A presença da arte no cotidiano das creches e escolas é muito importante. Essa afirmação tem sido bastante reforçada e nos parece inegável. Crianças que estão expostas às diferentes linguagens expressivas em um ambiente enriquecido diariamente pela arte podem ser melhores conhecedoras e apreciadoras das manifestações artísticas. Ampliam suas possibilidades de expressão e representação do mundo através de uma produção mais cultivada.
O contato sistemático com diferentes informações das artes visuais possibilita um olhar interessado, cuidadoso, mais apurado, enriquecendo o repertório na área.
Na exposição mais recente das obras de Monet no Masp, podia-se ler uma frase do artista sobre seu privilégio pessoal de ter em casa outras obras de arte: “são elementos cotidianos para a educação do olhar.”
Uma seqüência de atividades de arte, por exemplo, pode possibilitar; contato sistemático com boas imagens ao apresentar às crianças alguns produtores de arte e suas obras; privilegiar as aprendizagens dos procedimentos específicos de cada linguagem, considerando a faixa etária do grupo.
Um bom trabalho com arte possibilita avanços no traçado, no tratamento das formas, na representação de imagens e na ocupação do suporte pelas crianças. E no decorrer do semestre o espaço da instituição pode ser marcado pela beleza inigualável das produções infantis, para a alegria dos apreciadores.
(Beatriz Gouveia, professora, 1999)
Orientação didática*:
– “É aconselhável que, por meio da apreciação, as crianças reconheçam e estabeleçam relações com o seu universo, podendo conter pessoas, animais, objetos específicos às culturas regionais, cenas familiares, cores, formas, linhas, etc…”
– “É aconselhável que as crianças realizem uma observação livre das imagens e que possam tecer os comentários que quiserem, de tal forma que todo o grupo participe. O professor pode atuar como um provocador
da apreciação e leitura da imagem. Nesses casos, deve acolher e socializar as falas das crianças.”
*Referencial Curricular Nacional de Educação Infantil; artes, pag. 103; MEC, 1998
Nikki de Saint Phalle
Niki de Saint Phalle em frente à grande fonte onde se encontram algumas de suas obras, Centro Pompidou, Paris.
Niki de Saint Phalle (Marie-Agnès Falde Saint Phalle) nasceu em Neuillysur-Seine, na França, em 29 de outubro de 1930. Viveu entre a França e os Estados Unidos trabalhando como modelo fotográfico, estudando teatro e música até 1953 quando abandonou tudo para dedicar-se a pintura. Bastante influenciada por pintores norte americanos como Jackson Pollock e Jasper Johns além de outros como Gaudí, Duchamp e Dalí, passa a produzir uma vasta obra.
Seu estilo, entendido por muitos como espontâneo e infantil, caracteriza a figuração rústica, repleta de paisagens fantásticas, castelos, monstros, animais, meninas, noivas. Pouco realistas, seus temas remetem, através dos símbolos e mitos, a feminilidade, a sexualidade e a morte. Dentre as principais marcas de sua obra encontramos as nanás (moças), representações bidimensionais em serigrafia ou tridimensionais em enormes esculturas que podem ser visitadas pelo interior, como os brinquedos dos parques de diversões. Também os alvos e as inúmeras serpentes coloridas.
A temática de Niki bem como o tratamento que ela dá à obra seduz o
olhar das crianças que se encantam, como os adultos, com as imensas
esculturas (algumas chegando a mais de 22 metros de altura) a desproporção e a simplificação das figuras, as cores fortes e as pinceladas marcantes. Muitas de suas esculturas estão em alguns parques e outros lugares públicos, sendo os mais famosos “Jardim do Tarô”, um parque na Itália e a fonte de Nièvre, feita em parceria com Tinguely atendendo a encomendada do presidente François Mitterrand.
