Rir e educar

Aprender procedimentos de higiene bucal na educação infantil é importante para que as crianças incorporem bons hábitos para toda a vida
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Pintura à guache. Carolina Semiatzh, 7 anos

Quando nos inscrevemos para participar do programa de formação Rir e educar – promoção da saúde bucal na Educação Infantil1 com a formadora Elza Corsi2, nossos principais objetivos foram: aprimorar o trabalho, buscar intervenções significativas, trocar experiências e organizar estratégias que aprofundassem nosso olhar para a saúde bucal. Antes, já havíamos tratado, em outros grupos e com outras propostas, de questões tidas como óbvias, mas que não resultavam em um planejamento. No entanto, depois de focadas, refletidas, aplicadas e reorganizadas de maneira que envolvessem todo o grupo de funcionários, essas questões passaram a incorporar os projetos coletivos da unidade educacional de forma intencional.

Acolhimento, reorganização do refeitório, cantos diversificados, higiene dos espaços, diminuição da contaminação entre crianças, prevenção de doenças e higiene do nariz são os itens que, ao longo dos últimos anos, têm feito parte do plano de trabalho da equipe gestora. Após a implantação desse plano, pudemos notar mudanças qualitativas. As crianças são recebidas pela manhã em locais denominados Cantos diversificados, que também são utilizados à tarde. É certo que alguns professores avançam mais porque se dedicam, mas todos oferecem esse momento de livre escolha aos pequenos.

O projeto Alimentar em todos os sentidos envolve a aparência do refeitório, os utensílios, o processo de self-service, o que é o alimento e como ele é oferecido. Em Espelho, espelho meu, existe nariz mais limpo que o meu?3, itens como a organização do espaço, o porta-lenço, o papel higiênico cortado em forma de lenço, assim como os procedimentos de descarte e higiene das mãos, dependem dos professores e de um grupo da equipe que são responsáveis pela infraestrutura necessária. A maneira como a família é acolhida – na matrícula, na entrada e na saída diárias, nas reuniões – é uma preocupação que permeia a formação de toda a equipe de educadores. A higiene dos dentes já fazia parte da rotina e já existiam trabalhos desenvolvidos com o intuito de que se tornasse um há bito para as crianças.

Nós, pedagogos, não temos formação técnica suficiente para aprofundar tantas questões de maneira detalhada, principalmente na solidão e no cotidiano tão conturbado. Para atenuar o problema, participamos do programa Apren dendo com saúde4, vinculado à Secretaria Municipal de Educação de São Paulo. A continuidade desse trabalho de orientação ligada à higiene bucal, a intervenção no processo feita pelos professores e técnicos da área de saúde, o olhar estrangeiro, a parceria, a troca de experiências possibilitaram a conclusão dessa etapa com muitos avanços.

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Dispositivo para sabonete líquido e Papel interfolhas para secar a escova e a boca, e também funciona como babador (fotos: acervo do CEI Jardim Santo André)

Quadro inicial
O diagnóstico da saúde bucal das crianças foi fundamental para perceber as necessidades e, a partir daí, refletirmos com o grupo e fazermos os encaminhamentos necessários. Assim, com o olhar apurado sobre os procedimentos de escovação, que nem sempre tinham continuidade nos diferentes períodos, percebemos diferentes orientações para a mesma situação. Um exemplo: alguns professores indicavam o uso do copo para o enxágue da boca, enquanto outros achavam a medida anti-higiênica e orientavam a utilização das mãos em formato de concha. Observamos que, ao menor descuido do professor, os pequenos colocavam a boca na torneira, conduta que sempre desestimulamos. Algumas turmas usavam uma nécessaire (uma bolsa pequena para guardar os produtos de higiene bucal) enviada pela família e uma toalha de pano (mesmo tendo disponível o papel interfolhas). Alguns banheiros não tinham espelhos nem suporte para a escova e o copo.

A maneira de acondicionar as escovas também era inadequada. Elas ficavam juntas, sem proteção. Alguns professores, mesmo orientados a não utilizar creme dental com flúor para os que ainda não soubessem cuspir, insistiam no uso. Com base nesse diagnóstico, começamos, no início de 2010, a escrita dos protocolos de higiene com base na reorganização do planejamento do processo de escovação:

