Professores, crianças e a cidade

O lugar onde se vive é um excelente tema de trabalho com os pequenos de pré-escola porque possibilita a valorização da produção artística com essa faixa etária
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Ilustrações feitas pelas crianças da Rede Municipal de Educação de Recife – PE

Crianças entre 4 e 6 anos constroem cenas em seus desenhos. São marcantes os entornos, os cenários e as situações em que há casinhas, ruas, jardins, habitantes, céus, carros etc. Estamos diante de um indivíduo inserido em um contexto cultural, com imagens estáticas e em movimento, e que, por isso mesmo, alimentam suas produções. Por esse motivo, é fundamental oferecer desenhos, pinturas e gravuras aos pequenos. A intenção é dar repertório para ampliar o próprio universo gráfico e as possibilidades de representações com linguagens particulares, além de permitir que eles pensem sobre suas produções.

Exatamente por isso, elaborei algumas seqüências de atividades que serviram como guias, motes para propor conversas entre os professores, suas turmas e as cidades. Contudo, caberia fundamentalmente a cada educador adequar, criar situações, selecionar materiais e, principalmente, acompanhar todas as etapas para, coletivamente, definir novos passos. E assim, como parte do processo de formação continuada da Rede Municipal de Ensino de Recife, teve início um projeto de Arte e Cultura, intitulado “Olhares Infantis sobre Recife”, que durou sete meses, com a adesão de 30 professoras de Educação Infantil. Elas aceitaram o desafio de mergulhar num estudo sobre a cidade e possibilitar sua representação pelas crianças. O produto final foi uma exposição itinerante dos trabalhos das crianças no Instituto Ricardo Brennand1, no Museu da Cidade do Recife2 e no Centro Administrativo- Pedagógico da Prefeitura de Recife.

Investigação inicial

O primeiro desafio desse tipo de formação foi garantir o envolvimento de todas as pessoas. Esse compromisso norteou o caminho a ser trilhado no espaço educativo. Cada educadora se responsabilizou por relacionar e formular hipóteses sobre as produções infantis, em especial sobre a forma como as crianças aprendem os conteúdos da linguagem artística e que impacto têm as leituras de imagens. Para conhecer melhor o grupo, solicitei a cada uma um pequeno relato sobre as atividades em Artes Visuais realizadas em sala de aula. Conhecer o que elas sabiam e faziam foi essencial para propor a transformação real de uma prática. No diagnóstico, os depoimentos revelavam experiências distintas, diferentes concepções sobre projetos e atenção especial ao planejamento. Constatei que os principais afazeres desenvolvidos estavam voltados aos exercícios de coordenação motora fina e de criatividade, aliados à exploração de diversos materiais: desenho livre (ou sem tema) e aquele feito após a leitura de uma história.

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Abertura da exposição itinerante no Instituto Ricardo Brennand (arquivo da Rede Municipal de Educação de Recife – PE)

Nos projetos, a expressão artística aparecia relacionada aos conteúdos tratados em outras áreas, além de ser considerada importante para as ilustrações de livros e confecções de cartazes. No grupo, apenas quatro professoras realizavam trabalhos no eixo Artes Visuais e, ainda assim, com poucas situações de leitura de imagens. Entre os impedimentos relacionados por elas, a falta de material constava em primeiro lugar. Depois, a ausência de espaço adequado, como uma sala de artes. E, finalmente, o número de crianças por sala. A partir desse diagnóstico foi possível discutir as concepções presentes e os objetivos de ensino e aprendizagem. Transcrevo, a seguir, um trecho da devolutiva que fiz ao grupo para que se possa compreender o contexto desse início de curso.

