Ambiente virtual propicia contato entre profissionais de diversas regiões do país e põe em foco temas importantes para a discussão da prática pedagógica
A formação continuada a distância vem ganhando espaço e valorização nos últimos anos, principalmente pela possibilidade de se atingir um número maior de pessoas em locais distantes e momentos distintos.
Há alguns anos atuo como consultora nos programas Além das Letras e Formar em Rede, ambos do Instituto Avisa Lá, em São Paulo (SP). Venho me encantando com as possibilidades de troca e reflexões que acontecem em diversos momentos, especialmente nas reuniões online organizadas por esses programas.
A reunião online é um encontro virtual que acontece numa espécie de sala de bate-papo, em portal próprio, em que formadores dos municípios participantes dos programas de formação continuada a distância e consultores do Instituto Avisa Lá trocam experiências, refletem sobre conteúdos didáticos e da formação, enfim, constroem uma cultura colaborativa, já que todos se veem implicados direta ou indiretamente com as dificuldades e conquistas do outro.
Há duas formas de reunião online: uma mais restrita, com um grupo menor e o consultor, e outro em que todos os municípios envolvidos na formação participam, além da equipe de consultores do programa.
Inicialmente, devido aos inúmeros temas de discussão que preocupavam os participantes, eu considerava que a reunião, muitas vezes, tornava-se confusa ou até mesmo desviava de seu objetivo principal. Com o tempo, fui aprendendo a melhor forma de organizá-la, assim como intervir durante a conversa de modo a gerenciar os comentários e torná-los cada vez mais articulados com o que estava sendo discutido naquele momento. O percurso realizado em parceria com a equipe do programa Além das Letras e com a equipe do Formar em Rede foi apontando possibilidades e caminhos a seguir.
A primeira decisão que fez toda a diferença foi elaborar slides de apoio que pudessem ser visualizados por quem participava da reunião a fim de compreender a questão ou acompanhar a análise que estava sendo proposta. Esses slides também sofreram ajustes de acordo com a reflexão que a equipe fazia ao final de cada encontro.
Como torná-lo de fato um apoio e não um excesso de informações? Que questões colocar para gerar a reflexão e não apenas esperar a resposta certa? Qual a quantidade ideal de slides para o tempo do encontro? Qual a quantidade de informações possíveis de serem lidas e compreendidas num slide? Ao rememorar esse processo todo percebo quantas reflexões como formadora fui desafiada a realizar.
Perceber que a escrita permeia todo esse processo foi uma delas, pois consultor e formadores precisam escrever para planejar o que será feito, o que foi desenvolvido na formação e até mesmo cuidar da sistematização do que foi discutido no encontro virtual.
A comunicação na formação a distância se dá de várias formas, e na reunião online temos a possibilidade de nos exercitarmos em duas direções, isto porque durante a conversa online a escrita se caracteriza de modo mais coloquial por se tratar de uma conversa entre profissionais. Porém, ao organizar seu registro, a escrita adquire um caráter profissional e formal, isto é, o educador sistematiza as ideias principais discutidas ao longo do encontro, destacando o que, em seu ponto de vista, é mais importante.
No programa Formar em Rede, inicialmente, essa tarefa era da consultora. Depois de alguns encontros, foi possível perceber o quanto seria valioso que essa escrita fosse feita pela equipe de formadores locais. Assim, em cada reunião, convidávamos uma equipe representante de um município ou uma dupla para se encarregar dessa escrita.
Ao escrevermos elaboramos nossas hipóteses, organizamos as ideias, pensamos sobre as questões típicas da área profissional.”1
Outro desafio gerado nesse espaço esteve ligado a saber como gerenciar uma “sala de bate-papo” em que, às vezes, há mais de trinta pessoas, de modo a organizar a conversa, liberar o acesso à sala dos participantes, além de manusear os slides, indicar as ações que devem acontecer praticamente ao mesmo tempo ou em sintonia, para dar ritmo à reunião.
Isso tudo sem se distanciar do que está sendo dito pelos participantes, pois há momentos em que a intervenção do consultor é totalmente necessária para problematizar um aspecto, ou disparar uma questão que provoque a reflexão no grupo.
