Objetos Brincantes para mudar o espaço

DENISE NALINI¹, JOANA D’ARC DE SOUSA LIMA² E SIMONE LUIZINES³


COM FOCO NA BRINCADEIRA, ARTISTAS CONTRIBUEM PARA CONSTRUIR UM AMBIENTE DE QUALIDADE PARA CRIANÇAS, POSSIBILITANDO DIFERENTES EXPERIÊNCIAS LIGADAS À ESTÉTICA, A CORES, AO TOQUE E AO MOVIMENTO.


Um ambiente que se preocupe com uma organização estética e que permita a criança se movimentar, explorar, ser protagonista de suas ações, se encantar e, sobretudo, brincar, garantindo diversos tipos de aprendizagens, o que tem sido para as crianças uma preocupação contemporânea. Ao propor, no espaço da creche, a convivência com elementos visuais e sensoriais variados, como as cores das paredes, vasos com plantas, brinquedos constituídos com materiais alternativos, areias coloridas, toquinhos de madeira, panos, caixas, entre tantas outras materialidades, permitimos o acesso a diferentes experiências e referências estéticas. Dessa forma, as crianças podem criar e manifestar suas individualidades se relacionando intensamente com o ambiente.

Essa foi uma questão que norteou a construção do Projeto Objetos Brincantes. Nele, o principal objetivo foi integrar arte e educação com foco nas experiências pessoais e na reorganização do espaço. A ideia foi apresentar uma arte que ultrapassasse o lápis e o papel para se instalar na brincadeira, no corpo e no espaço.


1 Coordenadora de Projetos de Arte no Instituto Avisa Lá, coordenadora do Pró Saber – SP e doutoranda no Programa de Pós Graduação da FEUSP na área de Psicologia da Educação.
2 Pesquisadora Capes no âmbito de Pós Doutorado em História da Arte Brasileira no Programa de Pós Graduação em História da UFPE, coordenadora do coletivo Sem Título Produções em Arte e Educação e Diretora da Galeria de Arte Janete Costa.
3 Coordenadora do Museu Engenho Massangana/Fundação Joaquim Nabuco – Fundaj e Coordenadora pedagógica do projeto Mala & Cuia – Formação de mediadores culturais para museus e instituições culturais.

As pobres áreas externas

Ao final de um percurso de dois anos de formação dos profissionais de creches da Rede Municipal, foram estabelecidos encontros mensais com professores no museu e visitas aos espaços das creches da rede, realizadas pela equipe de formadores e propositores do projeto. Nesse caminho, um aspecto que nos marcou foi a ausência de objetos para brincar nos espaços externos e internos das unidades visitadas.

Os parques, e principalmente as áreas externas, quando havia, eram áridas, assustadoramente vazias, sem beleza ou encantamento. Foi dessa experiência que nasceu o desejo de modificar essa situação e contribuir para surpreender as crianças e a comunidade.

De lá pra cá, as águas do rio Capibaribe moveram-se, e nossas vidas também. Impulsionadas pela ideia de olhar o entorno sempre em movimento, em deslocamento, erigimos os primeiros pilares conceituais do nosso projeto: experiência e deslocamento. Construiu-se a ideia de voltar o olhar para o lugar de experiência de cada um. O projeto Objetos Brincantes: Arte Contemporânea, Educação Infantil e novas possibilidades de se inventar a vida, foi cerzido por fios cujos pontos de amarras revelam a ideia da convivência com artistas pernambucanos.


4 O Fundo Pernambucano de Incentivo à Cultura (Funcultura PE) é o principal mecanismo de fomento e difusão da produção cultural no estado, e está inserido no Sistema de Incentivo à Cultura (SIC-PE). Implantado pelo Governo de Pernambuco a partir do diálogo com a sociedade civil http://www.cultura.pe.gov.br/pagina/funcultura/sobre/introducao-ao-funcultura/#sthash.i1AxtHL4.dpuf

O artista na creche

Em sua primeira edição aprovada pelo edital de incentivo à cultura de Pernambuco, em 20124, o projeto realizou diferentes ações: três residências artísticas em unidades da Educação Infantil da cidade do Recife; um seminário de formação de educadoras; reuniões com educadoras e gestoras das três unidades, ora todos juntos, ora de maneira separada, com cada grupo em sua creche.

