Amigos Leitores

SIRLENE APARECIDA DA SILVA BARÃO E ALDA MARIA S. GAZOLA¹


PARCERIA DE LEITURA EM QUE ALUNOS DE 5O ANO LEEM PARA OS DE 2O ANO CONTRIBUI PARA A FORMAÇÃO DE COMPETÊNCIAS LEITORAS.


O projeto Amigos Leitores, uma parceria entre as crianças de 5o e 2o anos, surgiu da necessidade de se intensificar o trabalho de leitura dos mais velhos que necessitavam avançar nessa capacidade. Iniciamos um estudo em ATPC² que nos apontou a necessidade de planejar novas propostas de leitura que contribuíssem para ampliar a fluência leitora desse grupo de alunos mais velhos.

A leitura em voz alta realizada pelo professor já era uma prática presente na rotina semanal de todas as turmas, pois sempre acreditamos que o professor é um modelo de leitor para os alunos e, consequentemente, pode contribuir muito para a formação desse hábito. Como diz Delia Lerner³, “[…] Ler em voz alta deve ser uma oportunidade a mais para ler, não uma situação escolar privilegiada ou de avaliação. Para que isto aconteça, as situações de leitura em voz alta devem ser práticas carregadas de sentido, com propósitos claros e destinatários reais”.


1Sirlene é professora do 5o ano e Alda é professora e coordenadora da EE Profª Maria de Lourdes Beozzo Franchi, de Americana (SP).
2Sigla para Aula de Trabalho Pedagógico Coletivo (ATPC).
3O real, o possível e o necessário, de Delia Lerner. Porto Alegre: Artmed, 2002, p. 61.

Além da leitura inicial, também propusemos a realização de leitura individual pelos alunos, momentos em que eles tiveram a oportunidade de ler, compartilhar suas impressões e opiniões sobre os textos lidos em roda da conversa.

A importância da leitura em voz alta

Sabemos que ler em voz alta é uma prática que exige várias competências. O leitor, além de ser capaz de decodificar as marcas gráficas do texto e construir para elas um significado, precisa atribuir sentido aos códigos lidos para que a leitura cumpra a função de comunicar o texto a algum ouvinte.

“[…] Se os alunos têm a oportunidade de ter acesso a um trabalho sustentado, de leituras e releituras; se podem resolver desafios e se os orientamos para que construam os conhecimentos necessários – por exemplo, a estabelecer relações entre situações e saberes para consolidar o aprendido e reutilizá-lo –, os ajudamos a participar ativamente da cultura escrita4.”

Com base nesses saberes, vimos como ótima a proposta didática de tornar crianças de 5º ano mediadoras de leitura. Ler para outro traz à tona a necessidade de dialogar com os interesses, saberes
e representações dos ouvintes; traz também a necessidade de pensar em como envolver e captar a atenção do outro, empenhando-se para realizar o ato da melhor forma possível. Além disso, essa parceria já tinha se mostrado muito produtiva entre os dois segmentos quando os alunos do 5º ano ajudaram os do 2º ano a montar uma caixa para ser usada como depósito de lixo em um projeto sobre meio ambiente desenvolvido na escola, gerando prazer e interesse nos alunos maiores.

Tornando-se bons leitores

Esse projeto foi desenvolvido em duas etapas. A primeira consistia na leitura de gibis, que são um portador textual que todos os alunos de 5º ano tinham maior proximidade. Assim, imaginamos que, sobretudo os alunos maiores que ainda não apresentavam uma leitura fluente, se sentiriam mais seguros ao realizar a leitura para os menores. Na segunda etapa, a mediação de leitura foi realizada utilizando-se textos da esfera literária do acervo5 do 2º ano, o que também avaliamos que traria desafios diferentes aos mais velhos.

Em conversa com os alunos do 5º ano, apresentamos o projeto e compartilhamos a proposta de leitura de gibis para os do 2º ano. Após uma breve discussão, ficou decidido que eles escolheriam um gibi para fazer a atividade.

Depois de selecionar os gibis, os alunos se prepararam em casa para a leitura que realizariam para os alunos menores. Assim, tiveram a oportunidade de se familiarizar com o texto que seria lido e até de ensaiarem “em frente ao espelho”, como alguns contaram.


4Idem, p. 66.
5Acervo de livros do programa Ler e Escrever, SEE (SP).

