Diálogos com a cidade: paisagismo, horta e gastronomia

Maria do Carmo Viegas¹


Crianças com alimentação nutritiva, saudável e ambientalmente sustentável por meio de horta na escola.


– Adoro suco colorido… (suco de mamão e laranja)
– Experimentei e não achei ruim …
– Eu quero um pouco do suco rosa … (suco de beterraba)
– Quando posso ajudar de novo a fazer pão colorido?
– Vou comer alface porque eu ajudei a plantar…

Esses foram alguns comentários feitos pelas crianças com idade de dois a cinco anos durante o desenvolvimento do projeto Horta e paisagismo escolar na EMEI Serra Encantada – Gramado (RS).


1 Nutricionista Responsável Técnica do Departamento de Alimentação Escolar de Gramado (SP).

A vida moderna e a facilidade de aquisição de produtos hortifrutigranjeiros no comércio local suprem as necessidades do dia a dia das famílias, resultando no afastamento das crianças e jovens da prática de manter e cuidar de horta familiar. A
consequência é que acabam desconhecendo o processo produtivo daquilo que consomem.

O projeto Horta e paisagismo escolar (ver box) possibilita às crianças da Educação Infantil (dois a cinco anos) e do Ensino Fundamental (de cinco anos em diante) o envolvimento na confecção de canteiros de hortaliças e jardinagem, contribuindo para o desenvolvimento de bons hábitos alimentares, bem como no embelezamento externo e interno da escola com plantio de flores. Várias ações junto aos alunos e à comunidade escolar compõem essa proposta.

A colheita dos produtos da horta pode ser usada na alimentação escolar, comercializada e ainda ser trocada por sementes ou novas mudas. Por serem orgânicos, uma vez que não são usados produtos químicos no cultivo, a qualidade nutricional desses alimentos enriquece a alimentação, propiciando mais saúde às crianças.

De acordo com a realidade de cada comunidade escolar e com os objetivos do planejamento pedagógico da escola, as ações do projeto Horta e paisagismo escolar assumem características próprias. A utilização da iniciativa horta escolar como atividade prática, estudo e pesquisa serve como importante recurso para o desenvolvimento dos conteúdos pedagógicos, tornando-se o eixo principal do projeto.

Segundo Gislaine Martini, Diretora da EMEI Serra Encantada:

Percebe-se a importância de usar elementos concretos, como a horta e a diversidades de alimentos, formas e cores, para que as crianças aprendam a importância dos alimentos, com alegria e diversão, assim proporcionado a eles prazer, pois uma das maiores dificuldades é a criança experimentar os alimentos. Incentivando e criando alternativas, as crianças sentem-se estimuladas e acabam experimentando e gostando, alimentando-se de forma mais saudável. Também contamos com a participação da família e da comunidade para construção e permanência da horta escolar.

Horta e paisagismo escolar

O projeto é desenvolvido nas escolas da Rede Municipal de Ensino de Gramado (RS) desde 2009. Teve origem nas oficinas de horta escolar que eram desenvolvidas junto aos alunos do Projeto Sapeca – atendimento às famílias e alunos em risco e vulnerabilidade que realizam atividades diversificadas que auxiliam na formação educacional, ambiental e social, diariamente em turno inverso escolar.

Após um período de estudos e reuniões entre equipe do projeto, Secretaria de Educação, escolas e Círculo de Pais e Mestres (COM), as escolas da Rede Municipal aderiram ao projeto, envolvendo alunos, professores, gestores e CPM, com o objetivo de aproximar as famílias e despertar nos alunos o gosto e a vontade de se envolverem nas atividades escolares.

Inicialmente foi proposto que as escolas introduzissem o assunto no conteúdo didático e pedagógico para conhecimento e entendimento de todos e, com o tempo, fossem avançando para a prática. Assim, em 8 de maio de 2009, foi iniciado, na prática e de forma oficial, o projeto Horta e paisagismo escolar, cujas escolas que já trabalhavam com a proposta foram credenciadas para dar continuidade; as demais, estimuladas para que iniciassem as tratativas de efetivação e de sua implantação em seus espaços escolares.

A partir dos resultados das ações, o projeto assumiu grande importância para a comunidade gramadense, pois parte do entendimento de que a participação das crianças e adolescentes, em ações concretas na horta e paisagismo escolar, promove o conhecimento, a cidadania e a valorização da vida.

As escolas e as comunidades do seu entorno estão diretamente envolvidas pela mudança na qualidade de vida, sendo que de forma direta são atingidos 4.500 alunos e suas respectivas famílias. No primeiro ano, cinco escolas aderiram ao projeto e, atualmente, são vinte e seis escolas de Educação Infantil e de Ensino Fundamental.

