Tradicionalmente o caderno de desenho era usado para aprender geometria ou para copiar imagens, nem sempre de boa qualidade. Hoje, ele está de volta com novos usos e significados: para a criança, pode ser um recurso que ajuda a perceber as mudanças de seus traçados. Para o educador, pode ser um objeto de pesquisa que apóia o planejamento de seu trabalho. Saiba mais sobre o uso do caderno de desenho nas páginas seguintes
Durante muito tempo de minha vida escolar, tive como companheiro meu caderno de desenho. Confesso que não tinha tanta paixão por ele pois desenhar – o que envolvia perspectiva, sombreado, luminosidade etc. – me parecia uma tarefa bastante difícil. Mas eu precisava dar conta da tarefa, que valia nota.
Como a professora era muito severa ao avaliar, eu procurava sempre fazer tal e qual ela pedia, não como eu gostaria ou quisesse. Muitas vezes, Irmã Alice – a professora do colégio de freiras – se dispunha a me ajudar equivocadamente. Ora pegava na minha mão, ora se prontificava a fazer o acabamento, dando um toque de artista que meus desenhos careciam. Eu invejava quem o tinha. Invejava, por exemplo, a capacidade de uma amiga que deslizava o lápis N°2 com muita perfeição.
Recordo hoje com saudades desses cadernos. Pena que não guardei nenhum: com certeza faria hoje observações que na época, por não dispor de um olhar para minha própria trajetória de desenho, não pude fazer. Quando meus filhos foram para a escola, o caderno de desenho já não era mais usado. Eles desenhavam em folhas soltas, guardadas em pastas, de forma que era possível acompanhar a evolução e a continuidade de seus traçados. Como eles desenhavam muito em casa, tive acesso a esse percurso de criação.
Hoje os cadernos de desenho voltaram, com uma intenção que não existia no meu tempo: a de possibilitar à criança se apropriar de seu percurso como desenhista. Eles passam a ter um caráter de diário, onde o aluno define o que desenhar e como desenhar, permitindo a expressão da individualidade. A criança é convocada pelo caderno a ver e rever seus desenhos. Muitas vezes, já com um olhar mais apurado, ela se vê tentada a completar alguma coisa que faltou, a colorir ou a desenhar novamente um antigo tema. Mais que isso, ao percorrer cada página de seu caderno, ela poderá perceber a mudança de seus traçados: como fazia antes e como faz agora. Neste sentido, o caderno de desenho passa a ser um instrumento de pesquisa.
Caderno de desenho como apoio para o professor
O educador também pode utilizar o caderno como apoio ao planejamento do trabalho. Para tanto, é importante que ele tenha uma pauta que o auxilie a observar alguns aspectos como:
- a ação expressiva: como a criança se coloca frente à tarefa? Demonstra interesse, indiferença, soltura?
- o uso de material: mistura cores, varia o uso dos riscantes, apresenta dificuldade no controle dos pincéis?
- objetos de pesquisa: desenha sempre a mesma coisa ou varia os temas nas suas representações?
Márcia, professora da turma de 3 a 4 anos da creche São Rafael, por exemplo, utilizou o caderno para estudar o percurso do grafismo infantil. Diz ela: “por meio do caderno eu pude visualizar quais interferências eu podia oferecer durante esse período, acrescentando desafios às diferentes propostas.”
É também possível pesquisar novos interesses que estão brotando no grupo e que podem gerar diferentes projetos. Esses são alguns exemplos que podem ajudar o educador na tarefa de pesquisar e avaliar a aprendizagem de seus alunos, abrindo espaço para planejar intervenções necessárias, capazes de instigar novas aprendizagens para as crianças. Tudo para manter vivo o prazeroso e constante convite ao desenho.
(Ana B. Guedes Brentano, Formadora do Instituto Avisa lá e do MEC)
Direto da prática – A professora conta como o caderno de desenho entrou em sua sala
“No começo do ano tivemos a idéia de usar o caderno de desenho. Pedi que os pais trouxessem de casa um caderno com páginas brancas para seus filhos e esperei até que todas as crianças tivessem o seu. Então deixei que elas colocassem etiquetas com seus nomes. Ofereci momentos para que fizessem seus desenhos, a princípio livres, até acharmos um objetivo. Foi então que a Ana, formadora de nossa equipe, pediu que eu deixasse o caderno num canto da sala para que as crianças desenhassem quando quisessem. Em apenas um dia as crianças desenharam o caderno quase todo. Então dei também folhas de sulfite: quando terminavam suas produções, guardavam dentro de uma pasta.
Achei mais interessante trabalhar com caderno de desenho porque assim pude observar como as crianças foram evoluindo. Eu não tinha uma seqüência de propostas para o caderno, mas olhando-o agora, diante dos registros de uma semana, pude ver como as produções mudaram: desenhos mais detalhados, coloridos, com temas diversificados. Às vezes eu perguntava se queriam mudar algo. Geralmente não queriam, de tanto que apreciavam os trabalhos. Até mesmo as crianças que no começo tinham dificuldades já conseguiam fazer um desenho melhor. Ao fim da atividade elas guardavam o material com mais autonomia, dizendo sempre: “esse é meu, deixa que eu guardo”. Acho que as crianças terão uma boa recordação quando saírem daqui, levando embora seus cadernos com tantos desenhos.”
(Maria Aparecida dos Santos, Mão Cooperadora)
Ficha técnica:
A análise dos cadernos de desenho foi uma das estratégias formativas propostas por Ana B. Guedes Brentano, como parte de seu projeto de formação nas creches da Mão Cooperadora Obras Sociais e Educacionais e Creche Maria Natividade Machado. Participaram dessa experiência Márcia Helena da Silveira, professora da turma de 3 a 4 anos, e Maria Aparecida dos Santos, professora do pré.
- Mão Cooperadora Obras Sociais e Educacionais: Rua Prof. Francisco Marques de Oliveira Junior, 151, Jd.Três Corações, Santo Amaro, 04855-340. Tel.: (11) 5933-3982, fax: 5528-5738, cremac.3c@ig.com.br
- Creche Maria Natividade Machado – Sociedade Beneficente São Camilo: Rua Ernesta Fracarolli,50, Jd. São Rafael, 04860-060, Tel.: (11) 5972-5120
Bibliografia:
- Arte na sala de aula. Escola da Vila. Ed.Artmed. Tel.: (11) 3062-9544.
- Aprendiz da arte, trilhas do sensível olhar-pensante. Miriam Celeste Martins. Espaço Pedagógico. Tel.: (11) 5505-1135