  • uso do copo de café descartável (pensando na separação do lixo para o projeto de meio ambiente);
  • utilização do papel interfolhas para secar a escova e a boca;
  • descarte do papel no lixo;
  • colocação de espelhos em todos os banheiros na altura das crianças;
  • tampinhas para proteger cada escova;
  • uso de creme dental sem flúor;
  • orientação na hora de cuspir o creme dental após a reunião com as famílias para conversar sobre o prejuízo causado pelo excesso de flúor e a importância da escovação bem feita, principalmente antes de dormir;
  • organização de duas escovações orientadas durante a permanência da criança no CEI;
  • promoção da escovação como um momento agradável;
  • leituras com foco na sistematização, na orientação e na estimulação da escovação;
  • brincadeiras simbólicas, teatro e outras oportunidades que propiciem intimidade e que levem a criança a se preocupar com a saúde bucal;
  • atenção com a higiene dental após ingerir doces;
  • estímulo à alimentação saudável;
  • introdução de alimentos adstringentes, que auxiliam a limpeza prévia dos dentes antes da escovação, como a cenoura crua e a maçã;
  • instituição do dia Quem cuida de mim5 como um dos focos na saúde bucal;
  • parceria com dentistas de Unidades Básicas de Saúde (UBS) ou voluntários para orientação das famílias.
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Arregaçando as mangas, escovando os dentes e a língua

Integração escola e família
O dia Quem cuida de mim, além de outras atividades que integraram escola e família, contava com cartazes, fotos, brincadeiras e orientações sobre saúde bucal. Não conseguimos a visita do dentista do Posto de Saúde, mas uma profissional do bairro orientou as famílias e, assim, validou o projeto escolar. Nessa data, foram entregues os kits6 para as famílias e apresentadas as nécessaires das crianças. Os professores consideraram mais adequado que essas bolsinhas não fossem levadas para casa, pois, por serem muito pequenas, poderiam ser esquecidas, comprometendo, assim, a escovação após as refeições na escola.

Dessa maneira, elas ficaram guardadas, acondicionadas em um suporte e identificadas com o nome de cada criança. Talvez essa atitude não tenha sido a mais adequada se pensarmos na construção da autonomia e na parceria com as famílias, mas foi o que conseguimos naquele momento, o que não quer dizer que tal situação não possa ser revista. Algumas pias (em três salas) ainda não têm suporte para as canecas e demais apetrechos de escovação, e precisamos buscar solução para isso. Também estamos em contato com o Posto de Saúde para viabilizarmos mais encontros dos dentistas com as famílias, de maneira que possamos aprimorar as informações sobre prevenção e cuidado bucal oferecidas à comunidade. Planejamos uma visita ao consultório dentário em julho, que foi acompanhada pela profissional que promoveu a palestra no dia Quem cuida de mim. Temos feito brincadeiras, leituras e projetos de alimentação saudável, inclusive com planejamento de visita à feira-livre.

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Brincando de dentista, escovando a dentadura

O que todos aprenderam
A avaliação das educadoras mostra que houve aprendizado, que a participação do projeto ampliou os recursos materiais (de pesquisa e pedagógico), e que já é possível visualizar mais compreensão e participação das famílias. Estas, por sua vez, avaliaram que os objetivos propostos foram alcançados, pois estão sensibilizadas para a questão da prevenção (em relação à higiene e à visita periódica ao dentista), além do cuidado necessário após a ingestão de doces e da necessidade da escovação noturna.

Sabemos que não atingiremos a unanimidade, que a cada ano outras crianças entrarão desinformadas a respeito do processo que já está em andamento, mas entendemos que aprimoramos o trabalho, tivemos retorno positivo, e que ele não termina por aqui. Assim como os outros projetos implementados, temos de alimentar sempre nosso olhar com pesquisa, reflexão, planejamentos e replanejamentos para que possamos fazer jus ao nome desse projeto: Sorria, você está sendo cuidado. O educar não acontece sem vínculo, sem preocupação com o outro, sem cuidado.

(Aparecida Rodrigues Monteiro é diretora e Maria Alice Bassoli Napoleão é coordenadora pedagógica, ambas do Centro de Educação Infantil (CEI) Jardim Santo André, em São Paulo – SP)

1Rir e educar – educação para a saúde bucal é uma iniciativa da United Way Brasil e Oral B em parceria com o Instituto Avisa Lá. Trata-se de um projeto de formação continuada para a equipe de educadores e de profi ssionais da saúde de instituições de Educação Infantil. Tem como objetivo aprimorar a qualidade do cuidado com crianças com foco em rotinas e procedimentos que promovam a saúde bucal e a alimentação saudável.

2Elza Corsi e Damaris Maranhão trabalharam como formadoras no Programa Rir e educar respectivamente nas zonas Leste e Sul da cidade de São Paulo. Ambas são formadoras do Instituto Avisa Lá, em São Paulo – SP.

3Para saber mais sobre o assunto, consulte Do meu nariz, cuido eu!, de Elza Corsi, e O que é coriza?, de Damaris Maranhão, artigos disponíveis na Revista Avisa lá, número 10, de abril de 2002. Tel.: (11) 3032-5411. Site: www.avisala.org.br.

