Na sua creche ou escola tem computador? Onde ele está? Pense um minuto antes de seguir lendo esta matéria, pois essas perguntas são bastante reveladoras do assunto que vamos tratar
Sabemos que, em uma instituição educativa, a organização de espaços, o mobiliário e a disposição de materiais nunca são casuais: cada detalhe do ambiente revela idéias e concepções educativas. Isso vale também para os espaços destinados aos computadores, já que o modo como as instituições acolhem a máquina e socializam seu uso revelam o que pensam sobre o lugar da tecnologia na escola.
Muitas instituições mantêm computadores restritos ao uso do setor administrativo, no escritório da secretaria. O equipamento fica longe de qualquer possibilidade de contato das crianças, pais e mesmo dos professores, prestando-se somente para as funções burocráticas, fazendo entender que computador é ferramenta de trabalho administrativo.
Dessa forma, ele está na escola, mas não serve à educação, nem ao menos para uma simples aproximação da crianças e professores com o recurso. Outras escolas, geralmente as que têm mais condições financeiras, oferecem acesso aos alunos a máquinas colocadas em bibliotecas ou espaços de convivência de pais e crianças, sem real inclusão com a proposta pedagógica.
Neste caso o computador serve como um chamariz para navegar na Internet, de modo espontâneo e exploratório, Muitas vezes, alimentando o apelo para o consumo de novidades, de modo rápido e fugaz.
O que se vê nas escolas é que os laboratórios de informática são, em geral,um espaço destinado a aulas específicas de computação, onde os alunos aprendem comandos básicos, como manusear o mouse, clicar e arrastar etc., e conhecem alguns programas.
Laboratório de informática não é a única alternativa
A implantação dos laboratórios de informática se explica, muitas vezes, por argumentos técnicos e circunstanciais: reunir todas as máquinas em uma só sala facilita a instalação. Além disso, permite maior controle e segurança contra roubos, o que é decisivo em escolas que, devido a seu tamanho e complexidade,não conseguem viabilizar o uso de computadores de outra forma. Assim, 10 ou 20 computadores servem toda a escola.
Como se vê, as justificativas para a criação de laboratórios de informática estão assentadas sobre outra lógica que não a da melhor condição de ensino e aprendizagem.
Em sua base estão considerações de ordem financeira e de segurança, entre outras. Há grupos que definem o computador como uma ferramenta de trabalho mais moderna para o aluno. Nesse caso, caberia perguntar se faz sentido manter uma sala de ferramentas na escola:
como ferramenta, não deveria estar ao alcance das crianças, sendo utilizada quando necessário? Por que encerramos as ferramentas tecnológicas em laboratórios em vez de inseri-las na vida cotidiana, já que é aí que precisamos delas? Aulas de informática atenderiam a que tipo de conteúdo? A aprendizagem de usos da ferramenta, quando descontextualizada de um uso social real, tem sentido para as crianças? O computador é uma linguagem que guarda em si mesma novas formas de expressão ou é ferramenta destinada a ampliar as formas tradicionais de compreensão e expressão da criança?
Se a compreensão é esta última, não há dúvidas de que, principalmente nas escolas, a máquina deveria contribuir para os mais diferentes momentos de aprender sobre as artes, a matemática, a língua portuguesa, e até mesmo para desfrutar da hora de brincar, em vez de ficar restritas às aulas de informática.
O computador ao alcance dos pequenos
Para muitos, o computador é coisa de adulto e não deve mesmo ficar ao alcance dos pequenos: é uma ameaça que tira a criança do convívio social, restringindo-a a interagir com uma tela, e empobrecendo as demais interações, sobretudo na brincadeira, fundamental na formação das crianças. É isto ou aquilo, ou brinca ou tem computador.
Sobre a questão, muito se tem discutido e ela parece não ser tão simples assim, pois as crianças, quando orientadas e em contextos de aprendizagem, fazem usos interessantes do computador, criando interações inusitadas (veja Conhecendo a Criança).
Outro motivo principal do afastamento das crianças parece residir na crença acerca da imperícia infantil para usar máquina tão sofisticada. Como são pequenas, possuem menos habilidades motoras e, portanto, podem quebrá-la.
Esse é, contudo, um argumento pouco convincente: em primeiro lugar, o computador não é uma máquina tão frágil a ponto de ser danificada ou mesmo desconfigurada pelo toque de uma criança. E ainda que isso ocorra,muito pode ser reparado e recuperado com algum auxílio técnico.
A experiência demonstra que as crianças podem aprender rapidamente o manejo, não se intimidando com os desafios e ousando descobrir, por conta própria, novos usos para o computador. Além disso, aprendem a interagir de maneira propositiva e criativa com ele.
Quando o acesso à máquina é possibilitado cotidianamente à criança, ela
- aproxima-se rapidamente do sistema de convenções que rege a linguagem do computador;
- utiliza o mouse com agilidade, coordenando os movimentos;
- aprende os cuidados que deve ter no uso do computador;
- descobre alguns usos do computador, tais como edição de textos, edição de imagens, impressão, jogos, passa-tempos etc.;
- inicia uma familiarização com a estrutura de organização do computador – diagramação, barras de ferramentas, diferentes comandos, ícones de acesso e de fechamento etc.;
- conhece alguns dos recursos do editor de texto, como reformular, usar diferentes fontes, copiar, recortar e colar textos, etc.;
- avança nos conhecimentos sobre leitura e escrita.