Três artistas pernambucanos foram convidados para contribuir com seus trabalhos, nos quais a ideia de participação, brincadeira e interação fossem reconhecidas, assim como o uso de diversos materiais. O resultado, ao final de dez meses de trabalho foi a construção de obras artísticas que ocupam hoje as áreas externas e os espaços internos dessas unidades educacionais. O programa de residência dos artistas foi composto de duas visitas semanais ao espaço da escola/creche com duas horas de permanência, ou dependendo da dinâmica estabelecida e pré-agendada com a equipe de gestão e coordenação das creches. Eles também podiam realizar as visitas apenas em um dia na semana e permanecer por quatro horas. Esses encontros foram previstos para acontecer durante um mês, perfazendo um total de dezesseis horas de residência, divididas, do ponto de vista conceitual, em dois tempos: o do olhar e o do compartilhar.

Por meio de suas poéticas, esses artistas recuperam o tema da participação e da ludicidade na Arte Contemporânea, questões extremamente caras para a história da arte brasileira5. Junto com eles, foram envolvidos todos os agentes que habitam o espaço escolar: professoras, ADIs6, técnicas pedagógicas, coordenadoras pedagógicas, diretoras das unidades, gestoras da secretaria de educação, funcionárias que dão o suporte na cozinha, limpeza, e, em especial, atenção às crianças pequenas.

Nessa proposta, a educação comparece revelando seus espaços e os sujeitos envolvidos na comunidade e na arte potencializando a produção de trabalhos realizados no e para o espaço das escolas. Uma arte cuja ludicidade e participação alteram os modos de compreender essa manifestação e ao mesmo tempo provocam a Educação Infantil. Essa reflexão foi desencadeada por um seminário formativo, pela produção e oferta de um caderno de textos teóricos e outro de registro para as educadoras grafarem suas experiências pessoais, além da visita dos grupos de cada unidade escolar ao ateliê dos artistas residentes. As visitas foram uma etapa fundamental na construção da ideia de residência e troca.


5 Sobre o tema no âmbito da história da arte, há diversas possibilidades de percurso, contudo, construímos nosso caminho por meio das trajetórias dos artistas Hélio Oiticica e Lygia Clark, que, em meados dos anos 1960, realizaram trabalhos artísticos que potencializavam a dimensão da participação do espectador como realizador da obra do artista. Por exemplo, Lygia Clark constrói os Bichos, objeto articulado feito com placas de metal recortados à semelhança de um origami, contudo, unidos por dobradiças. Para serem obras de arte, esses objetos pediam que o visitante os manipulasse, interferindo, portanto, em sua forma. Assim, a ousadia dessa artista coloca no debate do campo artístico a relação entre objeto e espectador. Hélio Oiticica, muito próximo da artista, ao realizar os seus famosos parangolés irá provocar discussão semelhante e introduzir o termo de incorporação do objeto de arte no sujeito apreciador, transformando este em participador da arte.
6 Auxiliar de desenvolvimento infantil.
7 A Partilha do Sensível, de Jacques Ranciére. São Paulo: 34, 2005, p. 16.

A partilha do sensível

Todas essas fases foram marcadas pela presença dos artistas e, sobretudo, pelas intervenções experimentais propostas por eles para as crianças. Dessa forma, o artista foi desafiado a conhecer o modo de apropriação de conhecimentos das crianças.

Apoiamos-nos aqui nas ideias de Jacques Ranciére (2005)7, cujo sentido diz respeito ao entendimento da arte enquanto processo e convivência com o exercício da polêmica acerca das configurações da vida em sociedade, seus novos recortes e as novas regras que a sustentam. Compreende a arte enquanto uma atividade política. Em suas palavras pode-se apreender:

Partilha significa duas coisas: a participação em conjunto comum e, inversamente, a separação, a distribuição em quinhões. Uma partilha do sensível é, portanto, o modo como se determina no sensível a relação entre um conjunto comum partilhado e a divisão das partes exclusivas (p. 16).

Com base nessas ideias, a força do projeto de formação recaiu, em seu horizonte maior de abrangência, sobre noções conceituais das áreas de conhecimento da Arte, da Filosofia e da História.

