Analisar a escrita para alfabetizar melhor

CLAUDIENE DIAS DA SILVA E SANDRA DA SILVA DUARTE¹


ANALISAR A ESCRITA DO ALUNO É UM IMPORTANTE CONTEÚDO A SER DISCUTIDO NA FORMAÇÃO CONTINUADA DE COORDENADORES PEDAGÓGICOS


  • De volta aos encontros de formação
    do Programa Além das Letras.²
    Nas mãos, a mala com um punhado
    de expectativas.
    Nos olhos, a beleza do reencontro com
    o conteúdo que já fora objeto de reflexão.³
    Das falas, as reflexões que trazem muitos
    autores e coautores.

Apreciar os detalhes é um movimento importante para ampliar o olhar, refiná-lo, de modo que seja possível considerar o que cada pessoa vê. Assim começou nosso primeiro encontro de formação, em 24 de abril de 2013, com o desejo de “tocarmos os corações” das coordenadoras pedagógicas para que elas pudessem enxergar os nossos conflitos e, com isso, buscarmos um desfecho com “final feliz”.


1 Técnicas da Secretaria Municipal de Educação de Ariquemes (RO), formadoras do Programa Além das Letras.
2 Escolas participantes do município de Ariquemes: Aldemir Li ma Cantanhede, Arco- Íris, Chapeuzinho Vermelho, Dr. Dirceu, Profa Eva dos Santos, Ireno Berticelli, Jorge Teixeira, José de Anchieta, Mafalda Rodrigues, Magdalena Tagliaferro, Mário Quintana, Paulina Mafi ni, Prof. Pedro Louback, Pingo de Gente, Prof. Levi Alves Freitas, Prof. Venâncio Kottwitz, Roberto Turbay, Sonho Meu, Ulisses Guimarães, Vinicius de Moraes, Pe. Angelo Spadari e Henrique Dias.
3 Leitura e escrita pelo aluno. A formação com esse conteúdo teve a duração de dois anos, porém o processo de formação já dura cinco anos.

Para tanto, foram definidos esses objetivos:
♦ Refletir a respeito dos nossos avanços em relação à leitura e escrita e conversar sobre o que ainda é preciso fazer a partir da análise dos resultados de 2012.
♦ Pensar na organização do conteúdo tratado na formação sem perder de vista o trabalho com os professores.
♦ Compartilhar a necessidade de manutenção do projeto de formação.
♦ Falar sobre a organização do programa no município de Ariquemes.

Foram também considerados os conteúdos:
♦ Análise e reflexão sobre o sistema de escrita.
♦ Planejamento do encontro com os professores.

Neste artigo, o objetivo é analisar e refletir sobre o sistema de escrita e, mais especificamente, sobre os conhecimentos que o coordenador pedagógico precisa construir sobre as situações de sondagem e análise de escrita de modo a apoiar sua equipe de professores.

Um pouco do encontro de formação

Começamos os trabalhos com uma breve apresentação dos coordenadores novos que, apesar de iniciantes na função, já conheciam o Programa por que haviam dele participado como professores em outros momentos. Como boa parte desses novos coordenadores passou a integrar a equipe este ano, encaramos com naturalidade os olhares curiosos e a ansiedade de alguns deles.

Baseados nos dados do resultado final de rendimentos dos alunos em 2012 e respaldados pelas análises de escritas das crianças escolhidas de algumas escolas da Rede de Ensino, iniciamos a primeira proposta dessa formação, compartilhando os diagnósticos. Para isso, formulamos as seguintes questões:

O que há em comum nos diagnósticos?
Quais são as condições didáticas que devem ser oferecidas para que um diagnóstico seja de fato confiável? Por quê?

Os dados observados levaram-nos a pensar sobre como transformá-los em objetos de reflexão de modo que pudéssemos evidenciar para os coordenadores os conteúdos que precisariam ser trabalhados com os professores, isto porque os problemas destacados a partir da análise demandavam intervenções formativas.

No começo da conversa com as coordenadoras pedagógicas participantes do processo de formação nós observamos um conteúdo importante para a formação que girava em torno de procedimentos para o momento da sondagem sobre as necessidades formativas em relação à escrita. Um grupo de professores de uma determinada escola considerava fundamental a definição de um campo semântico, entendendo que, dessa forma, a criança atribuiria mais sentido para a sua escrita. Ouro grupo de professores dessa mesma escola não considerava nem entendia a relevância desse cuidado para a realização de um diagnóstico. Aqui havíamos identificado uma boa situação-problema para o coordenador pedagógico trabalhar.

Percebo no meu grupo que algumas professoras estão bem inteiradas sobre o que devem garantir para a realização do diagnóstico, mas existe um grupo que não entende e, às vezes, nem se interessa em saber. Falam que os alunos devem ser alfabéticos e pronto. O que sabemos é que, com a inclusão do ciclo, não recebemos, no 3o ano, 100% de alunos alfabéticos esse ano nessas turmas. Sabemos que a expectativa é que cheguem mesmo, mas infelizmente a realidade é outra.