Compartilho a ideia de que a formação a distância deve seguir os mesmos princípios da formação presencial, isto é, partir de situações-problema em que os formadores precisem colocar em jogo tudo o que sabem e já vivenciaram para que avancem em seus conhecimentos. Nas reuniões, com duração média de uma hora, também era preciso garantir essa concepção.
Frequentemente, para lidar com tantas ações ao mesmo tempo, as reuniões com os grupos maiores contaram com a participação de mais de um consultor do Instituto Avisa Lá.
Bastidores de uma reunião online do programa Formar em Rede
Antes da reunião, Bia Gouveia, coordenadora do programa, e eu afinávamos e organizávamos uma pauta enviada com antecedência aos municípios. A escolha do conteúdo baseou-se no material recebido por mim via portal ou e-mail, bem como na constatação de algumas dificuldades na elaboração de pauta para o encontro com os gestores, e na organização dos encontros desses gestores com os profissionais de suas instituições. Observamos que vários desses planejamentos ganhavam um aspecto transmissivo, caminhando em sentido diametralmente oposto ao que pretendíamos.
Pauta para a quarta reunião online geral – 2009 (Programa Formar em Rede para Educação Infantil)
Formadores
Dando continuidade às reflexões sobre formação, discutiremos alguns exemplos práticos nesse encontro. Pedimos que reflitam sobre as três propostas de formação indicadas a seguir, referentes a organização de uma rotina que favoreça o trabalho com o conteúdo brincar. O desafio é analisá-las, considerando:
- a situação-problema proposta;
- as estratégias de formação utilizadas;
- a qualidade e os problemas dessas três propostas.
Bom trabalho!
Proposta 1
Propor que os professores, em grupos, discutam as questões seguintes e registrem as reflexões realizadas:
- O que você considera uma boa rotina para crianças na Educação Infantil?
- Escreva dois indicadores que caracterizem uma boa rotina.
Pedir que os grupos leiam seus registros.
Apresentar o DVD Menino, quem foi teu mestre?2 sobre a concepção de criança e Educação Infantil e pedir para registrarem suas impressões.
- Socializar as impressões registradas durante a exibição do DVD.
- Retomar os registros elaborados nas atividades 1 e 3, comparando as respostas e características escritas antes e depois da exibição do DVD.
Proposta 2
- Apresentar ao grupo uma concepção mais contemporânea de ensino e aprendizagem na Educação Infantil em contraponto à concepção transmissiva.
- Distribuir o trecho do Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (RCNEI)3 que trata da concepção de criança e Educação Infantil e solicitar que leiam em pequenos grupos.
- Apresentar o DVD Menino, quem foi teu mestre? sobre a concepção de criança e de Educação Infantil.
- Escrever as observações gerais feitas pelo grupo de professores sobre o DVD e pedir que registrem no caderno.
Proposta 3
Nesse encontro, pede-se que os professores tenham à mão a rotina semanal desenvolvida com a sua turma. Vamos utilizá-la no sexto momento do encontro. Oferecer aos professores, que devem se organizar em grupos, três exemplos de rotinas e pedir que analisem a concepção de criança e de Educação Infantil que sustenta essas rotinas:
- rotina estruturada segundo as necessidades do adulto, com o tempo rígido determinado pelo educador;
- rotina em que as áreas de conhecimento estejam fragmentadas: Matemática, Português, Ciências…;
- rotina em que há trabalho com as áreas de conhecimento, mas nelas não está centrado. Há uma preocupação em assegurar diferentes momentos de interação entre crianças e professoras, crianças e crianças, garantindo a individualidade e o sentido de um grupo.
Socializar as conclusões do grupo, sistematizando um quadro com as características das concepções analisadas nas rotinas.
Ler o trecho do RCNEI que trata da concepção de criança e de Educação Infantil. Voltar ao quadro para complementar as características das concepções.
Após a discussão, pedir que os professores procurem analisar a própria rotina à luz das concepções discutidas, fazendo os ajustes reconhecidos como necessários.
