta, num lugar muito longe – para a maioria, na floresta Amazônica. Algumas crianças, contudo, já tinham ouvido falar em extinção, mas as diferentes noções – de estarem extintos e de ainda viverem na Amazônia – conviviam muito bem para todos.

Anotamos todas as perguntas no cartaz e o afixamos na parede.

Conhecendo mais sobre o assunto

Para dar continuidade à pesquisa, propusemos algumas atividades de estudo para buscar informações nos livros informativos. Organizamos a turma em grupos de quatro crianças e cada um recebeu um livro informativo sobre os dinossauros. Combinamos que todos os grupos teriam uma criança que anotaria do seu jeito as informações encontradas e outra que marcaria com papel colorido as páginas que teriam informações preciosas para mostrar na roda.

Para a montagem dos grupos, consideramos as sondagens de escrita que realizamos a cada três meses. Nessa turma grande, parte das crianças tinha hipótese silábica, outra pequena parte – umas cinco crianças – tinha hipótese silábico-alfabética e quatro crianças eram recém-alfabéticas. Assim, definimos como critério a presença, em cada grupo, de uma criança com hipótese alfabética para anotar as informações e de uma criança com hipótese silábico-alfabética para apoiar as ações de leitura. O restante da turma foi dividido nos grupos considerando a presença das duplas parceiras de atividade nas situações de escrita que propusemos durante o ano. Desse modo, cada grupo tinha um leitor, enquanto a professora apoiava os grupos com dicas sobre o que poderia dizer o texto.

Essa foi uma situação nova para a turma e, para que a proposta gerasse bons desafios para as crianças, foi preciso caprichar na organização e no planejamento dos grupos. Cada grupo teve como desafio ler e retirar informações dos textos e ilustrações de forma autônoma. Durante a realização desse ciclo – já que a proposta de pesquisa foi realizada mais de uma vez –, percebemos que a presença de uma criança alfabética foi essencial para apoiar o grupo.

Durante as pesquisas, pudemos realizar alguns ajustes em relação à seleção dos livros para os diferentes grupos. Assim, selecionamos duas enciclopédias com textos mais densos para a maior parte dos grupos e deixamos um livro com textos mais simples e com muitas imagens para uma turma que precisava de mais apoio.

As informações coletadas pelos grupos foram apresentadas na roda e fizemos um novo registro da pesquisa. Desse trabalho, podemos dizer que o primeiro fascínio das crianças foi pelas imagens dos dinossauros; depois, o encanto recaiu nas primeiras respostas encontradas: nomes dos dinossauros preferidos, como o tiranossauro rex. Descobriram que muitos nasciam de ovos, que outros viviam na água, que alguns comiam carne e outros, só plantas, o que nos levou a discutir o que são animais herbívoros e carnívoros. Ao término das pesquisas, montamos um banco de dados com as informações obtidas e muitas perguntas foram respondidas.

Construindo um projeto

Com tanto interesse por esse assunto e com tantas informações sobre dinossauros, não tinha como não surgir um projeto. Então, o que fazer e quais propostas compartilhar com as crianças? Que produto agregaria e traria visibilidade para nosso trabalho? Um livro, um brinquedo, um jogo? Essas perguntas nos levaram a retomar o marco zero do grupo para considerar em que poderíamos investir. Foi assim que nasceu o Jogo de Percurso dos Dinos.

Essa escolha possibilitou ampliar o conhecimento das crianças sobre os jogos de tabuleiro. A ideia de construir um jogo considerou que esse poderia ser um presente de final de semestre para cada criança. Com o jogo, elas poderiam compartilhar com a família momentos únicos e divertidos. Como ainda tinham pouco conhecimento sobre jogos de percurso, trabalhamos a ampliação do conhecimento com o acervo de jogos do Pró-Saber SP.

Lançando a proposta do jogo

A ação seguinte foi lançar a proposta ao grupo: fazer um jogo de percurso sobre os dinossauros, para que contassem tudo o que aprenderam – uma pesquisa lúdica que seria levada para casa para se divertirem com os familiares. A turma achou a ideia muito boa e se comprometeu a trabalhar. O projeto teve a duração de quatro meses e proporcionou momentos intensos de leitura e pesquisa para todos.

