Tão longe, tão perto… a Sibéria é aqui

LÍVIA PINHEIRO¹


POR CONTA DE UMA LEITURA INSPIRADORA AS CRIANÇAS CONHECERAM A SIBÉRIA E APRENDERAM A LER PARA SE INFORMAR E COMPARTILHAR SEU CONHECIMENTO


Eu acredito que a aprendizagem não se dá só, e simplesmente, ao ouvir as experiências ou a “sabedoria” dos mais velhos, neste caso, o professor. Nos dias de hoje, as crianças trazem vivências que muitas vezes eu, adulta, não tive. São outros tempos, novas tecnologias, outras formas de ser e de viver.

Na escola, uma das prioridades deve ser ouvir as crianças, independente de sua faixa etária. Suas falas nos dão pistas dos caminhos que percorrem para aprender, de como estão construindo o pensamento e as dúvidas que querem perseguir, os mistérios que querem desvendar.

Foi assim que a viagem para a Sibéria começou, movida pelo interesse da turma do 4o ano em pesquisar esse desconhecido lugar e pela minha intenção em buscar o melhor caminho para ensinar aos alunos os procedimentos de estudo. Com as facilidades da internet e os recursos tecnológicos, as informações estão disponíveis em grande quantidade e em diversas formas, e o recurso mais utilizado nas pesquisas escolares é o “recorta e cola”. Com esse trabalho, pudemos oferecer ferramentas que levaram as crianças aprenderem procedimentos do ler para estudar e, depois, poder compartilhar com o outro os saberes conquistados.


1 Professora da Escola do Sítio em Campinas (SP), pedagoga e mestre em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Foi em uma conversa, na roda de leitores, que a professora auxiliar Flávia percebeu que a turma do 4ª ano se interessava em saber mais sobre a Sibéria, região desconhecida para a turma. Enquanto as crianças comentavam suas leituras da semana, dos livros escolhidos na biblioteca e liam os trechos que achavam mais interessantes, uma aluna
falou de um curioso animal (criceto anão) da Sibéria. Em seguida, o colega questionou: Onde fica a Sibéria? E, a partir desse instante, eles não quiseram saber mais sobre o animal e, sim, sobre o lugar de onde ele vinha.

Como uma leitura leva a outra, uma das crianças estava com o livro Volta ao mundo em 80 páginas², no qual havia um trecho sobre a dimensão da Sibéria, fato que iluminou ainda mais os olhos dessa turma do 4º ano.

Iniciando a viagem: tempo de pesquisar

Para responder a essa e a outras perguntas, organizamos pequenos grupos que deveriam buscar informações sobre a Sibéria na internet. Enquanto uns pesquisavam sobre sua localização, outros tentavam descobrir sua dimensão, suas cidades e até mesmo informações sobre o animal de destaque dessa região.


2 MASON, Antony. Volta ao mundo em 80 páginas. São Paulo: Callis, 2006.

Pensar na pesquisa escolar usando a ferramenta da web não é mais mera opção do professor. Ela se tornou, nos dias de hoje, uma prática cotidiana na vida de jovens e crianças. Pesquisas demonstram que a leitura na era digital revolucionou o mundo letrado, estabelecendo nova relação física, intelectual e estética com o material escrito. Portanto, o acesso às informações da internet requer novas práticas de leitura no contexto escolar.

Neste momento do trabalho, os grupos escolheram os sites que consideraram mais interessantes, anotaram algumas informações relevantes e selecionaram imagens da Sibéria. Iniciou-se então a reflexão: Como fazer essas informações se tornarem conhecimento significativo? Hoje, o que mais se encontra são informações de todos os tipos e procedências. Ler, escolher, aprofundar, duvidar… são conhecimentos que as crianças precisam construir, necessidade constatada nesse primeiro movimento
da pesquisa sobre a Sibéria.