A sequência de atividades, pensada em conjunto com todos os participantes do projeto, organizou ações para os professores realizarem com seus grupos. Isso desencadeou modos de brincar e de se integrar ao cotidiano das crianças com uma intencionalidade: ampliar a possibilidade de conhecer e construir experiências com a arte. Em cada unidade, essa sequência se relaciona com a forma, com o material ou com as questões que estão movendo o artista cujo objetivo é familiarizar e criar campos de experiências que envolvam as crianças na obra em construção. Cada residência trouxe consigo um olhar único para os espaços.


8 Localizado em Boa Viagem, zona sul da cidade do Recife – PE.

As sequências

O artista Joelson Gomes realizou suas intervenções na escola de Educação Infantil 14 Bis8. O espaço escolhido foi um amplo parque com área verde, na qual foram implantadas as cápsulas balanços. Essa proposta utilizou a estrutura das árvores e teve suas origens vinculadas à vivência que o artista teve nessa escola. Ele observou que as crianças corriam muito, com liberdade, porque o espaço era amplo e arborizado. Brincavam de pega, subiam e desciam os elevados de concreto que dividiam os espaços, conversavam sobre os pequenos achados da natureza que encontravam, a exemplo dos caminhos de formigas, folhas esquisitas, calangos vagando, entre outros. Pareciam se divertir muito, pois havia um entorno natural rico, largo e amplo para que seus corpos ocupassem de maneira variada os espaços do brincar. Segundo sua narrativa, “havia uma ausência de brinquedos, objetos que estimulassem a construção de mundos e potencializassem a entrega total da imaginação”. Visto isso, Joelson propôs atividades de desenho coletivo no piso da área de entrada do parque com materiais como giz, carvão e pedaços de tijolo que trouxessem à tona as possibilidades de um desenho em qualquer espaço, sem a utilização de mesas, mas com materiais de uso cotidiano, que ganham força nesse fazer coletivo. Depois disso, realizou uma plantação em cerâmicas que formavam a palavra poética tempo9 e finalizou sua obra, denominada Nave/2014, com a construção de naves/cápsulas para o tempo, ou seja, balanços feitos em ferro e espaguete10 que foram inseridos nas árvores do parque.


Joelson Gomes é artista plástico nascido em Vitória de Santo Antão, Pernambuco. Faz parte da “chamada geração 1980” do Recife. Integrou o grupo Corgo com os artistas José Paulo, Mauricio Silva, Rinaldo Silva, Dantas Suassuna e Christina Machado. O que precede o trabalho em argila e cerâmica do artista Joelson Gomes foi e ainda é a pintura e o desenho. Considera-se, contudo, a produção com a cerâmica um procedimento de poética relativamente nova em sua trajetória. Seu repertório pictórico e poético (influência) vem da escola eu ropeia, dos grandes artistas ocidentais. É apaixonado por Chagal e Matisse, aprecia Morandi, Balthus. Dos brasileiros, aprecia o trabalho do artista mineiro Guignard; adora a gravura brasileira, como as de J. Borges, Samico e Oswald Goeldi. No mais, acha que tudo o infl uencia, “a comida que como, as panelas de barro, as paisagens de pedra, todos os sentidos e a paisagem natural”. Joelson tem dialogado com uma narrativa literária que mobiliza muito seu trabalho e dela aparecem desenhos, pinturas, colagens. Produz no âmbito do seu ateliê no Poço da Panela (Recife), construindo livros de artistas, objetos em cerâmica, pintura e desenho.


Mauricio Castro vivenciou o espaço da creche Novo Horizonte11, situada numa área movimentada, próxima a uma praça e a pontos de ônibus que tornam o lugar um espaço de intensa circulação de pessoas. Na escola, observou que as crianças tinham um espaço de parque pequeno, cimentado, sem plantas e com poucos brinquedos disponíveis. As brincadeiras, assim como a fala, não estavam organizadas e pensadas para o brincar.