4Aprendendo com saúde é resultado de uma parceria entre as Secretarias Municipais da Saúde e da Educação de São Paulo. Essa iniciativa tem a participação da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp/SPDM – Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina). Oferece atendimento médico e odontológico para os alunos da rede municipal, com prioridade para crianças de até 3 anos. Os objetivos vão desde o diagnóstico precoce de situações que podem comprometer o desempenho escolar, até a prevenção de doenças como dengue, além de orientações sobre as consequências do hábito de fumar. Os alunos aprendem sobre a escovação correta e os cuidados para prevenir cáries, hábitos saudáveis e alimentação. O programa inclui, ainda, dentre as atividades realizadas, consultas nas escolas, palestras para pais, alunos e professores sobre temas como alimentação saudável, higiene pessoal, verminose, sexualidade e violência urbana. Disponível em: http://portalsme.prefeitura.sp.gov.br/Anonimo/ProgramasProjetos/saudenasescolas.aspx?MenuID=168&MenuIDAberto=58.

5Quem cuida de mim é um dia de ações e atividades organizadas pela creche para as crianças, os pais e funcionários com o foco na saúde.

6Foram distribuídas pelo programa nécessaire da Oral-B com escova e fio dental para todas as crianças e profi ssionais das escolas e para 1 adulto de cada família, materiais informativos com dicas úteis, em forma de banner, cartazes e fôlderes, e um kit de brinquedos e livros para cada escola participante.

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Copinhos descartáveis são usados para bochechos e vão para o lixo certo

Programa Rir e Educar

O programa Rir e Educar, iniciativa da United Way Brasil e da Oral B, desenvolvido pelo Instituto Avisa Lá, tem como objetivos:

  • aprimorar a qualidade do cuidado com a criança em uma instituição de educação;
  • integrar os serviços de saúde e educação de uma mesma região para a promoção da saúde bucal;
  • proporcionar às famílias das crianças informações qualificadas sobre os cuidados necessários com a saúde bucal, com ênfase na melhoria da escovação noturna, diminuição da ingestão de açúcares e hidratos de carbono e visitas regulares ao dentista;
  • propor a formação continuada dos educadores com vistas à implantação de uma rotina de escovação de forma orientada adequada, bem como a melhoria da alimentação;
  • propor a adequação dos espaços de escovação de forma a promover menos contaminação e mais autonomia das crianças;
  • sistematizar as ações integrando-as ao Projeto da escola.

O programa foi oferecido à Coordenadoria de Educação de São Mateus, Zona Leste de São Paulo, e atendeu a 14 unidades escolares. A Zona Sul foi atendida por meio de uma parceria com a Universidade de Santo Amaro (Unisa), que cedeu o espaço físico, e foram convidadas creches conveniadas ligadas à Cooperativa de Promoção à Cidadania (Cooperapic). Foram atendidos 8 Centros de Educação Infantil (CEIs) e 6 Escolas Municipais de Educação Infantil (EMEIs). No momento, avalia-se a possibilidade de expansão do programa.

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A cenoura crua auxilia a limpeza prévia dos dentes

Escola que promove saúde

  • considera todos os aspectos da vida e da escola e suas relações com a comunidade;
  • baseia-se em um modelo sistêmico de saúde que inclui a interação dos aspectos físicos, mentais, sociais e ambientais;
  • centra-se na participação ativa dos alunos, com estratégias variadas para desenvolver habilidades;
  • reconhece que várias habilidades e processos básicos são comuns a todos os temas de saúde, que deveriam ser programados como parte do currículo;
  • entende que o desenvolvimento da autoestima e da autonomia são fundamentais para a promoção de uma boa saúde;
  • concede grande importância à estética do ambiente físico da escola, assim como ao efeito psicológico direto que ela causa em professores, demais funcionários da instituição e alunos.

(Fonte: Rir e educar – promoção da saúde bucal na Educação Infantil, de Damaris Maranhão e Elza Corsi, do Instituto Avisa Lá)

Formação significativa

A formação foi muito significativa, pois sistematiza coisas que a gente sabe, principalmente em saúde e alimentação. Além disso, ela possibilitou que tivéssemos um olhar mais definido. A saúde bucal, realmente, tornou-se uma preocupação. O papel dos diretores e coordenadores pedagógicos é fundamental para sistematizar essa ação dentro das CEIs e das Escolas Municipais de Educação Infantil (EMEIs). Serve também para que as professoras, de fato, incorporem à prática.