Na reunião online que preparamos com base nessa pauta, nosso objetivo era justamente convidar os formadores locais para analisar as três propostas de planejamento de encontro de formação com o conteúdo brincar e dar subsídios para a elaboração de um planejamento de encontro de formação que provocasse a ação-reflexão-ação.
Os trechos a seguir4, extraídos de uma dessas reuniões, ilustram as discussões e as intervenções dos consultores durante a atividade online:
Para organizar as ideias sobre a análise da pauta 1, Bia Gouveia fez a seguinte exposição:
Dando continuidade, passamos para a análise da proposta seguinte; novamente pudemos presenciar o diálogo que levou o grupo a refletir sobre os conteúdos da pauta:
Nesse momento, Bia e eu fizemos algumas perguntas ao grupo:
Concordamos com H. (Nova Lima/MG) e fizemos algumas considerações:
A reunião foi produtiva e nossas formadoras encerraram a discussão da proposta 2, deixando uma observação sobre a importância de usarmos o referencial teórico para que, de fato, se torne formativo.
Convidamos o grupo a olhar a proposta 3 e a compará-la com as demais.
Aos poucos fomos finalizando a reunião, provocando o grupo a respeito da diferença existente entre as três propostas.
Solicitamos às formadoras que analisassem os slides da reunião, especificamente os últimos, que nos ajudam a pensar o lugar da informação no processo de formação nas pautas. Os slides apresentam algumas considerações sobre a discussão de cada proposta.
E, ao final do encontro, mais uma pergunta relevante:
A observação dos registros feitos pelas participantes foi um dos caminhos que me levaram a constatar como esse espaço pode propiciar a reflexão, além de se traduzir em convite explícito à escrita profissional, pois uma conversa como essa pode provocar diferentes transformações na relação e atuação de formadores com os sujeitos que participam de suas formações. Considero essa ação formativa uma importante ferramenta de trabalho de quem faz a formação a distância, e os resultados obtidos levam-me a acreditar cada vez mais nessa forma de interação e de ação.
(Renata Frauendorf, formadora do Instituto Avisa Lá, em São Paulo-SP)
1Bem-vindo mundo! Criança, cultura e formação de educadores, de Silvia Pereira de Carvalho, Adriana Klisys e Silvana Augusto. São Paulo: Peirópolis, 2011. Tel.: (11) 3816-0699. Site: www.editorapeiropolis.com.br
2Série de 20 programas educativos elaborada pela Fundação Roberto Marinho em parceria com o Ministério da Educação, Brasil, 1995, dirigidos por Fernando Passos e Taunay Daniel.
3Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil – Vol. 1. Ministério da Educação e do Desporto, Secretaria de Educação Fundamental. — Brasília: MEC/SEF, 1998. Disponível em: www.crmariocovas.sp.gov.br/pdf/pcns/educacao_infantil/volume1.PDF]
4Trechos extraídos do registro da quarta reunião online do programa Formar em Rede – 20/10/2009, elaborado pelas formadoras Viviane de Souza Lima e Flavia Serdeira Caldas Mello do município de Areal (RJ) que descrevem um pouco do processo vivido em uma reunião desse tipo.
Ficha Técnica
- Programas Além das Letras e Formar em Rede
Coordenadoras: Beatriz Gouveia (2009/2010) e Clélia Cortez (2011)
E-mails: biagouveia@uol.com.br e clecortez@uol.com.br
Consultora: Renata Frauendorf
E-mail: rsfrauendor@globo.com
Responsabilidade técnica: Instituto Avisa Lá
Para saber mais
Livros
- Ensinar: tarefa para profissionais, de Beatriz Cardoso et al. (Orgs.). Rio de Janeiro: Record, 2007. Tel.: (21) 2585-2000. Site: www.record.com.br
- Bem-vindo, mundo! Criança, cultura e formação de educadores, de Silvia Pereira de Carvalho, Adriana Klisys e Silvana Augusto. São Paulo: Peirópolis, 2011. Tel.: (11) 3816-0699. Site: www.editorapeiropolis.com.br
- Guia de orientações para o formador do Programa Formar em Rede, de Clélia Cortez e Renata Frauendorf. São Paulo: Instituto Avisa Lá, 2009.