Formadoras relatam sua prática junto aos supervisores para desenvolver a competência de produção textual pelos alunos. Também em formação, elas próprias têm a chance de refletir e rever suas propostas
No município mato-grossense de Sinop, a formação continuada das supervisoras e professores1 é desenvolvida por meio do projeto “Formando Formadores para Desenvolver a Competência na Produção Textual”, que tem o apoio do Programa Além das Letras2. Já no terceiro encontro, em junho deste ano, desenvolvemos uma proposta com atividades práticas e bastante reflexivas. Desde o início, esta reunião foi um pouco diferente das duas outras formações, pois a leitura realizada pelo formador no encontro anterior teve continuidade neste. As supervisoras estavam ansiosas para saber o final da história, e três delas confessaram não ter segurado a curiosidade e entraram na internet para descobrir o desfecho da crônica “Os Noivos”, de Nelson Rodrigues.
Isso nos deixou felizes, pois percebemos que o comportamento leitor das nossas formadoras está aflorado. Aproveitamos para salientar a importância de como deve ser conduzida a leitura em voz alta pelo professor para causar interesse nos alunos. Na socialização da atividade individual solicitada às supervisoras, que consistia na produção de texto pelos alunos a partir de um gênero definido, foi possível verificar um avanço significativo nas produções, apesar de algumas supervisoras não definirem o gênero e sim um tema. Nessa oportunidade, aproveitamos para refletir a diferença entre gênero e tema, que seria também uma das discussões do nosso estudo. No final da tarde, nosso objetivo era que todas tivessem bem clara a diferença entre tema e gênero para a produção de bons textos.
Comentário da consultora3:
Vocês chegaram ao coração do problema. Creio que a experiência escolar que todos nós tivemos passou longe da importância de escrever apoiado num gênero e impôs a produção textual como um exercício escolar, a partir de um tema, como por exemplo “Minhas férias”. Esta prática demanda que na formação sejam necessários tempo e muitas estratégias para remover este hábito.Sei que definir os objetivos do encontro é algo importante, mas não dá para acreditar que isso vá garantir todas as aprendizagens esperadas. Essa idéia de trazer produção e analisar, certamente, é a melhor forma de ajudá-los. Eu sugiro que peçam o planejamento da atividade, assim como um registro com a análise da produção, assim vocês vão acompanhando o quanto elas também estão aprendendo sobre isso.
Ouvindo um relato
Para ampliar o conhecimento das supervisoras sobre a produção textual, analisamos um relato (fictício) de uma professora sobre diferentes atividades de produção de texto de seus alunos, baseado em práticas correntes nas escolas. Os grupos trabalharam com empenho e muita discussão, elencaram novas e boas situações de aprendizagem para a professora em questão e perceberam quais atividades poderiam sugerir aos professores. Se juntássemos o relato de todos os grupos, teríamos um cardápio de sugestões de atividades para produção de texto.
Comentário da consultora:
Essa idéia é muito boa. Por que vocês não propõem a eles? Seria um registro do grupo e uma forma de reflexão interessante.
Em todos os grupos foi apontada a importância da leitura diária pelo professor; da definição do gênero ao solicitar uma produção para o aluno; do trabalho com diversos gêneros textuais para repertoriar as crianças; da produção intensa de textos coletivos e individuais, assim como o incentivo à reestruturação do texto quando necessário.
Vivenciando a situação
Outra atividade produtiva para as supervisoras foi criar uma situação semelhante às que são propostas aos alunos, o que gerou resultados bem positivos. Todos os grupos trabalharam com afinco. Ao observálos, percebíamos nas discussões entre eles que estavam concluindo, na prática, como é difícil produzir texto sem definição de gênero. Mesmo quando isto estava definido havia outras dificuldades a considerar. Quando iniciamos a socialização das reflexões, o Grupo 1, que escreveu uma carta a um amigo, levantou a dificuldade de trabalhar em grupo, uma vez que as idéias não combinam sempre, e a necessidade de os integrantes precisarem de jogo de cintura para chegar a um consenso. No entanto, do ponto de vista da produção textual, expuseram que foi fácil, pois havia uma indicação de gênero que era familiar e um destinatário específico.
Passamos ao Grupo 2, que tinha como tarefa escrever uma história a partir da foto de um carro. Os participantes começaram protestando: “Como iríamos produzir um texto legal só com esta figura? Foi muito difícil”. Nesse momento questionamos se esse tipo de atividade é comum em sala de aula, e em coro responderam que “sim”. Embora as dificuldades para produzir a partir desta consigna tenham sido grandes, já que não havia um gênero, as supervisoras, escritoras competentes, acabaram fazendo um texto de bom nível. Elas apontaram que a dificuldade ocorreu por não haver uma explicação clara do que escrever, qual destinatário. Concluíram que se isso ocorrer na sala de aula, as crianças terão problemas para produzir um texto. Que bom: nossas supervisoras perceberam o equívoco dessa opção didática! Aproveitamos para problematizar.
