Nada é por acaso

Carolina Sandroni¹


Crianças são, por natureza, interessadas em quase tudo. Quando encontram um adulto que as acolhe e lhes proporciona diversidade de experiências sua expressão estética aparece plena de autoria.


Desde pequenina, uma mesinha no quarto com uma caixa de materiais para desenhar: folhas, lápis, giz, canetões, canetas,
massas de modelar, cola, tesoura, alguns livros e catálogos de arte, para reencontrar as belezuras vistas com a família em museus e passeios interessantes. A escola, quase sempre pública e sempre escolhida com esse critério: de valorizar a arte e
dar oportunidades. Oportunidades para olhar, receber, respeitar, refletir, experimentar e sentir.

Como professora de Educação Infantil, interessada por arte e estudiosa do desenvolvimento infantil e do desenho das crianças, percebi que, em grande parte dos estudos e dos relatos que eu leio, a fase de ouro do desenho (quando a criança expressa lindamente, sem medo de não ser fiel às perspectivas e outras características mais acadêmicas), acaba justamente quando a criança entra na escola. Especialmente quando a demanda por um ensino mais tradicional aumenta.


1Formadora do Instituto Avisa Lá e da Escola de Educadores Bacuri em São Paulo (SP). Mãe de Alice, menina que gosta de desenhar.

Parece que nessa transição acaba a brincadeira, acaba a arte, acaba a liberdade inclusive de escrever segundo as hipóteses infantis. Nesse caso, o desenho perde espaço. Isso, junto com a formação mais tradicional que muitos professores receberam e com a expectativa por copiar modelos e encontrar beleza na perspectiva adulta da estética, faz com que o pequeno espaço que a arte, a expressão e o desenho têm na escola sejam mais cerceadores e ofereçam menos oportunidades para o desenvolvimento da autoexpressão.

Preocupada com isso, duas ações. Uma delas, escolher escolas que valorizassem essas oportunidades e, outra, valorizar e criar condições para desenhar em casa. Além da mesinha, suportes e materiais para desenhar, uma parede-lousa num cantinho da casa, visitas para alimentar o olhar e conversas para admirar as coisas do mundo: a natureza, as flores, os animais, as pessoas, a moda, as tecnologias e a arte dos artistas que pintam, desenham, fotografam, esculpem… Olhar, conversar, pensar sobre e elaborar opinião. Um olhar enriquecido, uma cabeça pensante com antenas ligadas e surgem desenhos incríveis todos os dias em pedacinhos de papel, em encadernações caseiras, em escritos de traz pra frente, em instruções feitas por quem está começando a escrever, em cartas de amor e de bronca de filha para mãe, em brinquedos e brincadeiras inventados.

Entre tantas histórias ilustradas, desenhos soltos, experimentos, surge um quadro com orientações e desenhos dos ingredientes para fazer um bolo. Em seguida, outro desenho. O de três bolos com nomes interessantes, tirados de leituras e de desenhos animados. Surge então a pergunta: Qual dos três bolos merece ganhar esse concurso? Para que um grupo um pouco maior do que a nossa família votasse, decidi postar no Facebook e pedir a opinião dos amigos que estivessem online. A votação rendeu! Amigos votando e cobrando parciais dos resultados. Torcida pelo bolo vencedor. E vence o bolo moderno. Vence “Trépidos”. No dia seguinte, as pessoas ainda votavam, comentavam, houve até quem pedisse o bolo de verdade, e vou confessar que em breve faremos. Se tudo der certo, Trépidos será o bolo de aniversário de 7 anos da menina que estuda no primeiro ano da EMEF “Sylvio Romero”, em São Caetano do Sul (SP).

Posted in Revista Avisa lá #67.