Letícia – Coordenadora da Escola Prof. Levi

Mas por que é importante a definição de campo semântico nos momentos de sondagem?

A ideia de selecionar uma lista em que as palavras pertençam a um mesmo campo semântico se dá pela simples razão de respeitar as características funcionais de uma lista. Este gênero organiza-se em função de uma série de palavras que pertencem a um mesmo campo semântico. Por exemplo, lista de compras, dos ingredientes de uma receita, dos animais do zoológico, das coisas gostosas que tinha no aniversário…

Consideramos que quando a criança escreve com um objetivo claro, quando precisa realmente comunicar uma ideia, ela se empenha muito mais, escreve melhor porque sabe o motivo de sua escrita, para quê e o quê está escrevendo. Quando escreve numa situação significativa, ela consegue “ler”, ou seja, consegue dizer o que é aquilo, e a comunicação se torna possível, mesmo tendo ela escrito de forma não convencional, do próprio jeito.

Na situação em que apenas escreve algumas palavras ditadas aleatoriamente e em grande quantidade,
a criança se vê em um momento artificial de testagem. Situações nas quais geralmente ela se intimida
diz que não sabe escrever, ou ainda acha que a professora só aceitará a escrita convencional. Assim pouco revela de seu saber.

Dialogar para definir e redefinir caminhos na formação

Esta afirmação estimulou nossa investigação. Queríamos saber por quê. Será que os professores estavam mais interessados em ensinar apenas os “conteúdos conceituais” e cumprir burocraticamente as metas propostas no planejamento aprendizagens dos alunos e o que realmente eles precisariam aprender? Por isso a importância de ele conhecer o pensamento da criança sobre aquilo que escreve, já que observamos alunos não alfabéticos no 3o ano. Naquele momento, enfatizamos a importância de o professor compreender o conteúdo que está por trás de cada expectativa de aprendizagem.

Consultoria Além das Letras Muito além da sondagem

Nessa reflexão das formadoras locais fica evidente que elas estavam tentando se aproximar o mais possível dos coordenadores de modo a fazê-los compreender a importância de se conhecer o que os alunos já sabem para, a partir disso, propor atividades desafiadoras.

Sabemos que não adianta apenas realizar sondagens com campo semântico definido se nas salas de aula isso não potencializar o que pode ser oferecido como atividades para os alunos avançarem. Entendemos que a sondagem é mais uma fonte de informação sobre os saberes dos alunos. Utilizam-se ainda escrita de listas, de bilhetes, de textos diversos que tenham sentido, que sejam compartilhados com outras crianças e com a comunidade, atividades essas que servem para contribuir com escritas cada vez mais elaboradas e interessantes.

Enfim, é possível e recomendável conhecer as hipóteses de escrita das crianças num percurso, sem a necessidade de confiar em produções esparsas, esporádicas e descontextualizadas que talvez não reflitam tudo aquilo que o aluno sabe.

Renata Frauendorf

Em outro momento, formulamos uma questão para problematizar com os coordenadores o que vínhamos observando nas escolas e em relatórios: Do ponto de vista dos investimentos em formação, a partir dos diagnósticos analisados, quais demandas formativas permanecem?

A coordenadora Nelcilene, da Escola José Anchieta, apresentou alguns pontos relevantes para discussão com a equipe de professores a partir do que vinha observando em sua escola, tais como:
♦ analisar respeitando os saberes dos alunos, pois todas as sondagens estão “a menos”;

♦ reconhecer a importância dos critérios para a realização do diagnóstico: escolher poucas palavras e organizá-las em ordem decrescente, do polissílabo ao monossílabo, pois a reflexão não é gerada pela quantidade de palavras escritas pela criança;

♦ observar que a escrita de uma frase envolve uma das palavras ditadas;

♦ entender a importância de solicitar ao aluno que ele realize a leitura ao final de cada palavra ditada;

♦ compreender que o diagnóstico deve ser realizado individualmente.

Essa explanação é representativa da fala de muitos professores, evidenciando a evolução dos coordenadores. Sabemos que nem todos estão no mesmo momento de aprendizagem; portanto, para garantir uma troca significativa na proposta de análise de escritas – uma das atividades do encontro
–, distribuímos as coordenadoras veteranaspor entre os grupos. É preciso considerar os diferentes
saberes existentes em sala de aula para desenvolvermos boas situações didáticas. Precisamos direcionar o olhar para as especificidades e as necessidades individuais. Neste caso específico, a interação estabelecida pelas coordenadoras no grupo permitiu o compartilhamento de saberes e tomadas de decisão mais adequadas.

Um trecho de conversa dos subgrupos ilustra bem essa afirmação:

Juliana (coordenadora iniciante) olhando para escrita de Caio ao ouvir Flávia, uma das coordenadoras veteranas, afirmar que o aluno já apresentava escrita alfabética. Disse ela:
– Deve ser mesmo alfabético! Se fosse silábico escreveria um monte de letra até o fim da folha.

