Preto, marrom, bege, amarelo…

Realizar um projeto artístico com crianças e adolescentes sobre a cor da pele das pessoas é uma boa oportunidade para trabalhar questões etnicorraciais

– Passe o lápis cor de pele, professora?
– Cor de pele? Que cor é essa?
– Aquela ali, rosa claro…
– O nome dessa cor é salmão.
– Salmão? Salmão é nome de peixe. Isso é cor de pele mesmo.
– Cor da pele de quem? A minha não é. Eu sou muito mais amarela. É a cor da sua?
– Não. Eu sou marrom.

Diálogos muito semelhantes a esse, eu já travei várias vezes com crianças e adolescentes, em diversos ateliês de arte. Sempre me incomodou muito que uma cor recebesse o nome “cor de pele”, pois essa ideia é, no mínimo, excludente. Se o salmão é considerado a cor da pele, o marrom, o preto, o  bege e o amarelo não são, certo? Meu desconforto ficava latente, e  continuaria sendo apenas incômodo e discurso (porque eu sempre explicava tudo isso aos alunos) se eu não tivesse encontrado, em uma visita ao Museu de Arte Moderna da Bahia (MAM), o trabalho do artista francês Pierre David.

O trabalho Nuancier, que significa catálogo de cores, foi realizado durante uma residência do artista, em Salvador2. No projeto, a pele de quarenta homens, funcionários do MAM da Bahia e estudantes da Escola de Belas Artes da Universidade Federal da Bahia (UFBA), foi fotografada e reunida em um clássico catálogo de cores. Um fabricante de tintas determinou  industrialmente as fórmulas químicas de cada cor de pele, que se constituíram, então, na base do catálogo da exposição.

Fotos: Ana Teixeira

Fotos: Ana Teixeira

De volta ao Ateliê Parangolé3, resolvi fazer um trabalho semelhante com os alunos. Escolhi os do 1º ano e pedi que eles se agrupassem pela cor da pele. Não interferi nos critérios adotados por eles para a escolha de quem tinha a mesma cor de quem. Apenas fotografei os grupos. Fiz uma foto dos rostos sorridentes e outra dos braços. Uma das meninas acabou ficando sozinha, por ser mais morena que os demais. Ela não gostou disso a princípio, mas depois ficou encantada ao perceber que seria a única a ter uma foto exclusiva.

As crianças observaram as diferentes cores de pele

As crianças observaram as diferentes cores de pele

No computador, com um programa apropriado, fiz a captura das cores, tentando achar a que mais se aproximasse da cor da pele daquele grupo. Montei a tabela das cores de  pele da turma e levei para eles verem quão coloridos eram. Não posso afirmar, mas acredito que, ao menos nesse grupo, o lápis cor de salmão não vai mais ser chamado de cor de pele.

(Ana Teixeira, artista plástica e mestra em Poéticas Visuais pela Universidade de São Paulo. Tem participado de diversas exposições individuais e coletivas no Brasil e exterior. Coordena o Ateliê Parangolé,  onde trabalha com crianças e adolescentes. Foi premiada pelo programa Rumos Educação, Cultura e Arte, do Instituto Itaú Cultural – edição 2009-2010)

1A mostra Nuancier, de Pierre David, permaneceu aberta ao público de 4 a 31 de maio de 2009, no Museu de Arte Moderna da Bahia, em Salvador – BA.

2Segundo Delia Lerner, o conceito de Condições Didáticas é o que é necessário garantir em diferentes situações didáticas, de ideias fundamentais para favorecer as aprendizagens. Para saber mais: Ler e escrever na escola: o real, o possível e o necessário, de Delia Lerner. Porto Alegre: Artmed Editora. Site: www.artmed.com.br

3 O Ateliê Parangolé foi criado em 2001, na Escola Antonio Cintra Gordinho, em uma fazenda localizada na periferia da cidade de Jundiaí – SP. O espaço oferece atividades artísticas para crianças e adolescentes de 7 a 14 anos, com foco em arte contemporânea e seus desdobramentos e construções.

Da pele para o computador

Da pele para o computador

Ficha Técnica

  • Ana Teixeira
    E-mail: contato@anateixeira.com
    Site: www.anateixeira.com
    Ateliê Parangolé
    Endereço: Rodovia D. Gabriel Paulino Bueno Couto, Km 66,5 – Jundiaí – SP. CEP: 13212-240 Tel.: (11) 3284-2306
  • Museu de Arte Moderna da Bahia
    Endereço: Av. Contorno s/no, Solar do Unhão – Salvador – BA. CEP: 40060-060 Tel.: (71) 3177-6139 E-mail: mam@mam.ba.gov.br Site: www.mam.ba.gov.br

cores2

Nuancier, de Pierre David: processo de trabalho

Pierre David inaugurou a programação do Ano da França no Brasil do Museu de Arte Moderna da Bahia (MAM), em 2009, com um trabalho especialmente desenvolvido para a Capela do MAM. Durante um mês, o artista plástico, cenógrafo e designer francês trabalhou em Salvador – BA, na exposição Nuancier, pelo projeto AR-MAM – Artista Residente no MAM.  Nuancier foi a terceira parte de uma trilogia que trata da mesma questão: o que determina a escolha de um modelo? Nessa exposição, o critério de escolha dos modelos baseou-se na cor da pele. Para que a obra fosse verdadeiramente um site specific4, com o apoio de Solange Farkas, diretora do MAM, foram reunidos em torno desse projeto e fotografados funcionários do Museu e estudantes da Escola de Belas Artes da Universidade Federal da Bahia.

Peles de todas as cores foram fotografadas. As imagens constituíram a base do catálogo da exposição. “A sociedade baiana é abertamente multirracial”, diz Pierre. “A gênese do Brasil e da França é bem diferente, mas, nos dois casos, o problema do racismo atravessa a sociedade desses dois países. Reduzir o interesse demonstrado por um indivíduo unicamente à sua cor coloca, de maneira imediata, a questão do racismo.”

A escolha do artista seguiu o critério de que o projeto é extremamente pertinente porque dialoga com questões culturais ligadas diretamente à Bahia. Ele fala de conviver com as diferenças, dessa questão da multirracialidade. […].

Fonte: www.mam.ba.gov.br
Dados fornecidos pela Assessoria de Imprensa do MAM-BA.

4A tradução para o termo é sítio específico e faz menção a obras criadas de acordo com o ambiente e com um espaço determinado. Trata-se, em geral, de trabalhos planejados – muitas vezes fruto de convites – em local determinado, em que os elementos esculturais dialogam com o meio circundante, para o qual a obra é elaborada. Nesse sentido, a noção de site specific liga-se à ideia de arte ambiente, que sinaliza uma tendência da produção contemporânea de se voltar para o espaço – incorporando-o à obra e/ ou transformando-o –, seja ele o espaço da galeria, o ambiente natural ou áreas urbanas. (Fonte: Enciclopédia Itaú Cultural Artes Visuais, disponível em: www.itaucultural.org.br).

Posted in Revista Avisa lá #45, Sustança and tagged , , , , , , , , , .