Com o objetivo de compartilhar as informações descobertas sobre a Sibéria, a turma apresentou a pesquisa na roda de conversa do outro dia. Porém, as crianças liam as informações anotadas no caderno e pouca coisa fazia sentido quando contavam. Havia termos desconhecidos, palavras estranhas, e falavam coisas sobre as quais desconheciam o significado. Uma nova questão: E agora, como transformar tudo isso em conhecimento não só sobre a Sibéria mas também em relação a como se fazer uma pesquisa? O que anotar para recuperar em outros momentos? Que ideias merecem ser destacadas?

O desafio atual de tornar os alunos leitores proficientes e críticos fica ainda mais complexo com o mundo virtual, pois eles não vão resolver esse problema sozinhos, ou com seus pares, olhando para a tela do computador e repetindo as informações aleatoriamente. É necessário um longo caminho de intervenções intencionais do professor, ou seja, é imprescindível planejar condições de ensino para que as interpretações que os alunos realizam em suas buscas e os critérios de seleção que adotam em suas pesquisas pela internet sejam objeto de reflexão coletiva e de intervenções precisas dos professores.³

Por isso, voltamos à internet e aprofundamos os estudos, uma vez que a falta de informação e de compreensão de assuntos desconhecidos, foco da pesquisa, gerou essa necessidade.


3 Búsqueda en internet en situaciones de estudio: los sentidos que construyen los alumnos, Flora Perelman (org.), in Lectura y vida, edição de março 2007, pág. 16-23. Disponível em: www.lecturayvida.fahce.unlp.edu.ar/numeros/a28n1/28_01_Perelman.pdf. Na Sibéria existem regiões
em que a temperatura pode atingir -50 ºC no inverno FOTOS: BANCO DE IMAGENS
Registrar e reelaborar a informação obtida

Assim, questionam-se algumas informações, conflitam-se as fontes, compara-se a representação dos mapas. Enfim, sai-se do superficial para ir conferindo sentido aos textos estudados. Diante de tantos saberes conquistados, o grupo decidiu compartilhar a pesquisa com outras turmas da escola por meio de uma exposição itinerante, de modo que esse material pudesse ser carregado para as salas a cada apresentação.

Vale ressaltar que eu também me incluí como aprendiz: Eu não sabia nada sobre a Sibéria. Uma cidade? Um país? Um Estado? Não, a Sibéria é uma região da Rússia que ocupa 58% da sua vasta proporção. Lá na Sibéria fica a cidade mais fria do mundo: Yakutsk, com temperatura média anual de 21ºC (Celsius) negativos, e no inverno os termômetros chegam a marcar -50ºC. É de dar frio só de saber! Sair do lugar daquele que ensina para o lugar daquele que também aprende é um movimento desafiador para o professor, pois nos torna companheiros das crianças nesse processo de
aprendizagem.

Tomar notas

Para poder estudar, é necessário tomar notas, e os alunos aprendem a fazer isso em diversas situações didáticas. Quando se tomam notas, se trata de reter da maneira mais econômica os aspectos mais importantes do tema a partir do que se escuta, expõe ou lê. As notas podem adotar a forma de uma sucessão de ideias-chave, de um ponto ou de um esquema ou diagrama de relações expressas através de palavras ou signos (flechas, por exemplo). São de uso pessoal. Deverão ser úteis ao autor em um momento posterior para reconstruir o que se compreendeu ao ler ou escutar a exposição. Em alguns casos, as notas servirão como base para a redação de informes. Trata-se de ir construindo estratégias para tomar notas considerando o conteúdo, o tempo de que se dispõe para fazer o registro, as condições nas quais irão se reelaborar as notas para reconstruir a informação.

Documento Curricular de Buenos Aires –As práticas de linguagem em contexto de estudo. Délia Lerner. 4.2 Registrar e reelaborar a informação obtida. Tomar notas.
De olho no mapa: tempo de organizar as informações

Pensar na construção de um painel com as informações da pesquisa criou a necessidade de os alunos refletirem sobre a importância visual e didática desse material, porque não bastava colar folhas cheias de palavras soltas, era preciso considerar o que escrever, por que escrever, para quem escrever e o portador em que todas essas informações iriam
circular. Enfim, com base nessas informações, o desafio era produzir um texto que pudesse estar ajustado ao contexto. Desse modo, organizar o assunto, escolher imagens que complementassem o tema tratado, uma vez que iriam apresentar para crianças menores que precisavam de outras referências para entender que lugar era esse do qual falávamos. Além disso, selecionar as informações, avaliar o tamanho das letras para o título, entre outras coisas, tornaram-se situações-problema para o grupo.