Leitura provocando interações

Após a primeira atividade de leitura no pátio da escola, fizemos uma roda de conversa. As crianças relataram e descreveram suas impressões sobre a atividade e na sequência foram convidadas a produzir uma escrita contando a experiência de ler para os menores, escrevendo um breve relato da experiência vivida. Num segundo momento, a turma selecionou novos gibis e preparou a leitura para os pequenos. A intenção ao repetir a atividade foi justamente a de fazer com que os alunos do 5º ano ficassem mais à vontade no papel de leitores para participar, com maior autonomia e segurança, da 2ª etapa do projeto.

Assim, reuniram-se novamente em duplas no pátio e na praça interna da escola para realizar a leitura. Da segunda vez, observou-se que alguns alunos do 2º ano “se apossaram” dos gibis e viraram o jogo. Por iniciativa deles, passaram também a ler para os alunos do 5º ano, surpreendendo a todos, inclusive os próprios professores que, naquele momento, perceberam o quanto a atividade estava sendo significativa para as duas turmas.

Em seguida houve o registro da experiência de leitura na qual os alunos do 2º ano teceram comentários sobre a atividade realizada e ditaram para as turmas do 5º ano. Desta vez, eles foram os escribas:

Cuidadosa preparação

Para iniciar a segunda etapa do projeto, recuperamos a atividade de leitura de gibis realizada na etapa anterior, utilizando o registro escrito elaborado pelos alunos do 5º ano ao final da 1ª parte do projeto. Depois disso, resgatamos os livros que eles mais gostavam de ler quando eram menores, solicitando que manuseassem o acervo do 2º ano. Organizamos uma roda explicando a nova etapa. Relembrando a atividade anterior, lançamos a ideia de que eles fossem mediadores utilizando livros de histórias.

Foi proposto aos alunos que escolhessem o livro que mais gostariam de ler para os menores, pois consideramos que: “Cada texto escolhido, cada leitura feita, cada sessão de comentários, cada realidade criada, converge para a formação de leitores atentos, curiosos, interessados e interessantes”6.

A leitura do livro selecionado do acervo foi realizada de forma individual e em duplas, para relembrarem a história. Também foi organizada uma roda de conversa para comentarem as histórias e fazerem a indicação literária.


6 Quem conhece pode escolher melhor: A importância de bons livros para crianças, de Maria Virgínia Gastaldi. São Paulo: Revista Avisa Lá, no 7, julho/2001.

Dentre os livros selecionados e lidos pelos alunos individualmente, a classe escolheu e indicou três títulos para serem lidos pela professora para toda a turma. Dentre os três, elegeu-se um. Durante a leitura, chamamos a atenção dos alunos para que observassem os procedimentos e comportamentos leitores utilizados. Após a leitura do livro, solicitou-se que os alunos registrassem como havia sido o procedimento em relação à entonação de voz, ao ritmo, ao manuseio do livro, à postura corporal, às expressões faciais etc., o que também acabou gerando uma ótima conversa e oportunidade para socialização de seus saberes.

Em seguida, socializamos os registros produzidos pelos alunos e, com a ajuda da turma, elaboramos um cartaz chamado de “Procedimentos de um bom leitor”, que serviu de apoio para o momento em que os alunos do 5º ano preparavam a leitura para os alunos menores.

Dicas para boa leitura

♦ Mostrar ilustração
♦ Comentar sobre a história
♦ Esclarecer o que o ouvinte não entendeu
♦ Ler o título
♦ Ler o nome do autor
♦ No meio da leitura fazer “paradas” quando necessário para criar um suspense

Duplas para ler melhor

Durante essa atividade, os alunos organizados em duplas realizaram a leitura do livro escolhido, apoiados nas orientações do cartaz produzido anteriormente. Assim, puderam se preparar para a leitura que realizariam para os alunos do 2º ano, ao mesmo tempo em que desenvolviam procedimentos e comportamentos leitores.

Esse momento, em particular, teve como finalidade a constituição de proficiência para ler textos literários – compreender o que ele diz e a forma como diz – de maneira a realizar sua leitura para além da superfície do que é relatado. Uma competência fundamental quando se tem apor objetivo a formação do aluno leitor.

Importante considerar, também, que ler cotidianamente não é uma prática que nasce espontaneamente,
ela precisa ser ensinada. Além disso, ler em voz alta e para o outro requer uma habilidade específica que considera as características particulares dos mais variados gêneros literários.

Os professores estiveram atentos aos procedimentos dos alunos durante o trabalho nas duplas, circulando entre elas e fazendo algumas intervenções: solicitando que relessem um trecho do livro, pedindo que fizessem comentários, dando algumas dicas, chamando atenção para a forma como estavam lendo, cuidando da entonação, ritmo e mesmo sugerindo algumas paradas para criar um certo suspense, respeitando a pontuação etc.

