O olhar dos pequenos para a escola

SILVIA HELENA MIHOK FUERTES E ANA PAULA SERIGATTI DE OLIVEIRA¹


CRIANÇAS DE CINCO ANOS PRODUZEM FÔLDER INFORMATIVO SOBRE A ESCOLA MARCANDO, ASSIM, SUA SAÍDA PARA UMA NOVA FASE DE ENSINO


As crianças envolvidas nesse projeto entraram na escola com aproximadamente cinco anos e estavam finalizando uma etapa importante da Educação Infantil, que representa o fechamento de um ciclo e a transição para uma nova fase da vida. Para marcar esse momento, exploramos a ideia de olhar para o percurso trilhado e o já aprendido, disponibilizando-se para o novo, pois, no ano seguinte, todos iriam para uma escola maior, começando uma nova história. Nesse contexto, pensamos em diversas possibilidades para que as crianças deixassem algo produzido por elas, como “uma marca na escola”. Pensamos em várias alternativas, porém observávamos que todas as semanas, quando recebíamos visitas de pais novos para conhecer nosso espaço, as crianças do G5, espontaneamente, faziam comentários para os visitantes, compartilhando suas impressões e preferências por determinados lugares da escola, como: “Oi, aqui é minha sala, pode entrar. Este desenho fui eu que fiz. A gente tá estudando alguns animais”; “Esta escola é muito legal! Tem a Rô, que é a nossa cozinheira, que faz uma comida muito gostosa. E o Fufo que é nosso coelho”; “O Berçário é lindo! Tem cama e bichinhos tão fofos!”. Percebemos então uma direção para o nosso trabalho, um caminho que partia da escuta das entrelinhas dessas frases. Estavam lançadas as sementes de um novo projeto do grupo.


1 Silvia é coordenadora pedagógica na Escola Primeira – São Paulo (SP) e Ana Paula foi a professora que desenvolveu o projeto. Também participaram André Papineanu (atelierista), Lívia Burani (documentação pedagógica) e Carolina Martinelli (professora de música).

Envolver crianças pequenas em situações contextualizadas e significativas de escrita é um desafio para todos os educadores. Assim, embasados pela teoria construtivista de aprendizagem, respeitando as hipóteses de escrita das crianças e acreditando em seu protagonismo, propusemos aos nossos alunos do G5, que estavam se despedindo da escola rumo ao primeiro ano, que contassem para os pais das crianças novas como era a Escola Primeira. Esta apresentação seria feita por meio da elaboração e confecção de um novo fôlder da escola.

Nosso objetivo era de que as crianças, ao longo do trabalho, pudessem:
♦ vivenciar um ritual de passagem que deixasse uma marca com a história dos processos vividos durante esse ciclo da Educação Infantil;
♦ explorar diferentes linguagens gráficas: fotografia, desenho e escrita;
♦ participar de situações contextualizadas de leitura e escrita tendo em vista um produto final com função social;
♦ conhecer textos informativos e biográficos;
♦ produzir um trabalho que ficasse na escola como uma memória do primeiro grupo a concluir o G5.

Muitos caminhos foram percorridos…

As crianças ficaram animadas com a proposta e começaram suas investigações: O que seria um fôlder?

Fizemos uma seleção de diversos materiais para que pudessem manuseá-los. Ao verem os modelos trazidos, perceberam que, no fôlder, havia fotos dos espaços das escolas, endereço, telefone e, depois de conversarmos, concluíram que:

“No fôlder tem o site, as informações da escola, o horário de funcionamento…” e que “O fôlder serve para a gente saber como é a escola”.

Partimos então para a escolha dos espaços e fizemos um passeio pela escola. Escrevemos uma lista dos ambientes que queriam apresentar no fôlder e fomos, um a um, fotografá-los, para em um momento seguinte, com prancheta, lápis e papel em mãos, desenhá-los. Foi um grande desafio representar cada ambiente com os detalhes observados, pois as crianças foram minuciosas em seu olhar.

Após algumas semanas, finalizados os desenhos, entramos em outro questionamento: O que contar sobre esses espaços? Para isso, retomaram e compartilharam suas vivências, selecionando então quais informações gostariam de registrar no fôlder.

Propusemos que escrevessem essas informações e eles mergulharam, com grande interesse e motivação, no desafio da escrita desses textos.