Maria Alice Bassoli Napoleão e Nilza F. de Carvalho Menezes, coordenadoras pedagógicas do CEI Jardim Santo André e da EMEI Dalton Castilho Cabral, respectivamente. (foto: Cisele Ortiz)

Maria Alice Bassoli Napoleão e Nilza F. de Carvalho Menezes, coordenadoras pedagógicas do CEI Jardim Santo André e da EMEI Dalton Castilho Cabral, respectivamente. (foto: Cisele Ortiz)

Nunca havíamos tido uma formação que nos ajudasse a compreender os procedimentos de escovação adequados e torná-los observáveis e refletidos. Temos a sensação que seja como a higiene do nariz… vamos incorporar o cuidado com os dentes e levá-los aonde formos. Pudemos envolver toda a equipe e sabemos que foi com o reflexo de nosso envolvimento. Aprendemos a olhar com foco, a intervir, a aperfeiçoar indicadores, a replanejar e a rever quantas vezes for necessário. Quando chega a proposta de mudança, ela assusta. Se nós não estivermos muito seguros daquilo que precisa ser feito, não conseguimos transformar em prática. Quando há segurança, a gente intervém, insiste, descobre caminhos. Os professores que acompanham a sequência se tornam bons modelos e podem contagiar os demais.

Depois dessa formação, fazer de qualquer jeito… nunca mais! Isso nos dá credibilidade e maior qualificação profissional. Os protocolos foram fundamentais, assim como sensibilizar os pais para esse cuidado. O material recebido foi de grande ajuda, e é nosso papel sempre ter uma ação comunicativa das ações com banners e fotos do que as crianças estão aprendendo. Com isso, os responsáveis se envolvem muito mais. A Educação Infantil tem muitas marcas, e essa é uma que queremos deixar nas crianças e em suas famílias: o cuidado com os dentes, com a saúde bucal. Aprenderam isso na infância e levarão para a vida toda.
(depoimento da coordenadora Maria Alice Bassoli Napoleão – CEI Jardim Santo André – e da coordenadora Nilza F. de Carvalho Menezes – EMEI Dalton Castilho Cabral)

Quem tem medo de dentista?

Brincar de dentista com a boneca é muito divertido. Mas quando a dor de dente é de verdade, a história perde toda a graça. O livro Quem tem medo de dentista?, de Fanny Joly (Ed. Scipione), trata do medo que os pequenos sentem quando têm de encarar a cadeira do dentista. A consulta já está marcada e a personagem dessa narrativa, uma menina, terá de enfrentar o carrasco com suas agulhas, alicates e brocas. Será que a dor de dente vai mesmo passar e a garota perderá o medo?

Ficha técnica

Secretaria Municipal de Educação – São Paulo (SP)
Diretoria de Educação de São Mateus
Endereço: Avenida Ragueb Chohfi, 1550 – Jardim Três Marias – São Paulo – SP. CEP: 08375-0000 – Tel.: (11) 3397-6700 – Site: www.portalsme.prefeitura.sp.gov.br

Centro de Educação Infantil Jardim Santo André
Endereço: Avenida dos Sertanistas, 790 – Jardim Santo André – São Paulo – SP. CEP: 08390-240 – Tel.: (11) 2751-2330 – E-mail: ceijsandre@prefeitura.sp.gov.br
Diretora: Aparecida Rodrigues Monteiro
Coordenadora pedagógica: Maria Alice Bassoli Napoleão

EMEI Dalton Castilho Cabral
Endereço: Rua Silvestro Silvestri, 319 – Jardim Ângela – São Paulo – SP. CEP: 03985-000 – Tel.: (11) 2703-4767 – E-mail: daltoncastilho@ig.com.br
Diretora: Maria Cecília Antunes e Silva Laparolli
Coordenadora pedagógica: Nilza Florípedes de Carvalho Menezes

Para saber mais

Livros

Para crianças

  • Eu e a escova e Dentista não é coisa de outro mundo, de Doris Rocha Ruiz e Maria Inês Quintanilha Martins Ribeiro. Coleção de Odontopediatria, 2 volumes. Santos Editora. Tel.: (11) 5080-0770 – Gen Grupo Editorial Nacional: Site: www.grupogen.com.br/vit_f/6/Santos.aspx
  • Vamos escovar os dentes, de Leslie McGuire. Editora Salamandra. Tel.: 0800 17 20 02. Site: www.salamandra.com.br.


Para o professor

  • Creche e pré-escola: uma abordagem de saúde, organizado por Lana Ermelina da Silva dos Santos. Editora ArtMed. Tel.: 0800 703 3444. Site: www.artmed.com.br
  • Saúde e educação, de Jairo Werner. Editora Griphus. Tel.: (21) 2533-2508. E-mail: gryphus@gryphus.com.br. Site: www.gryphus.com.br
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