A creche foi adaptada a partir de uma casa de três andares, tornando o espaço interno apertado. O refeitório, por exemplo, situa-se no corredor entre as salas. Há uma área livre na frente da casa e um pequeno quintal com dois chuveirões para o banho coletivo das crianças. O piso é de cimento. Há um parque pequeno na parte
de trás, com brinquedos de plástico e uma área grande subutilizada no último piso (uma laje) onde, segundo relatou a diretora, eventualmente, armava-se uma piscina de plástico. Foi nesse espaço a céu aberto que o artista, em diálogo com as professoras e demais agentes, apostou na construção de um objeto em ferro de grande dimensão para criar um espaço de convivência, onde plantas pudessem ser cultivadas por crianças e adultos juntos. A obra física é de uma imensa beleza. A depender da apropriação que se faz dela, a mesma se transforma em muitas possibilidades de brincar e conviver. Como um brinquedo não estruturado12. O trabalho foi denominado de Novo Horizonte, em referência ao nome do espaço escolar, mas, sobretudo, pela possibilidade de se ver a paisagem e a linha do horizonte, o que a peça escultórica possibilitou quando foi instalada na cobertura da casa/creche. Nesse processo, o verde, tão ausente dessa unidade, foi o que nos levou a propor a construção de uma parede com garrafas PET para a instalação de uma pequena horta com as crianças. Assim, as famílias foram convidadas a trazer garrafas descartáveis, as quais foram lavadas, usadas para brincadeiras com água e, em seguida, furadas e preparadas para um plantio de vários tipos de sementes com as crianças.


Maurício Castro nasceu no Recife, em 1963. Filho de arquiteto, conviveu na infância com brinquedos (ferramentas de trabalho) que possibilitavam o fazer manual e a invenção de engenhocas. Ingressou, no início dos anos 1980, na Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal de Pernambuco, sem concluir o curso. Nessa época, frequentou cursos abertos de artes e ateliês de artistas. Filiou-se a grupos e a movimentos artísticos de variadas tendências. Expressa-se por meio da pintura, do desenho e da gravura. Posteriormente, experimentou materiais ordinários e inventou objetos e esculturas estranhas ao mundo da arte, distanciando-se dos parâmetros de beleza estabelecidos. O artista atua fomentando espaços coletivos de produção, formação e exibição das artes visuais, como o Ateliê Quarta Zona de Arte (1988); Coletivo Submarino (2000); Espaço MauMau. Atualmente vem produzindo gravuras, filmes de animação e pintura.


9 A proposta do artista de plantio coletivo de trigo sobre peças de cerâmica que juntas formavam a palavra TEMPO, foram criadas a
partir de uma inspiração retirada do livro Lavoura Arcaica, de Raduan Nassar, proposto pelo artista e lido pelos professores. 10 Material plástico muito utilizado na produção de cadeiras no nordeste brasileiro.
11 Na Zona Norte da cidade do Recife

A CMEI13 Mãezinha do Coque, situada na comunidade do Coque, foi a terceira unidade selecionada e se situa numa área da cidade em ampla especulação imobiliária e fácil acesso. O espaço físico é excelente. Uma construção recém-concluída e inaugurada para ser unidade escolar da Educação Infantil, bem iluminada e com boa área, tanto interna quanto externa. Possui uma ampla área na frente, um ótimo pátio entre as salas. O parque, assim como na creche anterior, possui brinquedos de plástico e o piso é de areia de praia.

Em sua passagem pela Mãezinha do Coque, o artista Marcelo Silveira realizou um bate-papo com as educadoras e duas ações experimentais e vivenciais com as crianças, nas quais construiu um projeto que valorizava a intervenção na arquitetura da creche. No seminário de formação, Marcelo expõe sua surpresa ao encontrar um espaço completamente arrumado. Disse que o desafio que tinha nas mãos se assemelhava ao sentimento que o artista sente ao se deparar com uma folha em branco. O que fazer, por onde começar?

Marcelo observou que as crianças tinham espaço favorável para o brincar, contudo, percebeu em suas vivências que elas não se relacionavam entre si porque os espaços eram delimitados sempre por paredes. Observou também que as crianças gostavam de observar seus corpos (uns dos outros) e conversavam sobre histórias que inventavam em suas brincadeiras. Assim, resolveu produzir um trabalho de intervenção no espaço, abrindo portas na altura das crianças para que elas pudessem inventar seus caminhos e construir suas trilhas e suas histórias passando por entre as salas de aulas, refeitório e berçário.


