Misturando saberes com procedimentos, e uma boa pitada de sensibilidade, o professor pode transformar a hora de comer em uma oportunidade de desenvolvimento infantil
A hora de comer oferece ricas aprendizagens se o educador organizar essa experiência, interagir com a criança e desafiá-la a conhecer o ambiente, os pratos, talheres e copos, o outro e a si mesma. Afinal, cuidar é uma maneira de educar as crianças, especialmente até os três anos de idade. Constitui uma forma de se relacionar com o outro que envolve uma atitude de preocupação com o crescimento e o desenvolvimento humanos em toda sua complexidade.
Em um Centro de Educação Infantil – CEI, as atitudes e os procedimentos que operacionalizam o acolhimento diário dos pais e da criança, as refeições, os cuidados pessoais e a segurança devem ser integrados às brincadeiras e atividades pedagógicas, atendendo às necessidades individuais e coletivas de conforto, proteção, segurança, alimentação e aprendizagens específicas para cada idade.
Quando um professor de Educação Infantil toma para si esta tarefa, ele favorece a construção de vínculos de uma forma saudável. Para a criança pequena é imprescindível que alguém a acolha, conforte, cuide, alimente e entenda as razões de seus protestos ou expressões de contentamento e satisfação.
Quando, ao contrário, um professor questiona se a sua função também está relacionada aos cuidados e se estes não poderiam ser realizados por outra pessoa, como uma babá ou alguém com menos escolaridade, é porque ainda não entendeu o valor dessas ações e o quanto elas ensinam às crianças sobre quem elas são e como constroem sua identidade. A melhor maneira de aprender a cuidar de si mesmo e de outra pessoa é passando pela experiência de ser bem cuidado na primeira infância.
Do mamar ao mastigar
No primeiro ano de vida, o intenso processo de crescimento orgânico e o desenvolvimento psíquico vivenciado pelos bebês estão intrinsecamente relacionados à forma como os pequenos são alimentados. Por isso, é importante uma estreita parceria entre os profissionais da Educação Infantil e a família, por meio de um planejamento compartilhado do esquema alimentar de cada fase da infância. Os educadores devem contar também com o apoio de profissionais de saúde, com orientações específicas de pediatras e/ou nutricionistas.
Alimentar crianças em um ambiente coletivo requer que se integre a rotina alimentar individual com a institucional. É importante compreender e lidar com as diferenças entre a alimentação em casa e na creche e com as reações mais freqüentes no horário da alimentação, como a recusa. Torna-se necessário atender tanto as necessidades do bebê amamentado exclusivamente ao peito, como as da criança que já come todos os alimentos. A situação não é homogênea. E, para os bebês, representa muitas mudanças e aprendizagens em curto espaço de tempo.
As fases
Até os seis meses, o melhor alimento para os bebês é o leite de suas mães. Ao serem matriculados em um CEI, por volta dos quatro meses, alguns ainda mamam, outros já recebem mamadeira com outro tipo de leite e estão começando a ampliar o cardápio com frutas e legumes em forma de papas. As mães que amamentam precisam de um local adequado para fazê-lo, assim como de educadores bem informados sobre como armazenar, degelar, aquecer e oferecer o leite materno na ausência da mãe.
Faz parte do conhecimento profissional saber qual o cardápio adequado para bebês que estão em aleitamento misto (leite materno e não-materno) e quais atitudes e formas de oferta de papa de frutas ou de legumes para aqueles que iniciaram o processo de desmame.
Após os seis meses, todos os bebês precisam aprender a comer alimentos complementares ao leite, em forma de papas densas. Pouco a pouco, conforme a aquisição do controle sobre os movimentos fonoarticulatórios (boca, dentes, língua, musculatura facial e da orofaringe), a criança poderá ampliar o paladar, lidar com novas texturas, mastigar e deglutir preparações culinárias mais sólidas.
Por volta de um ano, as crianças serão capazes de comer os mesmos alimentos preparados para os maiores, embora ainda tenham poucos dentes e precisem de pedaços macios e pequenos. Seguir as precauções de higiene e segurança no preparo e oferta dos alimentos em ambiente coletivo evita graves riscos à saúde, como intoxicações alimentares que podem ser danosas e mesmo fatais. Prevenir engasgos, aspirações de líquidos regurgitados e saber socorrer os bebês e crianças pequenas que manifestem essas reações significa garantir segurança física e psíquica.
Em torno da mesa
Além de ampliar o cardápio e aprender a dominar os movimentos da mastigação e deglutição de sólidos, na hora de comer as crianças aprendem os rituais que permeiam as refeições: uso de talheres, sentar à mesa, compartilhar o que gosta.
As interações e os rituais que envolvem as refeições proporcionam ricas experiências culturais e a aprendizagem de diferentes habilidades tais como: servir-se e alimentar-se sozinha, manejar talheres, fazer escolhas. Estas são práticas que contribuem para o processo de construção da autonomia, socialização e inserção na cultura. Ao planejar o espaço das refeições, a equipe pode refletir sobre as atitudes e procedimentos específicos para alimentação das crianças de diferentes idades e assim enfocar tanto o cuidar quanto o educar.