Se, ao propor o desenho, nossa atenção estiver voltada à coordenação motora fina, o foco é outro. Desenvolver essa competência envolve um treino dado por ações cotidianas, como pegar pequenos objetos, recortar, pintar, montar, recolher grãos, segurar diferentes tipos de instrumentos – do martelo à agulha – etc. Embora ela seja necessária, não ajuda a melhorar a produção. Isso aparece com muita força na prática e na organização das propostas, muito voltadas para colorir imagens, pintar, colar bolinhas em espaços demarcados e realizar colagens em datas comemorativas. Ter como meta algo genérico, como desenvolver a criatividade, também não nos ajuda a saber o que ensinar. Ao querer que a turma aprenda a elaborar mais seus traços, é preciso organizar uma série de ações para atingir o alvo como, por exemplo, apreciar obras, conhecer desenhos e desenhistas e, sobretudo, fazer. O mais importante é parar e olhar o que as crianças fazem, como descobrem soluções para seus problemas e entender o pensamento por trás da ação.

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Novas Propostas
Apresentei o pré-projeto de formação “Olhares Infantis sobre Recife” como um instrumento para mediar a busca por outros fazeres e horizontes no trabalho com desenho. Discutimos a proposta e iniciamos os estudos. Vale ressaltar que as ações foram sustentadas pela prática escolar, ou seja, tudo o que era discutido durante o curso, as professoras tentavam colocar em prática nas entidades educativas. Os objetivos foram ampliar o universo visual das crianças vinculado ao conhecimento e à transformação da paisagem, apresentar a elas produções artísticas sobre a cidade de Recife, desenvolver o desenho dos pequenos e mostrar diferentes técnicas para representar contextos (mapas, fotos, pinturas, gravuras, desenhos etc.). Enquanto se discutia em sala sobre gostos, preferências e apreciação, as educadoras recebiam informações sobre história da Arte, paisagem, impressionismo, leitura de imagens, produção e processo de aprendizagem na infância.

A primeira seqüência de atividades com as crianças teve a preocupação de envolvê-las, além de conhecer o que elas sabiam sobre o assunto. Para isso, na atividade inicial, elas desenharam pontos de Recife, cidade em que moram, baseadas no que imaginavam e lembravam. Depois, como nem todas sabiam o que era uma exposição, foram organizadas visitas a espaços culturais nas próprias comunidades. As turmas também tiveram acesso a fotos e catálogos de mostras para complementar o passeio. Como tarefa, os pequenos pesquisaram figuras disponíveis em casa. Enquanto isso, as professoras construíram painéis para a exposição individual das obras infantis e combinaram com os autores mirins que esse espaço seria cuidado por eles e que, inclusive, deveria ser constantemente renovado.

Na segunda seqüência, as brincadeiras possibilitaram diferentes observações. As lunetas feitas com tubos de papel higiênico, confeccionadas pelas crianças, fizeram com que elas procurassem enquadramentos e, depois, desenhassem o que haviam visto. Outra atividade divertida e interessante foi acender uma lanterna dentro de uma sala escurecida e desenhar o que se podia ver naquele momento. Nessa fase, a turma também fez passeios para observar a cidade.

Na terceira etapa, as crianças se transformaram em pequenos arquitetos e criaram um jogo sobre a cidade. Para isso, desenharam e utilizaram ilustrações de revistas e de outras publicações para compor o município. Na quarta e última seqüência, privilegiei as interferências. No processo de aprendizagem, propor desafios para desenhar é uma boa referência para um fazer mais elaborado. Coube ao professor selecionar as imagens e fixá-las em folhas lisas para que os pequenos as completassem, pintassem ou refizessem.

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Análise de obras artísticas

Aprendizagens de todos
Por fim, foi organizada uma exposição com todas as produções, que puderam ser apreciadas pelas crianças autoras, pelos colegas de outras turmas e pelo público em geral. É importante destacar que esse projeto, além de privilegiar o desenvolvimento do desenho, justificou-se por alimentar o desejo de aprender das próprias crianças e por contribuir para a construção da identidade delas, sempre movidas pela curiosidade sobre a história de seu lugar. Some-se a isso uma cidade mais bem conhecida pelas profissionais de educação, que passaram a ter mais acesso também às obras de artistas em diferentes tempos e contextos.

Fizemos um recorte pelas transformações das paisagens que nos revelam os sentimentos e os saberes de quem se propõe a pintar. O contato com essas representações permitiu pensar sobre o outro, conhecer novos olhares sobre o espaço.