12 Brinquedo que possibilita vários tipos de intervenções e de criação de entretenimento pelas crianças.
13 O programa Primeira Escola objetiva ampliar o número de vagas na Educação Infantil da Prefeitura da cidade do Recife, para atender um maior número de crianças com idades entre zero e cinco anos. Para tanto, os Centros Municipais de Educação Infantil (CMEIs), equipamentos educacionais que funcionam em diversos bairros da cidade, são âncoras desse projeto que atualmente acolhe crianças pequenas, com até cinco anos. Ver mais: http://www2.recife.pe.gov.br/projetos-e-acoes/projetos/programa-primeira-escola-cmeis/#sthash.MoDBMq7B.dpuf

Foi com essa convivência, trocas, encontros e desencontros que o artista propôs uma intervenção radical. A proposta se valeu de sua experimentação no espaço. Por meio da metáfora de Alice no País das Maravilhas e no exercício experimental da lógica do encolher, esticar, diminuir e crescer, Marcelo propõe abrir/encerrar as salas e os espaços da unidade escolar, vazando as paredes e interligando os espaços por meio da inserção de pequenas portas de madeira, pintadas como as portas originais da casa, mas na dimensão da altura das crianças. As mesmas estão ligadas por uma trilha proposta por uma faixa cromática pintada no chão. A ideia é possibilitar situações de vivências do corpo por esses espaços construídos. Uma espécie de desnaturalização dos caminhos ordinariamente praticados no nosso cotidiano. Dessa forma, esse projeto estabeleceu elos significativos entre o que podemos chamar de construção de ambiente estético e educação, e ativou a vivência de experiências estéticas na comunidade. A via para tal foi a abordagem do espaço como sendo ponto de aprendizagem e entretenimento, ampliando significativamente as possibilidades de brincadeiras no âmbito da creche. Evidencia-se também o papel do jogo e da brincadeira nos processos de criação e na definição dos elementos de espaço como linguagem visual lúdica e sensível.

Para tornar possível o brincar, as intervenções de Marcelo Silveira exigiram a sensibilização dos adultos para as diferentes formas de movimentação das crianças. Para isso, foram organizadas duas sequências de atividades. Na primeira, trazer para a convivência com as crianças sua própria obra: esfera, bolas de madeira de diferentes dimensões, trazidas em caminhões e descarregadas por gruas, numa ação que encantou a todos. O empurrar, o correr, o tentar puxar, se encostar e buscar um espaço para se esconder, permitiram a proposição de criação de bolas feitas de papel machê com as crianças, para que essas aos poucos se transformassem em brinquedos, feitos por todos e para substituir a obra trazida pelo artista para alimentar as brincadeiras infantis. Na segunda proposta, o banho público: para brincar com água, bacias, baldes e objetos que possibilitassem o transporte da água e alimentar uma proposição na qual as crianças e o artista entrassem em contato brincando e transformando o espaço.


Marcelo Luiz Silveira de Melo nasceu em 1962, em Gravatá, cidade serrana de PE, no início da região Agreste. Passou a infância no engenho de cana-de-açúcar de seus pais. Considerado um “curioso”, aprendeu desde menino a reinventar “coisas” e soluções para os desafios de sua infância. Em 1978, transferiu-se para a cidade de Recife. Através do desenho e da pintura iniciou sua experiência artística. Em 1985 ingressou no curso de Educação Artística na Universidade Federal de Pernambuco e de lá pra cá vem atuando no território da arte/educação. Nas experimentações artísticas, Marcelo lança mão de uma diversidade de materiais orgânicos ou não. Constrói objetos, esculturas, livros e livros de artistas. Intervém nos espaços públicos e/ou privados, criando estruturas ruídos e fissuras. Seus trabalhos são exibidos em exposições coletivas e individuais no Brasil e no exterior. O artista participou da 29ª Bienal de Artes de São Paulo.


Por fim

O processo todo foi bastante rico e prazeroso. Crianças de quatro meses a cinco anos participaram de ações coletivas propostas pelos artistas, com seus professores, auxiliares e, às vezes, com os pais e toda a comunidade escolar. Foram produzidos cadernos: de registro do professor, de registro do artista e de textos teóricos. Por acreditar na força de potência transformadora da arte na educação é que construímos essa experiência compartilhada.