Quartetos preparatórios

Para esse ensaio foi fundamental pensar nos agrupamentos de alunos: enquanto um lia, outros três observavam e registravam o processo.

Após essa leitura, os alunos trocavam impressões e davam dicas que, acreditavam, poderiam contribuir para uma leitura de melhor qualidade, mais clara, e que pudesse envolver os colegas do 2º ano.

Vale ressaltar que nessa troca de impressões, eles se respeitaram e fizeram suas colocações de forma a contribuir com os colegas para o momento de leitura.

No dia do encontro, os alunos organizaram no pátio os espaços de leitura para que os menores do 2º ano pudessem escolher o livro de que desejariam ouvir a história. Ao contrário do que acontecia nos primeiros contatos entre as turmas, os alunos menores escolheram a história que queriam ouvir sem saber quem leria para eles. Dessa forma, as crianças utilizaram como critério de escolha o próprio livro e não mais as afinidades afetivas que haviam estabelecido com os colegas maiores. Assim, os alunos foram chamados a colocar em jogo suas preferências de leitores ativos: capa de que mais gostavam, autor, gênero, ilustrador etc.

Para registrar esse encontro, os alunos do 2º ano novamente relataram a experiência de participar de uma roda de leitura para os alunos do 5º ano, que, como na etapa anterior, atuaram naquele momento como escribas. Nessa atividade, os alunos dos 2º ano fizeram comentários e trocaram impressões sobre a experiência de leitura envolvendo os alunos maiores. Esses registros foram socializados para toda a escola.

Logo após todas essas etapas, houve uma roda de conversa onde os alunos foram convidados a fazer uma avaliação do projeto Amigos Leitores.

Os alunos foram solicitados a contar sobre o que mais haviam gostado no projeto, o que haviam aprendido durante o processo e o que poderia melhorar.

Seguem alguns dos depoimentos:

– No começo do ano eu não lia muito bem em voz alta e também não gostava de pegar livros para ler em casa, depois do projeto comecei a gostar tanto de ler que peguei o livro mais grosso da caixa de minha sala, o Harry Potter – disse Joan.

– Nesse projeto, além de melhorar a leitura, aprendi a ser solidária com os alunos menores – disse Kelly.

– Eu comecei a prestar atenção em como ler corretamente as palavras – afirmou Túlio.

– Percebi a importância da mudança no tom de voz quando trocava os personagens do texto – compartilhou Adrian.

Algumas atividades de leitura que já faziam parte da rotina dos alunos antes do projeto:


Leitura pelo professor

♦ Bolsa amarela, de Lygia Bojunga. Rio de Janeiro: Casa Lygia Bojunga, 2008.
♦ Leocádio, o Leão que mandava bala, de Shel Silverstein. São Paulo: Cosac Naify, 2008.
♦ Contos tradicionais do Brasil, de Luís Câmara Cascudo. São Paulo: Global, 2004.
♦ Encantamento: contos de fada, fantasma e magia, de Kevin Crossley. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 2003.
♦ Volta ao mundo em 52 histórias, de Neil Philip. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 2005.

Leitura individual pelo aluno

♦ Gibis: Turma da Mônica jovem, editoras Abril, Globo, Panini.
♦ Ciência Hoje, revista mensal de divulgação científica para crianças.
♦ 7 histórias para sacudir o esqueleto, de Angela Lago. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 2002.
♦ Menina bonita do laço de fita, de Ana Maria Machado. São Paulo: Ática, 2011.
♦ Pedro e o Cruzeiro do Sul, de Cléo Busatto. São Paulo: SM, 2012.
♦ Poesia na varanda, de Sonia Junqueira. Belo Horizonte: Gutenberg, 2012.
♦ De carta em carta – Ana Maria Machado. São Paulo: Salamandra 2002.


Com o desenvolvimento do projeto, a atividade em que os alunos leem para os colegas suas histórias preferidas passou a fazer parte da rotina das turmas de 5º ano. Com essa experiência valiosa, conseguimos gerar o interesse pela leitura em voz alta assim como fizemos dela uma atividade atrativa. Outro grande ganho foi constatar a possibilidade de se fazer muitas parcerias entre alunos de diferentes turmas e idades. Essa reorganização gerou várias situações de aprendizagem para todos os envolvidos: alunos e professores precisam dialogar, trocar, fazer negociações, buscar espaços alternativos à sala de aula a fim de garantir parcerias em que todos se sintam parte importante nesse processo. Ao observar, aprender, colocar em prática e valorizar o ato de ler para o outro, alunos e professores ganham confiança e autonomia, ampliando o prazer pela leitura.