Ao ouvirmos aquela conversa, deixamos por conta de Flavia, que apanhou a folha e passou a explicar as características de cada hipótese de escrita a partir do que ali estava exposto. Podemos afirmar que aquele momento contribuiu muito para as aprendizagens. Sabemos que Flavia não deu conta de tudo e que também não conseguiu resolver o problema em pouco tempo. Mas, de alguma forma, sua inquietação revelou coletivamente um tipo de aprendizagem. Flavia pôde colocar em jogo tudo o que sabia de forma bastante contextualizada e, assim, contribuiu com o processo de aprendizagem de uma parceira menos experiente. Na discussão coletiva, Juliana desabafou:

Estou muito preocupada com meu grupo de professores. Na minha escola, o ano passado, a formação não foi concluída nem discutimos aprofundadamente esse conteúdo. No grupo, fiquei um pouco aflita sobre como fazer para que os professores se apropriem desse conhecimento, sobre o qual também sei pouco, e que, na discussão em grupo, percebi que os professores de outras escolas estão bem mais à frente.
Juliana – Coordenadora da Escola Pedro Louback


4 Aquelas que participam desde o início das formações do Programa Além das letras.

Em resposta às suas inquietações, comentamos que essa coordenadora já tem a competência de olhar para as suas aprendizagens e a dos professores. Isto é um ponto de partida para o planejamento da pauta de formação, que deve ir ao encontro das necessidades do grupo de professores. Assim, coordenadoras e formadoras desenharam a pauta que seria realizada na escola de forma a subsidiar os coordenadores que necessitavam de maior apoio.

Alimentando mais as discussões

Por que os dados de resultados de rendimentos de 2012 não revelam a realidade apresentada nesses diagnósticos?

Em coro, responderam que a análise de “escrita incorreta” foi o maior problema e, por isso, um grande número de alunos não conseguiu atingir a escrita alfabética, tornando incoerentes os resultados finais, de 2012, e os iniciais, de 2013. Nessa análise incorreta, geralmente o professor atribui ao aluno uma hipótese inferior àquela que de fato ele se encontra. E isso ocorre nessa mudança de ano e ao longo dele. Há diferentes explicações e hipóteses para isso, que não precisam ser listadas aqui. O importante é chamar atenção para esse problema de modo que ele possa ser objeto de reflexão nas formações com coordenadores e com professores.

Vale ressaltar que várias justificativas foram dadas, dentre elas:

Alguns professores fazem um movimento contrário. Em vez de olharem para o que sabem os alunos e depois pensarem sobre o que eles precisam aprender, olham mais para o que eles não sabem. É uma espécie de verificação do erro da grafia, não do pensamento da criança.
Eliane – Coordenadora da Escola Ireno Berticelli

Questões ortográficas têm sido o maior problema na análise de escrita. Os professores não os consideram alfabéticos.
Joana – Coordenadora da Escola Arco-Íris

Conclusão

Chegamos à conclusão que analisar as escritas das crianças não é tarefa simples nem deve ser a única fonte de informação para o professor sobre o que sabe uma criança. No entanto, uma análise incorreta pode gerar problemas relativos ao desenvolvimento da aprendizagem. A não reflexão sobre como a criança constrói suas hipóteses de escrita compromete o resultado de um trabalho. Faz com que o ensino ocorra de forma mecânica, o que desqualifica uma das tarefas mais importantes, logo após a análise das escritas das crianças, que é o planejamento individualizado e singular. Ficou claro que, para uma boa análise, é preciso, entre outras coisas, aprofundamento teórico relativo às características das escritas das crianças para enxergar o que elas sabem a partir do que produzem, reflexões compartilhadas entre pares sobre diferentes escritas, assim como informações diversificadas do aluno que podem ser observadas e
colhidas em diferentes situações e atividades propostas em sala de aula.

Para nós, educadores, é essencial que tenhamos comprometimento com as aprendizagens das crianças, pois é preciso desenraizar a ideia de que só a nossa “escola recebe aluno não alfabético” e só a nossa escola “conclui o período letivo com os alunos alfabéticos”. Essas ideias contribuem para fragmentar o processo porque não permite olhá-lo de forma contínua. Queremos que os professores formem crianças para atuarem significativamente onde quer que elas estejam. A responsabilidade é nossa, é do município. Não importa se é escola A ou B, turma X ou Y. Temos de formar professores capazes de propor boas situações didáticas para as crianças, bem como compreender seu percurso de aprendizagem.

Convidar as coordenadoras para analisarem as escritas das crianças foi muito oportuno porque elas puderam apurar o olhar para a necessidade do tratamento desse conteúdo com vistas ao favorecimento
das aprendizagens dos professores, subsidiando assim as boas situações didáticas junto às crianças.

Posted in Revista Avisa lá #57.