Concluímos apontando que nossa intenção foi o envolvimento das educadoras/professoras nesse olhar sobre a relação Arte e Educação Infantil. As crianças participaram de ações pontuais propostas pelos artistas, como o caso do banho público proposto por Marcelo Silveira; os desenhos efêmeros de giz, pedaços de tijolos e carvão, sugerido por Joelson, mas continuam a conviver no cotidiano com os resíduos que permaneceram no espaço escolar. As estruturas esféricas, os barcos e chapéus de papéis que se transformaram em papéis molhados e depois em esferas, após a proposta do banho de bacia. Os desenhos são efêmeros, mas deixam marcas no pátio: sensibilizar professoras, ADIs, gestoras, coordenadoras pedagógicas e técnicas da Secretaria Municipal para esse olhar integrado e para a potência de um fazer arte junto com artistas e agentes escolares. O que permanece é o desejo de que mais professores e artistas possam olhar essa relação profícua e contínua entre arte, educação e novos modos de conviver.


Relatos de professoras

“Recebemos um e-mail marcando a data do encontro de Marcelo com as crianças e informando que a proposta de trabalho seria um banho de mangueira, bacia e brincadeiras com barquinhos de papel que seriam confeccionados, com antecedência, por nós, e na hora por ele. A construção, bem como outras atividades com música, poesia e histórias, foi desenvolvida junto às crianças. No entanto, nenhum de nós alcançou, dentro das nossas limitações, de início, o princípio criador e a fruição estética da proposta, já que nossos pensamentos estavam voltados para esferas, portas e labirintos, e nada se ligavam à água e seus portadores, muito menos aos barquinhos. (…) A interação de Marcelo com as crianças foi realmente fantástica na hora da atividade. Os barquinhos de papel molhados e rasgados se transformaram em bolas de vários tamanhos pelas mãos do artista, observado e ajudado pelas crianças, que estavam mais próximas e pela coordenadora do projeto. Após a atividade, entendemos que o desdobramento do trabalho com os barquinhos consistia em utilizar as bolas resultantes da brincadeira, acrescida de novos papéis e materiais em desuso, de forma que chegassem ao tamanho das esferas do artista, expostas no CMEI e que as originais fossem sendo gradualmente substituídas pelas construídas.

Em um processo de construção coletiva, com participação de educadores, alunos e artista, essa construção resultou na construção de nove esferas de papel para substituir as esferas de madeira. Estas, ainda ocupam espaços nas salas de aula e no pátio interno, onde as crianças criaram alternativas de passagem e ao mesmo tempo desafios, em que subir, sentar, ficar em pé, passar de uma para outra, transformá-las em cavalinho, escorregar e empurrá-las tornaram-se atividades cotidianas.”

Claudia de Vasconcelos, gestora do CMEI Mãezinha do Coque.

Relatos de professoras

“O Projeto Objetos Brincantes, desenvolvido na EMEI 14 Bis, criou um estreito diálogo entre a educação e a cultura. As crianças se envolveram e participaram  ativamente das vivências propostas pelo artista e, com um gestual largo e solto, criaram desenhos efêmeros, porém, cheios de traços marcantes e reconhecidamente repletos de significado. A novidade para elas foram os diferentes materiais utilizados, como o carvão e o tijolo, que aguçaram a curiosidade por serem elementos tão diferentes e em tamanhos muito maiores. O que para a maioria das crianças foi uma experiência nova e muito agradável.

Em sala de aula, o trabalho com recortes, colagens e superposições de imagens encantava a todos pela participação das crianças, pelo entusiasmo do artista plástico e pela interação das professoras que participaram da oficina de arte. Um novo olhar sobre a arte se deu no aporte de balanços em árvores da escola, como se fossem instalações pendulares, bem como a fixação de suportes de argila vazados com as letras que formavam a palavra tempo. Preenchidas em seu interior com sementes de rúcula, plantadas com esmero e muito cuidado pelas crianças que, posteriormente, aguavam e cuidavam das plantas fazendo indagações sobre quando nasceriam.

Enquanto educadora, observo que, através de projetos como esse e de um contato maior com obras de arte por meio de olhares sensíveis e contemplativos, a curiosidade – tão peculiar nas crianças – aflora a cada momento, bem como o encantamento pelo novo que se descortina. O aluno deixa de ser apenas um apreciador e passa a ser também autor de sua obra.”

Jupira Ferreira de Souza
Especialista em Arte/Educação pela Universidade Católica de Pernambuco – UNICAP

Posted in Revista Avisa lá #61.