O estudo das aves dá asas à imaginação, desperta a curiosidade e estimula o conhecimento das crianças. Nesse percurso, a produção de desenhos contribui para a observação e a pesquisa da turma
Ao longo de um semestre, os alunos do Pré 2, com 5 anos de idade, estudaram as aves. As propostas desenvolvidas durante esse período favoreceram rodas de conversa, atividades de observação e registro, além de pesquisas e muitas descobertas. Como sabemos, do estudo nascem dúvidas, e com este assunto não foi diferente: as crianças trouxeram para as conversas suas certezas, fizeram conjecturas e demonstraram curiosidades que desencadearam um movimento de observação e pesquisa acerca do mundo das aves:
“O beija-flor só beija a flor?”
“O joão-de-barro faz a casa dele sozinho?”
“A harpia come o irmão mais novo, mesmo se ele for mais forte?”
“Os ninhos são feitos de quê?”
“Se o passarinho quebra o bico, ele morre?”
Cada dúvida foi provocando nos alunos mais interesse e curiosidade, levando-os a engajarem-se nas atividades, aprendendo procedimentos de pesquisa, identificando diferentes fontes de informação e organizando suas descobertas por meio de registros. Desta forma, o estudo possibilitou aprendizagens em três importantes áreas de conhecimento: Ciências, Língua Portuguesa e Artes. Em Ciências, as aprendizagens voltaram-se especificamente à identificação das características das aves (por exemplo, os aspectos que as distinguem de outros grupos de animais e atributos que caracterizam cada espécie). As crianças conversaram sobre aves durante as aulas e nos intervalos de outras atividades e até mesmo durante o lanche e o recreio. Era comum vê-las em diferentes momentos contemplando as aves que vivem no campus do colégio.
Cardápio de atividades
No decorrer do estudo, tiveram oportunidade de aprimorar seus conhecimentos sobre a leitura e a escrita, lendo e interpretando informações de livros, revistas e materiais impressos ou não, que ficaram expostos na sala de aula durante o semestre, possibilitando o acesso permanente. Em duplas, escreveram uma lista de aves conhecidas e também anotaram possíveis objetos que um pesquisador levaria a uma floresta para observar aves. Em pequenos grupos, elaboraram questões sobre aves a partir da exploração de livros.
As respostas foram, então, escritas pelas professoras e apresentadas para a turma pelos alunos que já lêem com fluência. Propusemos também que cada grupo estudasse uma ave. Discutimos quais informações seriam pesquisadas (alimentação, formato do bico e dos pés e alguma curiosidade). Direcionar a pesquisa, ressaltando o que deveriam buscar, foi fundamental para que encontrassem as respostas de forma mais objetiva. Após a apresentação, conversamos com as crianças sobre as diferenças e semelhanças entre as aves estudadas. Durante o semestre, os alunos tiveram tempo para aprender com as atividades propostas. Descobriram, primeiro, o que significava fazer uma pesquisa, qual o seu objetivo e como poderiam obter os dados e informações desejadas.
Cada um com seu bico
Um mural coletivo começou a ser construído a partir das descobertas das crianças acerca de uma das partes mais interessantes do corpo dos bípedes: o bico. Questões como “Todas as aves comem as mesmas coisas?” ou “Para que servem os bicos?” nos levaram a trazer para o grupo informações sobre características (formato e função) de cada tipo de bico. Assim, os alunos conheceram o bico fino e comprido do beija-flor, responsável por sugar o néctar das flores. Impressionaram-se com a força do bico curvo da águia harpia – capaz de carregar um macaco no ar para seu almoço – e também se divertiram com o formato do bico do colhereiro, que o auxilia a cavar a areia do mar em busca de peixes e camarões para se alimentar.
Quando propusemos o desenho de bicos a partir de interferências gráficas, as crianças já estavam bem envolvidas com o assunto e se divertiram com a criação de imagens inéditas – vários alunos jamais haviam se arriscado a desenhar pássaros antes do início desse estudo. Imagens de bicos com diferentes formatos foram coladas em papel reciclado colorido e colocadas à disposição dos alunos sobre uma mesa. Feita a escolha, poderiam consultar as figuras expostas na sala e completar os desenhos livremente, utilizando seus próprios conhecimentos, criatividade e imaginação.
