Desenho misturado: Ideias sobre o percurso criativo

MARIA TERESA VENCESLAU DE CARVALHO¹


DESENHAR SE APRENDE COM A PRÁTICA, O EXERCÍCIO DO PENSAMENTO, A TROCA ENTRE PARCEIROS E ATÉ COM UMA BRINCADEIRA CRIATIVA


“Se a gente sabe pensar, a gente sabe desenhar”

Esse é o princípio defendido pela artista plástica Ana Teixeira, quando convidada a falar sobre uma brincadeira de desenhar que realiza com crianças para estimulá-las a criar de modo autoral e significativo. Se elas estão com dificuldades para elaborar algo novo ou diferente do que fazem, podem receber uma ajuda que não as limita, mas expanda sua percepção e formas de se expressar. Por exemplo, se uma criança quer desenhar um urso, é bom que ela pense em um urso, “mergulhe” no urso, sinta o cheiro do urso, pense que ele é grande, raivoso etc. É interessante ficar um tempo conversando sobre o urso e, então, quando a criança abre os olhos, as mãos só vão obedecer à cabeça.

Para a artista, o desenho não tem necessariamente de representar alguma coisa. Ele pode ser apenas expressivo, um momento pessoal de movimento. Mas se há o desejo de fazer algo especifico, pensar sobre é uma estratégia significativa.


1 Formadora instituto Avisa Lá e editora assistente da revista.

A brincadeira de “desenho misturado” é outro caminho utilizado para estimular a criatividade, soltar os traços e movimentos sobre o papel de maneira livre. Ao longo de sua experiência com crianças em ateliês de diferentes instituições escolares utilizou essa estratégia também na formação de professores.

Este é um jogo no qual cada participante tem de escolher uma cor com a qual desenhará durante todo o processo. Assim explicou uma das crianças com quem faz esse desenho compartilhado:

Não pode trocar enquanto está desenhando, aí marca tempo ou não, aí quando uma pessoa fala troca, a gente vai trocando o desenho. Por exemplo, o Bruno começou fazendo uma bola, eu comecei fazendo risco e a Ana começou a desenhar um quadrado, aí troca: o Bruno vem pro meu, eu vou pro da Ana e ela vai pro do Bruno. Depois que a gente acha que já tá bom, quando já desenhou bastante, a gente começa a colorir.

Ana acredita que não existe desenho livre, como se fosse possível querer e sair desenhando sempre. Um desenho não surge do nada. Precisa ser estimulado de modo significativo, porém não é isso que se vê nas escolas:

Tem essa coisa do desenho ser travado na escola, tem que apagar, tem o certo e errado, aí é aquele trabalho para conseguir desconstruir. Porque não tem certo e errado, o desenho é uma invenção da realidade, não é cópia da realidade. E aí, brincar com eles, juntos, é um jeito de desenhar.

Intervir ou não no desenho da criança é outra questão que se apresenta, principalmente pelos professores. Interferir nunca, mas participar sempre. Interferir a ponto de falar: Não vai pôr uma cabeça nessa criatura? ou Nossa, para que fazer isso? Mas participar do desenho, sem julgar, fazer uma ou outra pergunta instigante, oferecer um material que pode ser mais adequado para o tipo de trabalho. Sempre é possível participar para dar mais confiança às crianças em relação às suas capacidades.

Ana Teixeira

(Caçapava, SP, 1957)

Artista, formada pela ECA – USP, e mestra em Poéticas Visuais pela mesma Universidade. Seu trabalho transita por diferentes meios, com interesse particular pelo desenho, instalações, intervenções urbanas, fotografia e vídeo.

Têm participado de diversas mostras e projetos de residência artística no Brasil e no exterior, ministra cursos sobre arte contemporânea e, no momento, finaliza seu primeiro livro infantil.

Seus trabalhos podem ser vistos no site: www.anateixeira.com

Posted in Revista Avisa lá #65.