Além de trabalhar áreas do conhecimento, projeto sobre obras de artista brasileiro estimula os pequenos para que deixem suas marcas na escola
Como é costume na Escola Tipuana, em São Paulo – SP, homenageamos diversos artistas em nossa exposição anual de Artes. Em 2008, trabalhamos com obras de Arthur Bispo do Rosário (1911-1989), artista brasileiro contemporâneo que explorava em suas obras objetos do cotidiano, reinventados com sucatas e sobras de materiais, que resultavam em miniaturas, assemblages1, bordados, mantos e estandartes (leia mais sobre ele em texto abaixo).
Baseadas no livro As coisas, de Arnaldo Antunes, as crianças desenvolveram em sala de aula um projeto que dialogou com as obras do artista em estudo, tendo não só gerado um rico trabalho envolvendo Linguagem Oral e Escrita, Matemática e Artes, como também despertou um novo olhar para “as coisas” do mundo. Outro ganho fundamental foi o fato de os pequenos deixarem suas marcas na produção de um livro que se tornou fonte de pesquisa no acervo da escola.
Pesquisa sobre coisas
Depois da exploração dos textos e da música As coisas, interpretada por Caetano Veloso, trabalhamos com os conceitos de forma, massa, volume e peso, o que gerou muitas hipóteses e pesquisas, além de novas aprendizagens. Registramos as descobertas e elaboramos listas com os nomes de objetos da escola e de casa, bem como seus respectivos atributos. Paralelamente, iniciamos uma coleção de sucatas que possibilitou a observação e o trabalho com os conceitos já descritos, além da organização e classificação do material que, posteriormente, serviria para as atividades plásticas a serem realizadas.
Nossa sala parecia uma sucataria, porém tudo estava selecionado, organizado e classificado, o que facilitou o trabalho com nossas produções para uma futura exposição, que se alimentariam do reaproveitamento na criação de materiais propostos pelo artista. Aguçadas e mais hábeis na leitura “das coisas” do mundo, os pequenos passaram a descobrir obras de Arthur Bispo do Rosário, bem como a discutir sua biografia, com a intenção de instigar o olhar, agora, para o modo inusitado como ele abordava os objetos do cotidiano.
Além dos livros trazidos pela turma, utilizamos também um belíssimo calendário do acervo escolar, para que todos pudessem apreciar as composições com restos de objetos e sucatas, botas de borracha, roda de bicicleta, caixotes, talheres, linhas desfiadas de lençóis etc. Fizemos um levantamento desses materiais e conversamos sobre o reaproveitamento que ele fazia e, especialmente, sobre a maneira como isso acontecia. Um dos feitos que chamou a atenção das crianças foi o Manto da passagem, não só pela estética, como também pela história pessoal envolvida nessa obra. Assim, surgiu a ideia de confeccionarmos feccionarmos um manto do grupo 6, recuperando suas aprendizagens sobre o universo rico e desafiador das coisas recém- descobertas.
Produção com sucatas
Inspiradas no texto As árvores, também de Arnaldo Antunes, as crianças produziram árvores tridimensionais, com estruturas em jornal, arame, tinta e lata, em suporte de madeira. O belo e criativo resultado das esculturas foi fotografado e compôs os convites para a nossa exposição, entregues aos pais. Explorando formas, volumes, cores e pesos, fizeram também diversas construções e colagens de sucata, individuais e coletivas, com CDs, tampas, caixas coladas em papelão, flores secas, além de realizarem uma escultura coletiva com bambolês e brinquedos, o que proporcionou um novo olhar sobre os brinquedos do cotidiano e encantou a turminha.
Outra produção rica foi a confecção individual dos estandartes inspirada na obra do artista. desenho, costura, bordado e colagem. Cada criança escolheu e representou o seu tema, que depois foi reproduzido no tecido juta, por meio de desenho, costura, bordado e colagem. No entanto, o trabalho mais desafiador foi o Manto coletivo, criação dos pequenos que contou com colagens, desenhos e escritas e que, quando estava quase pronto, foi enfeitado com fitas e cordões, presentes no original de Bispo. O resultado foi maravilhoso e as crianças adoraram vestir-se com a própria produção.
O entusiasmo foi tanto que decidimos compor outro manto de formato diferente, fazendo amarrações com cordões pretos e suportes de copos desenhados e pintados. No dia da exposição, utilizamos uma tela de galinheiro para dar mais corpo e estrutura ao manto. Esse trabalho, sem dúvida nenhuma, gerou muitas vivências e aprendizagens. As crianças desenvolveram bastante a linguagem oral e se envolveram com a escrita, as artes visuais e o pensamento lógico-matemático, além de pensarem sobre o mundo e sobre as coisas que as cercam.