Nesta proposta, fizeram o desenho utilizando lápis grafite HB, contornaram as imagens com caneta Futura preta e coloriram com giz pastel. Em seguida, passaram com o pincel a cola branca necessária para fixar a textura do giz. O grupo optou por colocar os desenhos em um papel de fundo azul, pois para os alunos esta cor poderia remeter ao céu e também à água. Para a base do trabalho, escolhemos cartolina branca. No ateliê, as crianças se empenharam na busca do “azul ideal”, misturando porções de guache azul, branco e preto. Fizeram a pintura com os dedos; o vai-e-vem das mãos deu à produção a sensação de movimento.
Quando perguntamos onde ficariam as aves que não voavam ou não nadavam (como o avestruz e a ema), eles prontamente responderam que se alguma delas precisasse de terra, encontraria por ali bem pertinho: “Não é verdade que perto de todo o céu e de toda a água tem terra?”. Assim, criamos um painel de aves com bicos de todos os tipos: os bicos compridos como o da garça, fortes e curvos iguais ao da águia, os achatados do pato e até os afilados, como o do sabiá.
Seguindo as pegadas
Perceber que cada ave tem pés com formatos e funções diversas foi outra importante descoberta. A partir dela, os alunos manifestaram o desejo de fazer desenhos com novas interferências gráficas. As interferências dos pés foram coladas nas cartolinas brancas cortadas em formatos regulares, como quadrados, retângulos e círculos. Os alunos fizeram o traçado primeiramente com lápis grafite HB e, em seguida, contornaram o desenho com caneta Futura preta. Utilizaram lápis de cor para colorir o desenho e o fundo foi pintado com tinta anilina e álcool.
Após a escolha do tipo de pé (para agarrar, empoleirar ou remar), as crianças colaram apenas um deles no papel, pois foram desafiadas a observar a imagem e reproduzir o outro, para então dar continuidade ao desenho da ave. Retomamos com o grupo as observações sobre as características do corpo desses animais; relembramos as diferenças dos bicos quando vistos de frente ou de lado; ressaltamos quando e por que vemos apenas um dos olhos da ave, dependendo da sua posição, e enfatizamos as diferenças dos formatos dos pés.
A lousa foi um recurso usado para que as crianças fizessem desenhos comparativos entre a forma do corpo de uma ave, de uma pessoa e de um animal de outra espécie (no caso, desenharam um cachorro). Recorremos também às fotografias e com elas fizemos várias apreciações de imagens, observando aspectos como a posição das aves, o formato do bico, tipo de pés e coloração.
Todo o estudo durou quatro meses. O olhar amoroso das crianças para os pássaros trouxe uma riqueza incontestável para o trabalho e, até hoje, elas não deixaram o assunto “pousar”. A relação com o mundo das aves levou-as a pensar sobre a preservação das espécies e a observar de forma renovada o cotidiano urbano – ouvir o canto do sabiá, olhar o vôo das maritacas, buscar um ninho escondido nas árvores, brincar de procurar a alma de gato entre os galhos, contemplar um beija-flor se equilibrando no ar.
(Audrey Alvarenga, professora assistente da Educação Infantil do Colégio Santa Cruz, na cidade de São Paulo-SP)
Homem dos pássaros
Conhecido como o “homem dos pássaros”, Johan Dalgas Frisch sabe de cor o som de 400 aves e foi o pioneiro na gravação do canto de pássaros da América do Sul. A paixão veio de berço: seu pai, Svend Frisch, desenhava pássaros em papel de pão. Hoje, seu filho, Christian, os fotografa para livros e atualizou, com computação gráfica, as cores das ilustrações do avô. Autor de Aves Brasileiras e Plantas que as Atraem, ele tem como canto preferido o do sabiá.
(A. C. F., Revista COFI no 16, maio 1978 Pássaros do Brasil, Eurico Santos. Ed. F. Briguiet, Rio, 1948, p. 49)
Nativos da terra
Quais pássaros vivem no Brasil? Em 2000, na comemoração dos 500 anos da chegada dos portugueses por estas terras, foi lançado o “Projeto Brasil 500 pássaros”, pela Eletronorte1, em busca da identificação de 500 espécies presentes nas várias regiões do país, mesmo antes dos colonizadores desembarcarem. O ponto de partida foi um levantamento da avifauna, feito pelo Museu Emílio Goeldi2, na área da Usina Hidrelétrica de Tucuruí, no rio Tocantins, um dos principais afluentes do rio Amazonas. Haviam sido identificadas 314 espécies de pássaros naquela região. Com o novo projeto, resolveu-se ampliar a pesquisa para 500 espécies, optando-se pela inclusão de outras paisagens.