A formação foi de grande importância para mim, como educadora de Educação Infantil. Me fez conhecer várias manifestações artísticas, bem como a definição da própria Arte que, até então, não conseguia entender com clareza. Além de tudo, conheci muitos lugares como, por exemplo, o Instituto Ricardo Brennand e o Forte das Cinco Pontas, que é o museu da cidade de Recife. Aprendi bastante, trabalhei vários tipos de atividades com os meus alunos e eles, por sua vez, se sentiram importantes elaborando desenhos que seriam expostos. (Profa Maria Libertina de Sousa Monteiro, E.M. Mundo Esperança – Turma Grupo IV)

Professoras e suas produções

Professoras e suas produções


Para refletir

Se a visão é uma captação ativa, o que ela apreende? Todos os inúmeros elementos da informação? Ou alguns deles? Se um observador examina atentamente um objeto, percebe que seus olhos estão bem equipados para ver detalhes diminutos. Ainda mais, a percepção visual não opera com a fidelidade mecânica de uma câmera, que registra tudo imparcialmente: todo o conjunto de pequeninos pedaços de forma e cor que constituem os olhos e a boca da pessoa que posa para o fotógrafo, bem como a extremidade do telefone projetando-se acidentalmente atrás da cabeça dele ou dela. O que vemos realmente, quando olhamos? (Arheim – Percepção e Arte Visual)

(Denise Nalini, formadora do Instituto Avisa Lá, em São Paulo, e consultora nas áreas de Arte, Educação Infantil e Cultura)

1Localizado em Recife – PE, e concebido pelo colecionador Ricardo Brennand, o local é uma instituição cultural que abriga museu, pinacoteca e biblioteca. Destaque especial para a exposição permanente de quadros do pintor holandês Franz Post e de diversas peças de arte dos séculos XVI e XVII.
1O Forte das Cinco Pontas, construído pelos holandeses em 1630, é o símbolo da resistência holandesa. Hoje, a construção, localizada no bairro de São José, chama a atenção por dois aspectos: primeiro, o local abriga, desde 1982, o Museu da Cidade de Recife e, segundo, e mais curioso, é que, apesar do nome, o Forte possui apenas quatro pontas, resultado de uma reconstrução feita após a guerra que expulsou os europeus do Brasil.

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Abertura da exposição no Museu da Cidade de Recife – PE

Poesia da profa Sandra

Olhares pequeninos sobre o Recife
Crianças pequeninas
Com olhares diferentes
Desenham o Recife
Dos casarões antigos
Avenidas, pontes e praças
Museus, igrejas,
Rios e praias
Crianças pequeninas
Com olhares atentos
Fazem retas e curvas
Usam cores, sombras e luzes
Recriam com imaginação
O que seus olhos
Levam ao cérebro e ao coração
Crianças pequeninas
Com olhares confiantes,
Lápis, pincéis
E canetas nas mãos
Transformam a cidade
Eternizando paisagens
Com criatividade

(Profa Sandra Leopoldina Santos, E.M. Dr. Antonio Correia)

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Montagem com ilustrações feitas pelas crianças da Rede Municipal de Educação de Recife – PE e obras de João Câmara

Ficha técnica

Prefeitura do Recife – Secretaria de Educação, Esporte e Lazer Gerência de Educação Infantil – Endereço: Rua Frei Matias Tevis, s/no. Ilha do Leite – CEP: 50070-440. Recife – PE – Tel.: (81) 3232-5972
Gerente: Valdélia Nunes de Oliveira
E-mail: valdelarte@bol.com.br
Formadora: Denise Nalini
E-mail: denisenalini@hotmail.com
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Para saber mais

  • John Dewey e o ensino da arte no Brasil, Ana Mae Barbosa. Ed. Cortez. Tel.: (11) 3611-9616
  • Para gostar de aprender arte: sala de aula e formação de professores, Rosa Iavelberg. Ed. Artmed. Tel.: 0800-703-3444
  • Didática de ensino de arte: a língua do mundo, poetizar, fruir e conhecer arte, Miriam Celeste Martins, Gisa Picosque e Maria Terezinha Telles Guerra. Ed. FTD. Tel.: (11) 3611-5909
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Observação dos cadernos produzidos pelas crianças

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