(Marina Lopes Guimarães, diretora e Maria Cristina Proença, coordenadora pedagógica da Escola Tipuana, em São Paulo – SP)
1Segundo o Dicionário Houaiss da língua portuguesa, trata-se de composição artística realizada com retalhos de papel ou tecido, objetos descartados, pedaços de madeira, pedras etc.
Arnaldo Antunes: o artista e as várias artes
O paulista Arnaldo Antunes é poeta, músico, performático e artista visual. Formou-se em Letras na Universidade de São Paulo (USP) e integrou o grupo de rock Titãs por 10 anos. Seguiu carreira solo mas continuou compondo com os demais integrantes do grupo. Várias obras decorrentes dessas parcerias foram incluídas em discos dos Titãs, assim como em seus discos-solo. Mais tarde, integrou o Trio Tribalista, com a parceria de Marisa Monte e Carlinhos Brown. Lançou vários livros, como 2 ou + corpos no mesmo espaço, Nomes, Tudo, Psia, entre outros. Em Frases do Tomé aos três anos – alegoria selecionou, transcreveu, ilustrou e diagramou frases ditas por seu filho Tomé aos três anos de idade, e o livro As coisas foi ilustrado por sua filha Rosa, então com 3 anos.
A missão de recriar o universo
Arthur Bispo do Rosário era um homem misterioso cuja biografia pode ser descrita em poucas palavras. Nasceu em 1911, em Sergipe. Era esquizofrênico paranoide e viveu internado 50 anos em um hospital psiquiátrico (Colônia Juliano Moreira, no Rio de Janeiro – RJ). Em seu surto, recebeu a missão de recriar o universo para apresentar a Deus no dia do Juízo Final. Recolheu objetos dos restos da sociedade de consumo como meio de registrar o cotidiano das pessoas. Preparou esses objetos com preocupações estéticas, nos quais é possível perceber características dos conceitos das vanguardas artísticas e das produções elaboradas a partir de 1960.
Em sua ficha hospitalar, observam-se indicações de internações em outras instituições psiquiátricas, como a da Praia Vermelha e a do Engenho de Dentro, ambas na capital carioca. Sua produção artística começou em 1939 e se encerrou 50 anos depois com seu falecimento em decorrência de um infarto no miocárdio. Durante esse tempo, viveu na Colônia Juliano Moreira, onde se dedicou fervorosamente à sua produção.
Seu trabalho não deve ser separado por fases. Ele é contínuo e pode ser organizado segundo características que tornam semelhantes algumas obras: o texto – estandartes bordados; as roupas – Manto da apresentação e fardões; os objetos – ready-made mumificados (objetos enrolados por linhas muitas vezes conseguidas ao desfiar seu uniforme hospitalar) e construídos (barcos, miniaturas); as assemblages (ou vitrines, como dizia Bispo).
Arthur Bispo do Rosário e seu universo representativo, de Fabiana Mortosa Faria. In Revista Urutágua – revista acadêmica multidisciplinar (CESIN-MT/DCS/UEM). No 5 – dez/jan/fev/mar – Quadrismetral – Maringá – Paraná – Brasil – ISSN 1519.6178. Site: http://www.urutagua.uem.br//005/12his_faria.htm
Ficha técnica
Escola Tipuana
Endereço: Avenida Diógenes Ribeiro de Lima, 916 – Alto de Pinheiros – São Paulo – SP. CEP: 05458-001 – Tel.: (11) 3023-0636
E-mail: tipuana@uol.com.br
Site: www.escolatipuana.com.br
Diretoras: Marina Lopes Guimarães e Lilia Lopes Guimarães.
Coordenadora pedagógica: Maria Cristina Proença
Professora: Rita de Cássia Richarte
Para saber mais
Livros
- As coisas, de Arnaldo Antunes. Iluminuras. Tel. (11) 3031-6161.
- Catálogo Mostra do Redescobrimento, 2000, São Paulo, SP. Imagens do inconsciente. Curadoria geral de Nelson Aguilar; curadoria de Nise da Silveira, Luiz Carlos Mello e coordenação de Suzanna Sassoun. São Paulo: Fundação Bienal de São Paulo: Associação Brasil 500 anos Artes Visuais, 2000. Tel.: (11) 5574 5922.