Como é comum em trabalhos deste perfil, o projeto reuniu diferentes informações como os nomes populares, os nomes científicos (em latim), a lista de espécies ameaçadas de extinção, as áreas de ocorrências geográficas, os tipos de habitats ou ambientes em que as espécies vivem, o significado dos nomes segundo a origem em tupi… A classificação das aves e as nomenclaturas (científica e popular) utilizadas no trabalho basearam-se no livro Ornitologia brasileira, de Helmut Sick, um dos nossos maiores especialistas, que registra um total de 1.677 espécies. Além disso, foi aproveitada uma extensa bibliografia de autores nacionais e estrangeiros.
Foram incluídos informes sobre a grande diversidade das aves brasileiras, o elevado número de espécies encontradas apenas no nosso país (chamadas “espécies endêmicas”), bem como alertas sobre os riscos provocados pelos desmatamentos, incêndios florestais e descaso ambiental. Para além das informações objetivas, o projeto se diferencia pela proposta de completar o conteúdo com poemas e textos em prosa, todos impregnados da magia dos pássaros, do encantamento do meio ambiente, das lendas ancestrais dos nossos índios, da natureza. E ainda mais: o texto é acompanhado por preciosas aquarelas criadas pelo desenhista Antonio Martins.
Alguns desses desenhos estão na edição desta revista e os demais no site da Eletronorte. O resultado é um livro de arte belíssimo, um CDROM e um vídeo, todos disponíveis nas bibliotecas nacionais e no site da Eletronorte. Apesar de não ser uma produção recente, é uma obra de arte que merece ser divulgada, comentada e valorizada.
1Eletronorte – Centrais Elétricas do Norte do Brasil SA.
2Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), uma instituição de pesquisa vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia do Brasil. Está localizado na cidade de Belém, Estado do Pará, em plena região Amazônica
Ficha técnica
Colégio Santa Cruz
Rua Arruda Botelho, 255 – Alto de Pinheiros
São Paulo – SP. CEP: 0546-000
Tel.: (11) 3024-5199
Site: www.santacruz.g12.br
Diretora: Cristine Conforti
Vice-diretora: Helenice Simões F. de Sales
Orientadora educacional: Lúcia Wajskop
Orientadora pedagógica: Regina Andrade Clara
Para saber mais
Livros para crianças
- “Galeria dos bichos ameaçados: o pavão-do-mato”. Andrade, M. A., in revista Ciência Hoje das Crianças, no 51, pp.13-16. Tel.: (21) 2109-8999
- “Galeria dos bichos ameaçados: o pica-pau-rei”. Andrade, M. A., in revista Ciência Hoje das Crianças, no 60, pp.13-16.
- Aves na Cidade. Höfling, E. & Imperatriz-Fonseca, V. L. Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo. Tel.: 11 3091-7600
- Aves na Lagoa. Höfling, E. & Imperatriz-Fonseca, V. L. Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo.
- “Relato de uma descoberta”. Reinert, B. & Bornschein, M. in revista Ciência Hoje das Crianças, no 64, pp.22-23.
Livros para o educador
- Aves no Campus. Elizabeth Höfling & Hélio F. de Almeida Camargo. EDUSP. Tel.: (11) 3091-2911.
- Aves Brasileiras e Plantas que as Atraem, Johan Dalgas Frisch & Christian Dalgas Frisch. Ed. Zamboni. Tel.: (11)-6233-2333.
Sites
- Cultura e conhecimento – http://www.brasilcult.pro.br/
- Centro de estudo e preservação das aves – http://www.ib.usp.br/ceo/
- Projeto SESC Pantanal – preservação da natureza, pesquisa científica e ecoturismo – http://www.sescpantanal.com.br/
- Museu Goeldi – http://www.museu-goeldi.br
- Brasil 500 Pássaros – http://www.eln.gov.br/NovoAmbiente /MeioAmbiente.asp e http://www.eln.gov.br/Pass500/BIRDS/INDEX.HTM