Um dia depois do outro para ler e escrever

A continuidade é peça fundamental no planejamento das atividades de escrita. veja neste artigo como uma atividade permanente, a leitura de jornal, pode ser bem aproveitada didaticamente, instigando um grupo de crianças a ler, escrever e a conhecer mais.
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As crianças ajudam a construir o texto que a colega registra

A leitura de jornal pode fazer parte da rotina de um grupo de crianças. Ler a programação especial para o fim de semana é sempre um bom assunto para a sexta-feira. Além disso, conhecer o noticiário e artigos interessantes ou mesmo anúncios que possam dar ganchos para boas conversas, ou um projeto didático.

Às vezes, a conversa sobre uma notícia motiva as crianças a continuarem investigando uma questão em pauta, alimentando os projetos do grupo. Foi o que aconteceu em uma das atividades de uma sexta-feira, na Escola Projeto Vida.

O jornal chega na sexta-feira à tarde
Escolhemos um artigo que falava sobre o Sítio Santa Luzia, onde hoje está sediada a Escola Projeto Vida. Era um artigo bastante antigo, de 1981. Tratava de um assunto de grande interesse para o grupo, e contava sobre a última moradora do Sítio Santa Luzia, local onde hoje funciona nossa escola.

As crianças ficaram muito curiosas com a parte que dizia que a construção era possivelmente uma casa rural do tempo dos bandeirantes.

– Professora, o que é bandeirantes?
– Tempo dos bandeirantes?

Resolvemos então saber mais sobre os bandeirantes. Para isso, relembramos como poderíamos pesquisar. As crianças disseram que seria nos livros, no computador e escrevendo no caderno. Então, fomos ao computador e fizemos uma busca na Internet. Não conseguimos nada que interessasse ou satisfizesse a curiosidade do grupo.

Também acompanhamos as crianças à biblioteca, para pedir à Mônica, a funcionária da biblioteca, uma ajuda na localização de livros sobre o tema.

Segunda-feira, na roda de conversa
Vivian trouxe de casa uma pesquisa realizada com seu pai. Também Luana havia perguntado ao pai, mas ele não teve tempo naquele momento e não falou mais no assunto. Ainda curiosa, Luana insistiu em casa, até que conseguiu a pesquisa que desejava, realizada com o pai. O interessante é que essas iniciativas foram tomadas pelas próprias crianças, motivadas pelo valor que dão a esses estudos.

Então, com os livros e com um artigo da Internet, as crianças se dividiram em três subgrupos para pesquisarem. Cada grupo ficou com uma fonte de informação, lápis e papel para anotar o que era importante. As crianças discutiam entre si, tiravam conclusões, algumas liam uma parte ou outra do texto, dentro de suas possibilidades.

Muitos grupos nem precisaram recorrer à minha ajuda:
– Deixa o João Vitor ver o livro, porque ele sabe ler! – dizia uma das crianças, organizando um pequeno grupo atento à leitura do colega.

Na terça-feira, a pesquisa continua
No dia seguinte, de posse das anotações, cada grupo relatou sua experiência: as crianças contaram como se organizaram para a pesquisa, o que cada um fez, por que não deu certo, como foi ouvir o colega, prestar atenção às suas idéias e, principalmente, sobre a importância de participar e dividir as tarefas.

Além disso, expuseram, finalmente, o que conseguiram descobrir sobre a pesquisa acerca dos bandeirantes.

Grupo 1: Pedro, Murilo, Gabriel, Sophia e André Luiz

  • Descobrimos que eles usavam armas de madeira e facão.
  • Usavam as armas para atirar nos bichos (animais), como onça, cobra, aves.
  • Usavam chapéu.

Grupo 2: Vivian, Ana Elisa, Giovanna, Giulia, Milena, Rafaella e Ana Clara

  • Matavam crianças e velhos das aldeias indígenas.
  • Queriam matar os índios, porque os índios queriam matar eles com flechas.
  • Bandeirantes usavam flechas e os índios também.
  • Descobri que na folha da pesquisa estava escrito as palavras São Paulo e Europa.

Grupo 3: Eduardo, João Vitor, Celine, Luana e Felipe

  • Espadas.
  • Tinham barbas e botas.
  • Usavam botas, espadas, chapéu, capa, cinto e tinham cavalos.