Durante muitas semanas, o trabalho foi intenso. As crianças puderam vivenciar diferentes situações de aprendizagem e consequentemente ampliar seus conhecimentos nas diversas áreas de conhecimento.

Nas aulas de Música, em várias ocasiões, as crianças tiveram a oportunidade de compor uma espécie de “canção de despedida”. Em versos, puderam explicitar desejos, angústias, lembranças, vivências, fatos marcantes e a saudade desses espaços tão queridos e acolhedores.

Em determinado momento, as crianças entrevistaram os funcionários da escola para saber sobre suas funções, como também a diretora, para conhecer um pouco mais sobre a história da Primeira: Por que ela quis abrir uma escola? De quem foi a ideia do nome? Quem inventou o logo?


2 Psicolinguistas argentinas, partem da concepção de que a aquisição do conhecimento se baseia na atividade do sujeito em interação com o objeto de conhecimento e demonstraram que a criança, mesmo antes de chegar à escola, tem ideias e formula hipóteses sobre o código escrito, descrevendo os estágios linguísticos que percorre até a aquisição da leitura e da escrita.
3 Em: Ensinar ou aprender a ler e escrever?, de Francisco Carvajal Perez e Joaquim Ramos Garcia (Organizadores). Porto Alegre: Artmed, 2001. p. 17.

Selecionaram as informações que gostariam de registrar no fôlder e mergulharam no desafio da escrita dos textos informativos sobre a escola.

Na área da alfabetização, as pesquisas psicogenéticas de Ferreiro e de Teberosky² (1979) destacam que:

as crianças pequenas iniciam a aprendizagem da língua escrita nos mais variados contextos reais, contextos letrados em que aparece a escrita e ela é usada cotidianamente como objeto social e cultural. E estes são os contextos de aprendizagem em que os pequenos aprendem por interação com o objeto de conhecimento (a escrita) e por sua relação com outros sujeitos alfabetizados em situações sociais em que tem sentido ler e escrever.³

Partindo desses pressupostos teóricos, as crianças escreveram uma versão de acordo com suas hipóteses de escrita, que foi revisada pelo grupo (revisão de aspectos discursivos e alguns aspectos notacionais) e colocada no “superfôlder” (um fôlder maior que foi sendo construído ao longo do processo).

Falando sobre… quem somos nós!

As crianças fizeram seus respectivos autorretratos e autobiografias, nas quais contaram suas características marcantes e preferências. Nesse momento, a professora atuou como redatora, pois, dessa forma, foi possível focar mais no conteúdo do texto, naquilo que realmente queriam comunicar.

Prepararam um “superfôlder” com as escritas originais e montaram no papel kraft antes de chegar ao projeto final que foi enviado a uma gráfica.

Todo o processo de trabalho das crianças foi apresentado durante a nossa Mostra Cultural que aconteceu em novembro e reuniu todas as famílias da escola.

As crianças contaram um pouco sobre o processo de produção do fôlder e fizeram a distribuição dos exemplares impressos.

Considerações finais

Este é um projeto que merece ser compartilhado com outros educadores, pois evidencia o trabalho de alfabetização realizado na escola que acredita que aprender a ler e a escrever faz parte de um longo processo ligado à participação das crianças em práticas sociais de leitura e escrita.

Aprender a ler e escrever são fatos relevantes, funcionais e significativos quando aquilo que lemos e escrevemos tem uma finalidade, um sentido e responde às necessidades funcionais e aos interesses e às expectativas dos alunos, e quando sua conquista é resultado de uma atividade compartilhada e negociada entre aluno e professor em uma escola participativa, cooperativa, flexível, integradora e democrática, que possibilite o encontro e o contato cotidiano com diferentes textos e a interação entre colegas.4

No entanto, mais do que lidar com os desafios da escrita, esse foi um momento muito rico para as crianças, pois puderam relembrar fatos vividos, experiências marcantes, projetos significativos, professores e amigos queridos, enfim, um resgate de memórias dos anos vividos na Primeira e de fechamento de um ciclo importante. Com muita determinação e alegria nossos pequenos escritores venceram os desafios propostos e mostraram-se preparados para enfrentar as etapas que virão.


4 Em: Ensinar ou aprender a ler e escrever?, de Francisco Carvajal Perez e Joaquim Ramos Garcia (Organizadores). Porto Alegre: Artmed, 2001. p. 24.
Posted in Revista Avisa lá #65.