Em termos de relações humanas, o projeto também criou a oportunidade de se trabalhar com a criança o respeito às
diferenças, pois num mesmo espaço (canteiro) é possível o plantio de flores e hortaliças de diferentes espécies, e que todas
vivem e convivem juntas. As crianças apreciam muito o trabalho da horta, o preparo dos canteiros, a semeadura, o plantio de mudas e o acompanhamento do processo até a colheita, culminando em seu consumo. (Isaura Benetti dos Santos, ex-diretora da EMEF Dr. Carlos Nelz – CAIC e Membro da Equipe de Gerenciamento do Projeto)

Múltiplas ações

O aproveitamento do material orgânico da escola para a compostagem é a primeira atividade a ser feita na horta. Na escola, é possível produzir um adubo orgânico de excelente qualidade. Paralelamente às atividades desenvolvidas nas escolas, são oferecidas formações aos professores envolvidos no projeto, realizadas pela Equipe de Gerenciamento. São demonstradas, na prática, como construir composteiras, técnica de preparo de solo e dos canteiros, semeadura, cultivo, adubação, colheita e gastronomia (tipos de corte de vegetais, uso de temperos, técnica de higienização de vegetais, elaboração de receitas), que servem de suporte para o trabalho com as crianças.

A partir das formações realizadas com os responsáveis pelo projeto nas escolas, as crianças executam atividades práticas e pedagógicas, coordenadas pelos professores, envolvendo o currículo de forma interdisciplinar. Exemplos: uso do metro na medição dos canteiros, manuseio da balança na pesagem dos alimentos, estudo dos tipos de solo e sua biodiversidade, calendário e época de plantio, confecção de livros de receitas e o seu preparo, história da agricultura e alimentação humana etc.

Com o auxílio da cozinheira Roselaine Coliselli, as crianças da EMEI Serra Encantada ajudaram a preparar a massa colorida para a produção de pães que foram feitos a partir da beterraba, do espinafre e de cenouras colhidas na horta escolar que eles ajudaram a construir e cuidar. Além disso, foi proporcionado o envolvimento dos alunos na produção de sucos coloridos e espetinhos de legumes que foram degustados no almoço do dia.

Entre as etapas que compõem o Projeto, uma delas é a implantação de cisternas nas escolas de Educação Infantil e de Ensino Fundamental para captação das águas da chuva e aproveitamento na irrigação da horta e de jardins, banheiros, como também na limpeza em geral. Em 2010 foi inaugurada a primeira cisterna, e atualmente sete escolas contam com esse equipamento. No desenvolver do projeto, as crianças são responsáveis pelos cuidados com a manutenção da horta e, entre esses cuidados, podemos citar a irrigação dos canteiros de hortifrutigranjeiros e flores.

O projeto conta com profissionais (Técnico Agrícola, Nutricionista, Pedagoga etc.) nomeados e que, respeitadas suas funções de concurso, responsabilizam-se e coordenam as atividades com a equipe gestora das escolas. Sempre que necessário os profissionais vão às escolas para acompanhar e auxiliar na integração dos conhecimentos entre alunos, professores e cozinheiras. Usando a imaginação, pode-se aproveitar o espaço aberto, externo e interno, para fazer com que o ensinar se torne mais concreto, significativo e real. São realizadas palestras de Educação Nutricional que proporcionam mais conhecimento aos alunos nas questões ligadas aos valores nutricionais dos alimentos.

No calendário escolar, estão previstas duas ações importantes para a culminância do projeto. A primeira ação, que é a Mostra Ambiental, acontece nas escolas em junho, momento em que se apresentam os trabalhos realizados à comunidade. A segunda ação é realizada a cada dois anos, na Rua Coberta de Gramado, durante a semana do Meio Ambiente, atraindo a atenção da comunidade e dos turistas.