Dicas da professora

Planejar com bastante antecedência todas as atividades é uma dica importante para que um projeto gere aprendizagem para as crianças. É necessário garantir-lhes momentos para conhecer vários tipos de jogo de percurso e suas composições, ler as regras, pensar em modelos, para que o grupo possa definir o seu:

“Uma vez por semana, organizei um momento de jogos de tabuleiro. Nesse momento, aproveitei para trabalhar alguns jogos de percurso e ampliar o conhecimento específico desses jogos. Planejei para o final do dia um momento para jogar sistematicamente jogos de percurso. Realizei algumas brincadeiras com trilhas corporais para que as regras do jogo ficassem mais conhecidas pelas crianças. Fiz jogos de percurso na quadra, nos quais as crianças eram as peças do tabuleiro. Explorei várias formas de jogar para que a apropriação se tornasse mais consistente, pois é preciso conhecer e ter familiaridade para construir um jogo. Quando percebi que o grupo já conhecia mais de 10 tipos de percurso, iniciamos a escolha de um modelo para o nosso jogo.”

Escolhendo um modelo de jogo

Na roda, expusemos às crianças vários modelos de jogo de percurso. Elas os observaram e escolheram um tabuleiro com muito mato, árvores e animais que podiam ser substituídos pelo cenário onde viviam os dinossauros. Nesse jogo, definimos que o percurso chegaria ao final no número 50, o que seria legal, pois até o número 100 seria muito longo.

As crianças contribuíram também com outra referência: fazer cartas desafios – um jogo que tivesse desafios. Havia muito trabalho pela frente e combinamos de escrever um cartaz com tudo de que precisaríamos para a construção do jogo de tabuleiro.

Diferentes etapas na elaboração do jogo de percurso

Compartilhamos com os alunos o planejamento das atividades e sua distribuição no tempo. Isso foi fundamental e possibilitou discutir um cronograma e definir com as crianças as ações a realizar e as responsabilidades de cada um. Planejamos dois dias da semana para esse projeto, mas depois ampliamos para mais dias. Fizemos com o grupo um “boneco”, um protótipo do jogo de tabuleiro para observação e novas contribuições, e iniciamos uma série de atividades de desenho para fazer o tabuleiro: propostas de composição de cenários e observação de ilustrações e imagens de árvores e outras plantas, meteoros, vulcões, pedras e dinos.

Para a construção de um cenário sem desenhos estereotipados, foi preciso criar oportunidades para que as crianças observassem a vegetação e as pedras que temos em nosso espaço. Ao longo das atividades, elas se dividiam e escolhiam o que gostariam de observar e desenhar. Foi nítido verificar o avanço no desenho de cada um e o quanto foi rico promover essas observações. Os detalhes das folhas, troncos, árvores encantaram a todos. O desenho de observação não é fácil; é um trabalho árduo, que requer muita atenção.

Escrita no cartaz

O que precisamos para montar o Jogo de Percurso dos Dinos (materiais necessários):

1 Tabuleiro: Para o jogo ter maior durabilidade, escolher uma cartolina mais resistente.

2 Temática do tabuleiro: Paisagem da era dos dinossauros, com muitas árvores e outras plantas, meteoros, rios e, claro, os dinos espalhados nesse cenário.

3 Dados: Dado padrão.

4 Peças (peões): Miniaturas de dinossauro. Quatro peças de massa de biscuit fixadas a uma base de papelão, com cores diferentes, uma para cada jogador (vermelha, amarela, azul, verde).

5 Regras do jogo: Para defini-las, as crianças tiveram contato constante com regras de diferentes jogos para observar como se apresenta um texto instrucional.

6 Cartas desafios: Pesquisa dos diferentes tipos de carta desafio e suas legendas

7 Embalagem para os jogos: Pesquisa de suportes para guardar os jogos (sacolas plásticas, bolsas de pano e caixas).

Depois da lista do que as crianças queriam, começamos a produção de nosso jogo.