Cada grupo mostrou suas anotações enquanto o restante da sala comentava as novidades. Através das pesquisas as crianças tiveram importantes informações sobre os bandeirantes:

Grupo 1

BADERATIS / ELSIO SLIOSO SUA FACAN
ELISOSAVANARMADEMADERAELISOUAVANCA
CETEMDEM

Grupo 2
BANDERANTE / SÃO PAULO / EUROPA

Grupo 3
BANDTERTES / ESPADA / BOTA
CAPA / XAPEU / CAVALO / SITO

Depois da participação de cada grupo, apresentamos os livros que vieram da biblioteca para buscar outras referências da história. A conversa foi longe e não conseguimos sistematizar todas as novas informações nessa roda: marcamos na nossa agenda o compromisso para o dia seguinte.

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O trabalho de pesquisa permite uma interação intensa: todo mundo aprende junto, uns com os outros

Na quarta-feira, todos já sabem bastante
De volta à roda, as crianças retomaram os aspectos mais importantes sobre tudo o que haviam aprendido sobre os bandeirantes e suas casas rurais e, para organizar as novas informações, as crianças produziram coletivamente um texto sobre o assunto:

– Nossa, esta folha estava toda branquinha e agora esta toda escrita e a Nanci vai ter que pegar outra folha! – disse André, animado com aquela visibilidade das leituras e pesquisas de todos.

Felipe, que havia faltado na terça-feira e estava, portanto, desatualizado, participou fazendo perguntas interessantes não só sobre o assunto, mas também sobre a escrita:

– Nossa! Tem muitas vezes a palavra “pedras preciosas”.

Eduardo também notava a ocorrência de palavras repetidas: ele mesmo havia lido duas vezes a palavra São Paulo, muito próxima uma da outra. A observação dos dois levantou a necessidade de fazer uma revisão do texto.

No dia seguinte, com o texto fixado num lugar bem visível para todos, iniciamos o processo de revisão, pois ficou evidente, na postura do Eduardo, o quanto é importante também ver o texto e não apenas ouvir.

As crianças apontaram, basicamente, as palavras repetidas, a estrutura de alguns parágrafos e, principalmente, exigiram que acrescêssemos ou corrigíssemos algumas informações. Comparando a primeira e a segunda versão podemos observar os avanços que as crianças conseguiram no texto que produziram coletivamente.

OS BANDEIRANTES

Os bandeirantes são homens que usavam armas espingardas, facão e espadas. Eles entravam na mata e cortavam as árvores com facão para cortar o espaço para não atrapalhar e também para descobrir ouro e pedras preciosas.

Eles obrigavam os índios a trabalhar para eles e ganhavam dinheiro e pedras preciosas. Os índios tinham arco e flecha. Eles andavam muito e, às vezes, dormiam na rede. Eles tinham medo da chuva e dos trovões, porque os animais atacavam e também eles tinham medo de pegar doenças de mosquitos ou aranha ou de marimbondo. Os bandeirantes é que abriram mais espaço para São Paulo.

Texto coletivo do G5 Chiclete.

OS BANDEIRANTES

Os Bandeirantes eram homens que usavam armas, facão, espingardas e espadas. Eles entravam na mata e cortavam as árvores para procurar ouro e pedras preciosas.

Os Bandeirantes punham os índios escravos para trabalhar ajudando a entrar na mata, pois eles sabiam muito da mata e a achar pedras preciosas e ouro. Os índios tinham arco e flecha. Os Bandeirantes andavam muito e as vezes dormiam na rede. Eles tinham medo da chuva e dos trovões porque os animais atacavam e também eles tinham medo de pegar doenças de mosquitos, aranha ou marimbondos. Os bandeirantes é que abriram mais espaço para São Paulo.

Texto coletivo do G5 Chiclete.

Na quinta e na sexta, começa tudo de novo
Na quinta-feira o texto foi exposto no painel, ao lado do artigo, para ampliar aos conhecimentos de outros leitores curiosos como eles. E na sexta, novamente, dia de ver o jornal, a programação para o fim de semana, notícias, artigos, tirinhas e tantas outras perguntas que as crianças, curiosas, sempre trazem para a roda, alimentando o dia-a-dia de quem gosta de aprender.

(Nanci Ferreira das Neves, professora do grupo 5 da escola Projeto Vida, São Paulo)

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Detalhe da armadura do telhado

Casas bandeiristas

Ao descrever as casas bandeiristas, Theodoro Sampaio destaca: “As paredes de taipa, branqueadas com tabatinga, espessas e pouco elevadas, com gelosias, dão às edificações esse aspecto maciço e abarracado que uns poucos e malfeitos ornamentos em nada atenuam. (…) O interior é amplo, pouco iluminado e de aspecto monacal.

O mobiliamento escasso e feio, feito de cedro e couro lavrado, ou de jacarandá, exibe peças de valor, mas sem elegância. A rede mais ou menos guarnecida de rendas e lavores bizarros é a peça principal das varandas, onde substitui o sofá e onde as damas fazem sua sesta, ou recebem as visitas de maior intimidade.