Uma das escolas contou com a participação de um aluno com déficit cognitivo que frequentava a escola no 7º ano do Ensino Fundamental, o que resultou em uma experiência interessante de inclusão e de possibilidade de aprendizagem. A professora Liani Inês Rocha, da EMEF Nossa Senhora de Fátima, relata esse processo:

O objetivo da participação desse aluno nesse projeto, além de todos os outros já elencados, foi o de proporcionar aprendizagens concretas sobre muitos dos conteúdos tratados em sala de aula. Isso partindo do pressuposto de que o deficiente aprende melhor quando está diretamente em contato com o objeto do conhecimento. Nesse sentido, foi realizada uma parceria com a professora do Atendimento Educacional Especializado na escola, com vistas à participação desse aluno nas atividades do projeto. Foi imensamente produtivo sua participação, pois foi possível perceber que o aluno apresentou grandes aprendizagens sobre os alimentos, crescimento dos seres vivos, a importância da horta para uma alimentação mais saudável e a delícia que é estar em contato com a terra. Inicialmente, quando o aluno ingressou no projeto, tinha receio em tocar na terra, pois tinha bastante resistência em sujar as mãos, roupas e calçados. Com o tempo, o aluno foi vivenciando a terra, compreendendo a importância desse espaço para sua vida dentro e fora da escola. Inclusive o aluno solicitou à sua mãe que fizessem em casa um espaço para a plantação, que ficaria sob seus cuidados. A experiência com esse aluno foi de grande relevância para todos os envolvidos, oportunizando ao grande grupo o convívio e a aceitação do outro como diferente, o respeito às diferenças entre todos e a empatia que precisamos ter entre nós. E essas qualidades são a base para uma inclusão efetiva.

Outros resultados de destaque foram alcançados: a distribuição de hortaliças e temperos para as famílias, proporcionando a aproximação no ambiente escolar, bem como o envolvimento dos alunos, professores, direção e equipe responsável no embelezamento dos arredores das escolas, propiciando um ambiente externo agradável e colorido.

Os alunos e suas famílias são os mais beneficiados com as ações do projeto, embora os profissionais das escolas, as instituições responsáveis e parceiras, os nossos visitantes, entre tantos outros, sejam igualmente beneficiados por esse tipo de inciativa.

Manter a imagem da cidade, o cuidado com o meio ambiente e desenvolver o respeito e o bom atendimento às pessoas que nos visitam e que vivem aqui é uma prática constante de quem vive em Gramado. Desejamos manter a cultura de beleza natural e ornamental, conservando nosso município nesse lugar lindo e desejado por todos, legado e compromisso assumido por toda a comunidade gramadense.

Sendo assim, queremos que as crianças vejam no pátio e na horta escolar modelos de cuidado e de atitude que sirvam de exemplos para elas. Que os pequenos também se sintam cuidados e passem a cuidar do ambiente escolar de que fazem parte. Isso certamente contribui para diminuir o vandalismo tanto na área interna quanto na área externa da escola. Os pais são convidados a auxiliar na realização do projeto, contribuindo com suas habilidades na organização e construção dos canteiros e hortas escolares ou fazendo doação de materiais.

A avaliação do projeto tem sido muito positiva pelo fato de ter aumentado o consumo de alimentos oriundos da agricultura familiar, servidos na alimentação escolar, devido à constante educação nutricional, reeducando e estimulando hábitos que visam a uma alimentação saudável.

Os pátios escolares estão gradativamente mudando, com seus espaços mais bonitos e atraentes. A aprendizagem também ficou facilitada, pois professores e alunos podem utilizar o pátio da escola como ferramenta de aprendizagem, aproveitadas em dinâmicas pedagógicas inseridas no aprendizado do aluno por meio da proposta de melhoria constante de ações e atitudes.


2Escola localizada na Zona Rural de Carahá, do Município de Gramado, multisseriada – Educação Infantil e de Ensino Fundamental de 1º ao 5º ano.
3Escola feita de madeira cujo nome se deve ao fato de ela ter sido planejada durante o mandato do governador Leonel Brizola.

Histórico da Horta escolar da E.M.E.F. Padre José Scholl²

Iracy Maria Baretta, professora desta Escola desde 1964, quando ainda era uma Brizoleta³

Quando iniciei minhas atividades nessa escola os alunos traziam a merenda de casa; mas logo começou a chegar merenda importada dos Estados Unidos da América. Era leite em pó, bulgor (trigo), sopas prontas em grandes pacotes de péssima qualidade. Na época, o secretário da Educação era um técnico agrícola vindo do interior de Caxias do Sul. Ele também fazia parte da FARSUL e, por isso, dava atendimento aos agricultores do município. Meus pais eram agricultores, e os alunos também filhos de agricultores. Nos anos de 1965 e 1966, plantávamos apenas temperinhos para incrementar a merenda que era feita na escolinha num fogão à lenha comprado pelos pais. Quando os pais carneavam porco os alunos traziam para a escola: farinha de trigo, ovos, carne moída, banha; daí fazíamos pastéis usando os temperinhos plantados no pátio da escola. Com interesse de todos: Secretário da Educação, pais, alunos e professoras, resolvemos fazer uma horta cercada com tela numa parte do pátio. Foi um verdadeiro mutirão… todos queriam dar o melhor de si. Derrubaram eucaliptos, fizeram os postes, compraram tela, trouxeram sementes e mudas, araram a terra, colocaram humo e, juntos, iniciamos a horta, isto em 1967.