A atividade do Grupo 3, que era escrever uma história a partir da seqüência de quatro quadros de imagens simples – um menino, uma borboleta, uma rede e ao final a borboleta na rede –, foi o ponto alto da tarde, já que foi inspirada em uma prática das mais corriqueiras nas salas de aula. Durante a produção, nos chamaram para perguntar se poderiam acrescentar, criar um quadro a mais na história para ter um desfecho mais interessante. Questionamos se isso é permitido em sala de aula e afirmaram que não, e concluíram que por isso não deveriam acrescentar um quadro a mais na seqüência de imagens. Na socialização, comentaram tal fato salientando a limitação das imagens empobrecidas, deixando os textos muito ruins.
Pedido de ajuda
Então perguntamos em que situação real os alunos escrevem textos a partir de figuras e seqüência de figuras. Houve um silêncio geral por alguns segundos. Refletimos que esta não era uma situação de escrita de uma história em quadrinhos, já que não havia humor, drama ou uma trama instigante. Apesar de chegarem a um consenso sobre a ineficácia da atividade para a produção de texto, a grande preocupação das supervisoras foi como trabalhar com os professores essa mudança de olhar. Ponderamos que seria necessária cautela, bem como a criação de situações que problematizassem a questão. A socialização de boas opções didáticas de produção de texto para oferecer os alunos seria também uma boa estratégia, aliada ao apoio com textos que refletem sobre esse conteúdo. É importante reconhecer os equívocos que todos cometemos ao longo da profissão. A formação continuada nos proporciona justamente isso: poder refletir e aprender coisas novas, ou melhor, ressignificar nossos conhecimentos e práticas.
Comentário da consultora:
Aqui há um pedido de ajuda das supervisoras. Querem saber como vão tratar disso no contexto de formação. Vamos ajudá-las analisando o planejamento do encontro delas com os professores. Os grupos 4 e 5 perceberam como é importante repertoriar os alunos para produzirem bons textos. Apenas definir o gênero e o tema, como eles costumam fazer, não garante uma boa produção. É bom registrar que todos os textos que as supervisoras produziram ficaram bem escritos, principalmente se levarmos em conta o pouco tempo disponível. Porém, sabemos que nós, adultos alfabetizados, já adquirimos uma certa competência escritora, e com as crianças não é bem assim que funciona.
Próximo passo
Esse encontro de formação foi muito bom. Deu para perceber que as supervisoras saíram diferentes da forma como entraram, e o melhor: compreenderam que existem possibilidades de proporcionar às crianças situações de aprendizagem mais significativas, embora, como elas mesmas disseram, será necessário muito trabalho para modificar algumas práticas que já estão cristalizadas, como a produção de texto a partir de seqüência de figuras.
Comentário da consultora:
Fica claro o quanto o encaminhamento de vocês e a compreensão que tiveram do subsídio que mandamos foi decisivo para que os coordenadores pedagógicos tivessem esta oportunidade de reflexão. Na formação temos algumas etapas a serem cumpridas. Como vocês bem sabem, acho que conseguiram lidar bem com esta, que é da desestabilização, da construção de novos olhares, do compartilhamento de uma concepção com o grupo de supervisores.Temos pela frente uma outra etapa que é a de ajudar estes supervisores a serem formadores, a conduzirem um encontro tão bem como vocês fizeram. Este é um outro saber e eles já apontaram que precisam de ajuda. Pensei na possibilidade de vocês fazerem um encontro, ou melhor, parte de um encontro para discutir as especificidades da formação de professores. Poderiam iniciar o encontro com a análise da pauta que vocês formadoras locais fizeram. Teriam que identificar o que vocês queriam em cada parte da pauta, como foi conduzida a reunião e em que este modo de encaminhar ajudou-as. A partir daí sistematizar as estratégias, a sustentação das questões, a circulação das informações. Também podem pensar em, depois da análise da pauta, tematizar as pautas delas. Vou enviar o outro subsídio, mas, acho importante contemplar dois aspectos: análise de escritas das crianças, que muitas supervisoras ainda não trouxeram, e a discussão sobre o papel do formador.
(Rosangela Trevisan de O. Gluzezak e Terezinha Daltoé Loebens – artigo escrito com base nos relatórios das educadoras da equipe pedagógica da Secretaria de Educação de Sinop-MT)
1As supervisoras atuam na função de coordenadoras pedagógicas nas escolas.
2O Programa Além das Letras é uma iniciativa do Instituto Avisa Lá e do Instituto Razão Social, com suporte financeiro da Gerdau e apoio institucional da Avina, do Unicef, da Unesco, do Undime e da Ashoka. É composto de uma premiação e de uma rede de formadores, que conta também com a tecnologia da IBM para a comunicação à distância, por meio da iniciativa Reinventando a Educação.