Cartas desafios

Definimos que colocaríamos 10 desafios no tabuleiro. Para isso, foram desenhados dinossauros para marcar cada desafio criado pelas crianças. Assim:

1 O asteroide caiu na sua cabeça. VOLTE 3 CASAS

2 Você escorregou no vulcão. VOLTE 1 CASA

3 Você encontrou o diplodoco. ELE VAI TE AJUDAR A AVANÇAR 3 CASAS

4 Nossa! Você encontrou o REX. Fuja! AVANCE 3 CASAS

5 Cuidado para o asteroide não cair na sua cabeça! AVANCE 4 CASAS

6 Você está com sede ou com fome. Vá para a floresta onde estão os branquiossauros. AVANCE 1 CASA

7 Cuidado para o velociraptor não te pegar! AVANCE 2 CASAS

8 Você mexeu com os ovos do tiranossauro rex. VOLTE 4 CASA

9 Nossa! Lá vem o pterodáctilo. Ele te pegou! VOLTE 2 CASAS

10 Cuidado, o vulcão está em erupção! VOLTE 3 CASAS

Levamos para a sala imagens e miniaturas de várias espécies de dinossauro: tiranossauro rex, apatossauro, espinossauro, anquilossauro, tricerátopo, diplodoco, velociraptor, estegossauro, torossauro e outros queridos do grupo. Divididas em duplas, as crianças escreviam no quadro o nome de cada dino, colocando suas potencialidades em evidência.

Para a construção da sequência numérica, dividimos o grupo para a escrita dos números das casas correspondentes no jogo, que teria a numeração até o 50. O quadro numérico que temos na sala apoiou essa escrita e, quando finalizaram o cenário, as crianças colaram os números, discutindo sobre a numeração.

Tabuleiro finalizado, hora de começar a confecção das peças do jogo. Para isso, criamos uma grande oficina de confecção de minidinossauros com biscuit, que encantou, acalmou e concentrou o grupo. Cada criança escolheu quatro dinossauros favoritos para modelar. Esperamos secar e, no dia seguinte, elas pintaram as peças com as cores escolhidas.

Regras do jogo

Para a escrita das regras, a turma pôde expressar suas dúvidas e dar opiniões, ajudando na revisão do texto e a torná-lo o mais claro possível. A construção das regras foi coletiva, tendo a professora como escriba.

Confecção das caixas para os jogos

As crianças escolheram o suporte para guardar os jogos por meio de votação, tendo ganhado a caixa de papelão. Cada aluno confeccionou sua caixa a partir de uma técnica de colagem de tecidos, que imprimiu um tom sofisticado ao jogo.

Reta final: lançamento do Jogo de Percurso dos Dinos

Com o jogo finalizado, a empolgação foi muito grande. Todos estavam ansiosos, pois teriam uma manhã de jogos com os familiares. Organizamos mesas pelo pátio e as crianças ensinaram o jogo a eles. A participação dos pais foi intensa, tendo sido um momento de diversão com os filhos e compartilhamento de algo construído por eles. Nesse momento único, vimos famílias emocionadas e crianças felizes com seus pais.

Nossas aprendizagens

O projeto possibilitou que as crianças tivessem um momento rico de compartilhamento de saberes, de pesquisa e de trabalho conjunto para conquistar um mesmo objetivo. A princípio, o desafio favoreceria muito a construção da escrita que elas estavam vivenciando. Mas nossos objetivos foram além. Ampliamos as possibilidades com a construção coletiva de um jogo, passando por um processo de dividir, compartilhar saberes, socializar informações. Brincando, as crianças estudaram, escreveram e colocaram em jogo o que sabiam.

A certeza de que tudo se inicia pelo que as crianças já sabem é essencial, mas também é importante saber que cabe ao professor potencializar o que trazem e ampliar isso, fornecendo informações e propostas ao grupo. Ao oferecer jogos para que as crianças conhecessem, explorassem e analisassem como foram elaborados, demos possibilidades para que elas se apropriassem de novos conhecimentos referentes ao tema dinossauros. Para completar, foi gratificante observar a participação das famílias valorizando e aplaudindo o trabalho realizado pelos filhos. Estimular essa integração família-escola é essencial e torna todos melhores.

Posted in Revista Avisa lá #68.