A horta continua fazendo parte do cotidiano da escola. Tínhamos, na década de 1970, técnicos da EMATER que atendiam a todas as escolas da zona rural que, àquela época, era em torno de 30. Participávamos de concursos das melhores hortas escolares e por anos fomos premiados. Tivemos também a feira de produtos da horta nas ruas da cidade, onde vendíamos os produtos e com o dinheiro comprávamos materiais e utensílios para a escola.

Com a troca do secretário e a criação das escolas de área, as escolas do interior foram fechando e o transporte escolar levando os alunos para estudar na cidade. Mas nossa escolinha sobreviveu, acho que pela horta, pelo interesse dos pais agricultores verem seus filhos cultivar hortaliças e, assim, ter uma merenda mais saudável.

Fiquei sozinha nesta escolinha atendendo classe multisseriada do pré ao 5º ano até 2007, quando chegou uma merendeira, construíram uma cozinha, fizeram armários, providenciaram material de cozinha. Em 2012 construíram uma escola de alvenaria com duas salas de aula, três banheiros, água tratada, e chegou uma diretora para assumir a direção e dar aula também. Hoje temos lousa digital e um professor que vem dar aula de informática. Temos também capoeira e taekwondo. Enfim, temos toda a tecnologia que têm as grandes escolas, mas o diferencial é a horta escolar, espaço em que os alunos trabalham de maneira interdisciplinar, partindo do concreto para o abstrato.

Em 2009 participamos do projeto Educando com a horta e gastronomia, enriquecendo ainda mais o trabalho com a sustentabilidade e por uma melhor qualidade de vida, consumindo alimentos puramente orgânicos. Continuamos até 2015, ano em que participamos de um novo projeto – Educando com a horta e paisagismo –, que além de cultivar a horta cuidamos também de embelezar os arredores da escola, tornando-se um verdadeiro cartão-postal.

Hoje a escola tem atendimento de nutricionista do município que prepara os cardápios de acordo a faixa etária dos alunos. Mas continuamos com a nossa horta, adubada com o composto orgânico oriundo das cascas de frutas, verduras, gramas etc. Os alunos acompanham o desenvolvimento das hortaliças do plantio ao consumo, pesquisando receitas, conhecendo o valor nutritivo dos alimentos, época de plantio, validade das sementes e origem. Aprendem a usar metro, balança, calendário, gráfico, ferramentas apropriadas e, principalmente, a conhecer a diversidade de hortaliças em função do espaço, o valor nutritivo de cada uma delas, o seu tempo de produção etc.

Novos frutos…

Em 2015, o projeto Horta e paisagismo escolar foi inscrito no PRÊMIO GESTOR PÚBLICO 2015, recebendo o Certificado de Reconhecimento. Com tudo isso, estamos certos de que deve continuar fazendo parte do Projeto Político-Pedagógico das escolas (PPP), consolidando-se como uma estratégia significativa na caminhada em busca de uma educação de qualidade para todos, de forma prazerosa, geradora de aprendizagens e formadora de cidadãos atuantes, comprometidos e felizes, fazendo a diferença na educação e na história do nosso município.

Nonno Mio ensina-me a ser chef, publicado na Revista Gramadomagazine.com.br – edição 464, outubro de 2015

Nonno Mio ensina-me a ser chef é um projeto social voltado às escolas estaduais e municipais de Gramado. Utilizando os itens que compõem a merenda escolar, os alunos escolhidos, juntamente com a merendeira da escola, ganham o auxílio de um cozinheiro do Nonno para elaborar um prato de chef, digno de restaurante. Os alunos reproduziram seu prato para um corpo de jurados no SENAC no dia 5 de outubro.

Além das premiações para as três escolas vencedoras (eletrodomésticos), a primeira colocada estará no dia 10 de outubro na cozinha experimental do Festival de Gastronomia na Rua Coberta, fazendo o seu prato e distribuindo-o aos passantes.

Nesse dia, também serão premiados 2 alunos destaques que ganharão um jantar no Nonno Mio acompanhados da sua família. De maneira a incentivar todos os alunos, cada participante está convidado a participar de um passeio no Snowland.

Posted in Revista Avisa lá #67.