Há ainda, esculturas originalmente pensadas para as crianças como O “El Golem”, casa em forma de monstro equipada com três línguas gigantes que servem de escorregador num parque em Jerusalém, e uma enorme árvore serpente de 5,5 m de altura feita para um hospital infantil em Long Island.
Para saber mais:
- Catálogo da Exposição de Niki de Saint Phalle, ed. Pinacoteca, São Paulo,1997…
“É que a mulher virou um pássaro”
A professora Adriana Fiorini, da escola Mopyatã*, apresentou aos seus alunos de 3 a 4 anos algumas das obras de Niki de Saint Phalle.
Depois de espalhar imagens pelos vidros e painéis de sua sala, criando um suspense sobre o que estaria por vir, ela trouxe um projetor de slides:
as crianças brincaram com as projeções gigantes das obras da artista.
A seguir trechos de seu diário e desenhos das crianças:
…As crianças foram chegando e a imagem da “Grande Naná” logo lhes chamou a atenção: – Olha, um quadro de mulher, um homem e uma cobra colorida! – disse Leon.
– Essa cobra é uma gente – retrucou Felipe.Coloquei outro slide, “Dolores”.
Pedro – Essa a gente tem!
Mariana – É uma mulher gorda de saia curta
Felipe -É uma mulher peituda!
– Essa mulher apareceu na parede e no vidro da nossa classe. – disse
Dudi, lembrando-se dos dias anteriores em que espalhei essas imagens
pela sala.
– Não vai dar para mamar no peito.
O dela é muito lisinho, acrescentou Lucas, fazendo alusão talvez a relação bidimensional/tridimensional. Mudei o slide para “Pássaro Apaixonado” e as crianças continuaram apreciando e fazendo comentários sobre as obras:André – Parece um pássaro.
Felipe – É um tucano bundudo.
Leon – É parecido com o outro slide.
– Por que? – perguntei.
– É parecido com o jeito. – respondeu Leon, reparando no estilo da artista.
– É que a mulher virou um pássaro.- disse Gabriel.
* Colégio Mopyatã – Educação Infantil,
Av. Giovanni Gronch, 4000; Morumbi,
São Paulo, SP, 05724-000,
www.mopyata.com.br
email: mopyata@mopyata.com.br
“Óia a cóba!”
Em Ermelino Matarazzo, na Creche Casa da Criança os pequenos de 2 a 3 anos também apreciaram as obras de Niki usando principalmente o catálogo da exposição da Pinacoteca do Estado de São Paulo. A experiência foi relatada pelas professoras Silvana, Dora e Linda nos seus diários de campo.
… “Continuamos olhando o catálogo e eu pedi que pesquisassem as imagens:
falaram dos bichos, das cobras, das meninas. Kevin se apaixonou pela fonte das Nanás. Gabi preferiu a Árvore da Vida. Por um momento os dois brigaram para defender o favorito mas descobriram, ao observar melhor, o monte de cobras que sempre aparece. Entrei na brincadeira.– Agora vou virar o outro, tá! Será que também vai ter cobra? – Vou virar quando vocês falarem já. – disse para as crianças, ao mostrar o catálogo no centro da roda.
– Um, dô, tê, á! …coba! coba! óia a cóba!
Viramos várias páginas e realmente apareceram muitas cobras. Eles gritavam de alegria e surpresa. Vinham para o meio da roda colocar a mão no catalogo dizendo que a cobra ia morder: Aproximavam o dedinho e Ah!, afastavam rápido, fingindo medo. Cobras lindas, coloridas, estampadas de vários jeitos…”Na seqüência, ainda fizeram desenhos usando os alvos como intervenção1 no suporte papel (sulfite grande).
1 Os alvos nos desenhos do Tomás foram feitos pela professora como
uma interferência, com o propósito de estimular e desafiar as crianças a produzirem garatujas diferenciadas, explorando e ampliando as possibilidades desse tipo de grafismo.
Para saber mais:
- Catálogo da Exposição de Niki de Saint Phalle, ed. Pinacoteca, São Paulo,1997