Bancos de pau, pequenos e baixos tamboretes com algumas cadeiras completam a mobília da sala de jantar. Os costumes paulistas eram singelos, quase ingênuos.”

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Casa Bandeirista no Tatuapé, em foto de 1945

Bandeirantes já pisaram o chão da escola

Entrevistas com moradores antigos e pessoal da escola, acesso a documentos de tombamento da casa, visitas às ruas do bairro ampliaram o conhecimento das crianças acerca do espaço que freqüentavam diariamente.

As crianças descobriram que a escola fora um sítio chamado Santa Luzia, onde morava uma velhinha. Havia uma cascatinha aonde as pessoas vinham pegar água. Nanci, uma funcionária da escola, quando era pequena vinha brincar com uma amiga que morava em frente ao sítio e tomava água nessa cascatinha.

A leitura do artigo do jornal ensejou também uma busca por mais informações a respeito do prédio da escola. O artigo de Renée Pereira, do Jornal O Estado de São Paulo – 4/12/1998, resgatado pelas crianças, contava que: “A poucos quilômetros do centro, um cenário bucólico esconde parte da memória da cidade. Uma construção de pelo menos 200 anos desafia a ação do tempo e dá um ar ‘interiorano’ à elegante rua Sóror Angélica, no Jardim São Bento. O imóvel, conhecido como Sítio Santa Luzia, foi tombado em 1982.

A casa tem paredes de taipa de pilão, com 70 centímetros de espessura, janelas de madeira, pintadas de verde, e a cobertura com duas águas de telha colonial. O imóvel ainda conserva o madeiramento – terças, o pau da cumeeira e caibros – original. No processo de tombamento, os técnicos do Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico, Arqueológico e Turístico do Estado (Condephaat) avaliaram as características e a situação geográfica do imóvel e chegaram à conclusão de que a casa pode ser do tempo dos bandeirantes.

Segundo o relatório do Condephaat, a região norte de São Paulo, situada à margem direita do rio Tietê, possivelmente, foi habitada por colonizadores portugueses. No local teria existido uma fazenda, cujas terras estendiam-se de um lado até a estrada de Jundiaí e de outro até a várzea do Tietê – que hoje abrange os bairros do Mandaqui e a serra da Cantareira. No século 18, a fazenda possuía um patrimônio vasto, com 47 casas, 176 moradores e 300 cabeças de gado. A existência de outras fazendas, ao redor da propriedade, serviu para demonstrar que a região possui muitas benfeitorias do século 17. O Sítio Santa Luzia fica próximo à área dessa fazenda, cujo nome seria Santana ou Tietê, e também do Sítio Morrinhos. Todas essas edificações são exemplos de moradas seiscentistas.

Proprietários
A Vila Esther, nome que foi dado ao sítio, foi vendida, em 1891, por Joaquim Eugênio de Lima, a Victor Nothman Junior. A propriedade passou, em 1911, para as mãos do comendador Leôncio do Amaral Gurgel, que a perdeu por hipoteca para a baronesa Maria Angélica de Souza Queiroz Barros, em 1916.

Francisco Martins Teixeira comprou a Vila Esther em 1917. Naquela época, o sítio tinha 710,7 mil metros quadrados. Com a morte do dono, o imóvel ficou com a viúva, Maria Augusta Lima Teixeira. O sítio ficou conhecido como a ‘chácara da biquinha’, referência a uma fonte de água. Hoje, o Sítio Santa Luzia abriga o Projeto Vida, uma escola de Educação Infantil.”

Ficha Técnica

Realização: Escola Projeto Vida. Unidade Jd. São Bento. Rua Sóror Angélica, 364. CEP: 02452-060 Tel.: (11) 6236-1459 / (11) 6236-8345 – E-mail: projvida@nutecnet.com.br – Site: www.projetovida.com.br
Coordenadora Pedagógica: Débora Rana – E-mail: deborarana@projetovida.com.br
Educadora: Nancy Ferreira das Neves
Apoio de pesquisa: Mônica Aparecida de Souza

Para Saber Mais

  • Biblioteca Monteiro Lobato. Rua Waldemar Martins, 148 – Casa Verde. CEP: 02535-000. São Paulo – SP. Agendar visita com Mônica ou Marceli no telefone: (11) 6236-1425.
  • Casa dos Bandeirantes. Praça Monteiro Lobato, s/n. Butantã. CEP: 05506-030. São Paulo – SP. Agendar visita com Fernando no telefone: (11) 3031-0920.
  • Casas Bandeiristas. Julio Roberto Katinsky – IGEOG – USP
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