Diante da proposta de organizar o painel, as funções foram distribuídas entre as crianças de maneira que duas alunas ficaram responsáveis por escrever o convite que seria entregue para outras turmas da escola, e uma delas (que acabava de conquistar a escrita alfabética) ficou responsável por organizar a agenda com os dias e os horários
para as apresentações. Tarefa importante que encheu de orgulho a aluna, escrevendo tudo com muito cuidado para não nos esquecermos de nada.

Escrita significativa! As demais crianças, organizadas em pequenos grupos, divididos em assuntos específicos sobre a Sibéria (localização, características do lugar, a cidade mais fria do mundo, animal característico – o tigre), escolhiam as informações mais importantes, organizavam textos e imagens para compor o painel.

Os grupos se reuniram e pensaram numa sequência para as falas. Essas ideias foram discutidas no  grande grupo e, juntos, definimos como seria a apresentação. Cada um ensaiou a sua fala e conversamos sobre a melhor forma de dizer aquilo que estava escrito, de modo que não ficasse cansativo ouvir e despertasse o interesse das outras turmas. Era importante pensar que aquele material escrito serviria de apoio para a fala e considerar que algumas crianças conseguem se expor com tranquilidade, enquanto outras se sentem envergonhadas e acabam lendo.

Quando os alunos precisaram organizar o painel e apresentar a pesquisa realizada, tiveram de colocar em jogo alguns conhecimentos específicos, tais como: procurar a informação necessária para a exposição, selecionar os aspectos mais importantes a serem comunicados, levando em conta o conhecimento prévio da turma e o interesse dos demais colegas da escola. Ao fazerem a exposição oral, os alunos puderam também aprender a decidir a ordem da exposição das informações estudadas, elegendo o que era mais relevante ou desnecessário; encadear exemplos para que a fala fosse mais compreensível e atrativa para os ouvintes; decidir por onde começar para que todos pudessem entender a proposta e adequar a exposição ao tempo disponível, resumindo as informações e centrando-se no fundamental.

E lá fomos nós! De sala em sala, de apresentação em apresentação, aquele conhecimento ia sendo incorporado, tanto que, na última sala, já falavam com segurança e propriedade. Pois é! Foi assim que todas as informações antes desconhecidas e estranhas foram “impressas” em cada criança da turma, com sentido e significado. Compartilhar aquilo que aprendemos faz com que aprendamos ainda mais aquilo que consideramos estar ensinando, concluí no fim desse processo.

Tempo de escrever e de documentar

Mas a viagem ainda não havia terminado. O processo de leitura para estudar algum assunto leva-nos a escrever como esse assunto ressoou em nós, ou seja, como reconstruímos o conhecimento adquirido.

proposta seguinte seria escrever um texto informativo contendo as informações mais relevantes da pesquisa e que pudesse ser afixado nas salas onde fizemos as apresentações. Dessa forma, as turmas poderiam recorrer a esse material para consultar
ou saber mais sobre a Sibéria.

As crianças foram organizadas em duplas, considerados os elementos que pudessem contribuir para que esse agrupamento se tornasse produtivo. Nesse momento de produção, as crianças já sabiam o que iriam escrever (texto informativo), para quem escrever (crianças de outras salas), por que escrever (recuperar informações importantes compartilhadas nas apresentações) e onde iriam circular (mural das salas). Definidos esses aspectos, as crianças puderam escrever os textos, revelando um pouco de si no conhecimento construído sobre a Sibéria. Confrontaram ideias e saberes sobre a organização textual, como também aprenderam a escrita correta das palavras. Escreveram revisando, revisaram escrevendo o próprio texto ou lendo a escrita do colega.  Consultaram registros, retomaram informações, personalizaram os textos, conferindo-lhes um estilo pessoal, colocando em jogo o repertório que possuem sobre textos informativos. Recursos como “você sabia?”, “já imaginou?” foram utilizados com o intuito de atrair o leitor.