O Projeto

Amigos Leitores, uma parceria de leitura entre alunos de 5o e 2o anos.
Produto final: encontros em que alunos do 5o ano realizam leitura para os alunos menores de livros pertencentes ao acervo do 2o ano.
Duração: aproximadamente três meses.

Objetivos

♦ Oferecer aos alunos a possibilidade de serem leitores de narrativas literárias para crianças menores;
♦ Desenvolver os seguintes comportamentos leitores
– Compartilhar com o ouvinte os efeitos que os textos produzem
– Relacionar o texto com outros conhecidos
– Tomar consciência sobre como se lê para outros de forma a contribuir com a fluência leitora
♦ Revisitar acervo do 2o ano como critério para escolha dos livros que serão lidos aos alunos menores
♦ Ler para o outro com a finalidade de encantar, deleitar
♦ Contribuir para o avanço da competência leitora dos alunos incentivando a fluência leitora ao ler para o outro.

Etapas

1ª Etapa: Leitura de gibis (durante um mês, duas vezes por semana)
Atividade 1: Apresentação da proposta de leitura de gibis pelos alunos do 5º ano para alunos menores
Atividade 2: Leitura individual de gibis
Atividade 3: Leitura de gibis no pátio para alunos do 2º ano
Atividade 4: Relato escrito, dos alunos do 5º ano, sobre a experiência de ler para os menores
Atividade 5: Segundo momento de leitura de gibis para os alunos do 2º ano
Atividade 6: Ditado de relato de experiência de alunos do 2º ano para os alunos de 5º ano
Turma do 2º ano dita para os alunos do 5º ano as impressões da experiência realizada na Atividade 5

2ª Etapa: Leitura de livros literários (durante dois meses, duas vezes por semana)

Atividade 1: Roda de conversa. Recuperar a atividade de leitura de gibis a partir do registro escrito elaborado no final da Etapa 1. Nessa roda, resgatar os livros que os alunos gostavam quando eram menores a partir da observação e manuseio do acervo do 2º ano. A professora organiza uma roda explicando a proposta e relembra a atividade em que leram gibi para os alunos do 2º ano, propondo que fizessem o mesmo com livros  de histórias. Propor a escolha do livro de que mais gostassem para ler aos menores. OBS.: informar os alunos que poderiam escolher o mesmo.

Atividade 2: Leitura individual ou em duplas do livro selecionado para relembrarem a história e roda de conversa de indicação – vale a pena ouvir de novo. Nessa atividade a classe indicará três títulos à professora, que selecionará um para preparar a leitura.

Atividade 3: Leitura, pelo professor, de um dos livros indicados para que os alunos observem os procedimentos e comportamentos do leitor.
A professora faz a leitura e solicita aos alunos que a observem e registrem os procedimentos, o que é mostrado e as mudanças na voz.

Socialização dos registros para elaborar um único documento que poderá servir de apoio para o momento de preparo de leitura para os menores.
Oferecimento de algumas dicas do que podem observar.

Atividade 4: Seleção e organização das duplas em função do livro que querem ler para os alunos do 2º ano. Nessa atividade, os alunos devem fazer uma leitura individual tendo como base o cartaz de observação da Atividade 3, para que cuidem dos procedimentos e comportamentos leitores que auxiliam no entendimento do texto.
A professora deverá circular entre os alunos dando dicas de como ler e pedindo para que leiam algum trecho.

Atividade 5: Ensaio em pequenos grupos de quatro alunos.
Nesse ensaio é fundamental pensar nos agrupamentos de modo que um deles leia enquanto os outros três observam e registram o processo.
Troca de impressões e dicas de aspectos que podem melhorar a leitura.

Atividade 6: Leitura para os alunos do 2º ano.
Organização de espaços de leitura no pátio para que os alunos do 2º ano possam escolher o livro que desejam ouvir a história.

Atividade 7: Registro escrito dos alunos do 2º ano sobre a experiência.
Nessa atividade, os alunos do 2º ano ditam para os do 5º ano as impressões e sentimentos provocados pela leitura das histórias, de modo a registrar a experiência que será socializada com os demais alunos da escola.

Atividade 8: Avaliação do projeto com os alunos do 5º ano.
Conversar com os alunos sobre o que mais gostaram no projeto, o que aprenderam durante o processo e
no que podem melhorar.

Posted in Revista Avisa lá #59.