3Fazem parte do artigo os comentários elaborados e devolvidos para os formadores por Débora Rana, consultora do Programa Além das Letras.
Construção da pauta
Proposta elaboradora pelas formadoras para o encontro de formação com os supervisores:
Projeto
- “Formando Formadores para Desenvolver a Competência na Produção Textual”
Modalidade
- Produção Textual
Tema
- Para ensinar a escrever
Objetivos
- Sistematizar as condições didáticas que favorecem a produção de textos de qualidade.
- Explicitar que por meio da leitura e de bons modelos de textos se aprende a linguagem que se escreve.
Conteúdos
- O papel da diversidade textual: como utilizá-la.
- Condições didáticas para produção de bons textos.
Abertura
- Apresentação da pauta.
- Leitura realizada pelo formador da crônica “Os noivos” (A vida como ela é, Nelson Rodrigues).
- Retomada do encontro passado: síntese oral – Importância da formação continuada; Aplicabilidade da avaliação do IAL aos alunos; TT – Execução da formação nas escolas.
Desenvolvimento
- Leitura e discussão do texto “Um decálogo para ensinar a ler e escrever” (Auguste Pasquier Dolz) até o item 05, antes do quadro “Opções Didáticas”. Problematizar, trocar impressões, conclusões, socializar respostas.
- Exibição do vídeo “Aprender a linguagem que se escreve” (PROFA – M2, No 3). Realizar pausas para problematizar.
- Levantar com todo o grupo, diante do exposto no texto e vídeo, o que acreditam ser opções didáticas condizentes com a proposta do nosso projeto de formação e quais as condições que se opõem a ele. Sistematizar as respostas no quadro.
- Ler, discutir o quadro “Opções Didáticas” do texto iniciado, confrontando com as respostas dadas no exercício anterior, trocar conclusões, socializar e sistematizar respostas. Seguir com a leitura e discussão do texto até o item 06, “Textos Sociais”.
Encerramento
- Avaliação oral das aprendizagens do estudo.
Comentário da consultora
Analisando a pauta do ponto de vista da proposta da formação, independente do conteúdo, consigo observar que pretendem problematizar as propostas de produção de escritas, apontadas pelas coordenadoras pedagógicas ou as presentes na rede. Para realizar esta reflexão, vão se apoiar no texto do Dolz, alimentando as informações que têm até agora.Este caminho é interessante, muitos formadores pedem que as coordenadoras pedagógicas revejam a proposta que fizeram, sem antes oferecer novas oportunidades de aproximação com este conteúdo, sem analisar outras fontes. Isso acaba sendo impossível, pois só é possível que avancem se tiverem acesso a novas informações, assim como a boas oportunidades de reflexão. Acho que vocês trabalharam muito bem esta questão, quando pedem uma reflexão do texto antes de voltarem à própria prática.
Retomando a pauta anterior, vi que vocês deram foco na questão da formação e, neste, estão mais voltadas para o conteúdo. A síntese desses dois encontros seria: no primeiro, aspectos da formação e como a produção de texto aparece hoje no município, no segundo, a reflexão do que se propõe à luz das propostas do Dolz. Temos pela frente o desafio de trazer às professoras a questão importantíssima que é a de traçar as condições didáticas de produção de texto. Vou anexar uma proposta de pauta que trabalha este conteúdo. Vocês não precisam mudar sua pauta, sigam a seqüência que pensaram, mas considerem este conteúdo para as próximas pautas.
Fico ainda com uma questão: estas coordenadoras realizam encontros com as professoras? Que apoio elas têm recebido para isso? Nestas duas pautas, não consta nada sobre isso. Por favor, me contem como está esta situação para que possamos, juntas, pensar em algo rapidamente.
Ficha técnica
Programa Além das Letras
Coordenadora: Beatriz Gouveia
Consultora: Débora Rana
Responsabilidade Técnica: Instituto Avisa Lá
Realização: Secretaria de Educação e Cultura do Município de Sinop – MT
Av. das Embaúbas no1368 – Centro
Sinop – MT. CEP: 78550-000
Tel.: (66) 3511-1924
E-mail: semecel@sinop.mt.gov.br
Secretária de Educação e Cultura: Rosa Oliva de Almeida
Coordenadoras e Educadoras da equipe pedagógica: Rosangela Trevisan de Oliveira Gluzezak e Terezinha Daltoé
Para saber mais
Livros
- “Escrever é preciso”, Rosaura Soligo, in Cadernos da TV Escola. Português. Volume 2. Ministério da Educação – Secretaria de Educação à Distância. Brasília. 1999.
- PROFA – Programa de Formação de Professores Alfabetizadores. Rosaura Soligo (org.). Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC, 2001.