Diante dessa proposta de escrita, os alunos puderam aprender mais sobre o comportamento escritor. Saberes como “organizar a informação encontrando eixos temáticos e construindo uma rede que expresse as relações entre os subtemas; organizar o texto empregando títulos e subtítulos, explicitando relações e separações que permitam ao leitor reconstruir mais ou menos vinculação entre as ideias, o que implica tomar decisões sobre a pontuação, assim como sobre os conectores que se utilizam para estabelecer relações de ordem causal, condicional ou temporal (segundo o tema tratado); empregar léxico adequado aos conhecimentos que se pressupõe ter o leitor sobre o tema, fazendo esclarecimentos ou exemplificando, se necessário4.”

Agora, era revisar e digitar. Mas só? Não! Mais um longo trabalho. Revisão é aprendizagem. Não é obrigação exclusiva do professor. As crianças precisam aprender a revisar o próprio texto ou o texto dos colegas, porque é um procedimento do escritor, faz parte do “saber escrever”. Por outro lado, o processo de revisão faz com que os alunos coloquem em jogo o que sabem sobre a linguagem escrita e possibilita que tematizem esses conteúdos5.

É preciso dar suporte para que isso aconteça: listar, problematizar, explicitar, mudar, apagar, reescrever. Para isso planejamos o que iríamos revisar coletivamente na lousa. Eu anotava o que a turma considerava importante ter no texto: organização do texto e das ideias; título de modo a ficar mais ajustado ao gênero; público leitor e espaço de
circulação, entre outros; pontuação; escrita correta de palavras.


4 Documento Curricular de Buenos Aires – As práticas de linguagem em contexto de estudo. Délia Lerner. Em: www.buenosaires.gob.ar/areas/educacion/curricula/primaria.php#primaria
5 A revisão de textos na escola: situações didáticas e estratégias elaboradas pelos alunos, de Mirta Castedo e Maria Cláudia Molinari. Este trabalho faz parte de uma pesquisa desenvolvida no Programa de Incentivos a la Investigación, Projeto Revisión e Intercambio. Diretora: J.A. Castorina. Consultora: Ana María Kaufman.

As duplas receberam um “roteiro de revisão” para ser preenchido e trocaram os textos. Debruçaram-se com atenção nas produções dos colegas, procurando pontos positivos e o que precisava ser melhorado. Depois preencheram o papel com dicas, palavras certas e erradas, elogios, entre outras coisas. Foi muito interessante ver o movimento das duplas durante a revisão. No começo, dizem não entender a letra do amigo, mas entendem.
Depois acham tudo ótimo e perfeito. E nós, professores, formulamos inúmeras perguntas para fazer com que vejam o não visto. Aí percebem! Conseguem enxergar no texto do outro aquilo que fazem na própria escrita. Outra habilidade infantil que me encanta é a aceitação dessa revisão dos colegas e o respeito por aquilo que ele assinalou como “Ah, você deve melhorar!”

Trocaram as produções, leram as observações dos colegas e revisaram aquilo que precisava ser ajustado ou melhorado. Hora de passar a limpo no computador. Essa parte a turma gosta demais. Nesse momento final da revisão, ele é um ótimo instrumento, pois as crianças tomam consciência do que sabem ou não sobre a escrita de algumas palavras que passaram despercebidas quando estavam no papel. Nesse momento do trabalho também tiveram  de pensar sobre a organização desse texto digitado e no tamanho da letra, considerando que ele seria afixado na parede.

Material impresso. Agora era só distribuir para as turmas da escola!

O último passo foi realizar uma roda para avaliarmos o trabalho desenvolvido. O que sabíamos sobre a Sibéria antes desse estudo? O que aprendemos sobre a Sibéria e sobre pesquisar? Como aprendemos? Qual momento havia sido mais importante para o trabalho?

E assim terminou a viagem, quero dizer, essa viagem, pois outras virão!

Posted in Revista Avisa lá #53.