As formas de oferecer leite aos bebês variam se forem alimentados ao seio, na mamadeira ou no copo. A atitude e o procedimento em cada caso precisa contemplar a necessidade de atenção individualizada, segurança e interação face a face do adulto com a criança, o que pode ser feito com ela no colo ou no bebê-conforto bem posicionado à frente do educador. O cuidado individualizado não significa “abandonar” as outras crianças do grupo, deixando-as chorar ou sem uma palavra acolhedora enquanto o educador se dedica apenas a uma.
As especificidades do professor de Educação Infantil envolvem diferentes áreas. A Medicina, Fonoaudiologia, Enfermagem e Nutrição, além da Pedagogia e Psicologia, congregam conhecimentos que auxiliam a ação educativa e qualificam as intervenções dos educadores. Só assim a integração entre cuidar e educar será bem fundamentada, ampliando as possibilidades de desenvolvimento e aprendizagem das crianças pequenas.
Algumas orientações
Bebê-conforto – As crianças com mais de seis meses de vida e que ainda não sentam podem comer as papas sentadas em cadeirinhas tipo bebê-conforto, na qual ficam semi-sentadas, na frente e altura do olhar do educador – portanto apoiadas em um lugar alto e seguro.
Cadeirões – As crianças que já sentam sem apoio das mãos, podem ser colocadas em cadeirões, sempre com cinto de segurança, dispostos de forma que o educador possa atender uma dupla ou um trio de bebês ao mesmo tempo.
Cadeiras confortáveis – Crianças que já andam bem podem se sentar em cadeiras confortáveis e adequadas à sua altura, e pouco a pouco aprendem a servir-se das preparações, com ajuda e incentivo do educador. Os cuidados com segurança e higiene não devem significar o cerceamento da criança em suas tentativas de servir-se e alimentar-se sozinha.
Colher própria – Por volta dos sete ou oito meses, quando as crianças já adquiriram o movimento de pinça (oposição entre o polegar e indicador), elas são capazes de pegar alimentos com a mão e gradativamente aprender a manusear a colher. O educador pode oferecer uma colher para o bebê ao mesmo tempo em que o ajuda a alimentar-se com outra, sem tolher suas tentativas de comer com as mãos.
Pratos fundos – Há crianças que querem tocar a comida ou levá-la à boca com as mãos. Portanto, pedacinhos bem pequenos de alimentos no prato favorecem a ação direta. Quem está tentando se alimentar sozinho precisa de pratos mais fundos, que facilitam que a criança possa pegar o alimento, e de material atóxico, inquebráveis, que possam ser lavados sem dificuldade com água quente e detergente neutro.
Ambiente tranqüilo – Um ambiente bem organizado e calmo evita a distração, tão fácil entre os bebês. Refeitórios ruidosos e com muitas crianças devem ser evitados. No entanto, é interessante que haja algum tipo de convivência entre crianças que estão em diferentes estágios do comportamento alimentar, para que possam aprender umas com as outras. Nunca é demais lembrar que um refeitório agradável, com uma mesa bem posta e recipientes bonitos e adequados, é tão importante quanto o conforto, a segurança e a higiene.
Alimentos adequados – Lembrar que o preparo de sucos ou doces com excesso de açúcar e/ou com corantes são inadequados do ponto vista nutricional. Amendoim, bala de goma, pipoca, uvas ou jabuticabas inteiras podem provocar engasgos e devem ser evitados antes do terceiro ano.
Lavar as mãos – Faz parte da aprendizagem o ritual de lavar as mãos antes das refeições, o uso do babador ou guardanapo e o uso de pratinhos para colocar os pedaços de bolo, pão e frutas, evitando que esses alimentos sejam colocados diretamente na mesa.
(Damaris Gomes Maranhão, doutora em Enfermagem pela Universidade Federal de São Paulo – Unifesp. Consultora em Saúde Coletiva do Instituto Avisa Lá)
Hora do avental
As atividades de culinária para as crianças oferecem ricas experiências de aprendizagem em diferentes âmbitos: relações humanas, autocuidado, primeiras noções sobre transformação dos alimentos e reações à temperatura. Essas atividades também contribuem para o desenvolvimento da linguagem oral e escrita. A elaboração de receitas variadas preparadas pelo educador com a participação dos bebês que já possuem habilidades motoras para sentarem e manipularem os alimentos pode ser uma atividade muito rica quando planejada adequadamente.
Os cuidados exigidos por atendimento coletivo recomendam evitar preparações e técnicas que coloquem em risco a saúde e segurança das crianças. Ambientes limpos, mãos bem lavadas, cabelos protegidos, alimentos de boa origem, prevenção de acidentes pelo contato com materiais perfurantes ou cortantes, produtos químicos e fogão são fundamentais.
Os pais podem participar de forma mais ativa nas atividades de culinária do CEI, preparando uma receita junto com as crianças. Os alimentos trazidos de casa requerem os mesmos cuidados com higiene, verificação de origem e validade dos ingredientes, pois implicam responsabilidade quanto a uma possível intoxicação alimentar no grupo infantil. O mesmo se aplica a doces e bolos de aniversário trazidos de casa. Conversar e estabelecer combinados com os pais favorece a parceria na educação alimentar.