Claro que essas aprendizagens não se fazem prontamente, ao brincar uma vez com o computador ou ver alguém manejá-lo. É importante oferecer oportunidades de presenciar e efetuar ações no computador várias vezes, o que só é possível com o contato intenso e não esporádico.
A ajuda sistemática e atenta dos adultos e de parceiros mais experientes para executar as ações necessárias ao uso é fundamental, até que as crianças aprendam a agir por conta própria.
Gerando nova proposta e espaço educativos
A simples entrada do computador nas salas de educação infantil gerou mudanças na organização convencional, que deu lugar a um canto diferenciado, com um computador e um móvel com banquinho para duas crianças.
Além disso, gerou também mudanças nas práticas educativas, sobretudo na organização e no planejamento do tempo. Por isso, os professores foram convidados a pensar sobre o papel da rotina pedagógica no cotidiano de uma instituição educativa. Tudo para resolver os novos problemas que se colocaram:
- Como tornar viável o uso de uma única máquina em uma sala que conta com 25 a 30 crianças? Como garantir que todas as crianças possam ter a oportunidade de manuseá-lo, e não apenas de assistir ao outro mexer?
- O que fazer com as demais crianças que não estão no comando do mouse, enquanto aguardam sua vez? Como organizar esse momento de modo que não haja muita espera e, ao mesmo tempo, todos tenham algo com que se ocupar?
- Como garantir exploração dos softwares de forma que haja possibilidade de resolver problemas por meio de situações de cooperação com as outras crianças, evitando um comportamento solitário que o computador costuma demandar, e favorecendo a socialização?
- Como realizar um atendimento individualizado, que certamente será preciso, com possibilidade de acesso a informações específicas?
Para responder a essas perguntas, a equipe do programa KidSmart elaborou uma proposta de integração entre os softwares, as propostas que já existiam nas escolas e as diretrizes curriculares nacionais. Foram trabalhadas duas modalidades para gestão do tempo: o trabalho com cantos de atividades diversificadas e as seqüências e projetos didáticos que envolvessem práticas sociais de leitura e escrita.
Nesta matéria, vamos tematizar a primeira opção de trabalho, inserida nas rotinas das instituições como atividade permanente (veja texto abaixo), de caráter diário.
Uma proposta para os cantos diversificados
O trabalho com cantos de atividades diversificadas é uma das formas de organizar o tempo didático muito empregada na educação infantil no hemisfério Norte. No entanto, no Brasil, embora tenha sido bastante divulgada ainda é uma exceção.
Nessa modalidade, cabe ao professor programar simultaneamente diferentes propostas – jogos de construção, jogos de regras, faz-de-conta, desenho, leitura de livros e gibis etc. – e organizar a sala em cantos, de forma que as crianças em um momento do dia, possam percorrer o espaço, tomar conhecimento das ofertas e decidir por uma ou mais atividades.
Essa proposta tem função decisiva na construção da autonomia da criança, uma vez que prescinde de um controle direto do professor. Com ela, assegurase que as crianças vivenciem diferentes situações de aprendizagem, escolhendo, exercitando a autonomia e buscando conhecer as próprias necessidades, preferências e desejos ligados à construção de conhecimento e relacionamento interpessoal.
Por outro lado, permite que o professor observe mais atentamente os problemas enfrentados pelas crianças, suas dificuldades, aprendizagens, gostos e interesses, o que muito o auxilia na hora de planejar seu trabalho.
No projeto KidSmart, o computador foi em muitos casos disparador de uma reorganização da sala; em outros integrou-se à dinâmica da sala, compondo harmoniosamente o leque de opções oferecidas diariamente às crianças.
A implantação dos cantos nas salas
A chegada da proposta de cantos foi vista com receio em algumas das instituições atendidas. Na EMEI Remanso Campineiro, em Hortolândia, houve certo temor das professoras, porque se tratava de algo muito novo para elas e suspeitavam que pudesse gerar uma grande bagunça.
Para ajudá-las, aproveitei uma de minhas supervisões organizei alguns cantos em uma das salas e propus uma observação. As crianças circularam pelos cantos com total segurança e autonomia. Mudavam de local, jogavam, desenhavam, liam os livros e se encantavam com tudo o que lhes era apresentado.
As professoras observavam com surpresa o movimento e o entusiasmo delas e, aos poucos, passaram a circular pelos cantos, ajudando-as a escolher o que fazer, observando-as de perto e interferindo positivamente nos jogos.
Foi uma paz total, como se as crianças estivessem apenas esperando uma oportunidade para mostrar como podem ser autônomas, que são capazes de decidir muitas coisas e resolver inúmeros problemas sem o controle do adulto.
Ao final, a avaliação foi bastante positiva:
– Nossa, eu tinha medo do cantinho, mas estou surpresa de ver a dinâmica, a organização delas – disse a professora Renata.
– Nunca pegam quebra-cabeça e hoje, muitos se interessaram, era um desafio.Você viu a Jéssica, não saiu enquanto não terminou de montar, ficou quase o tempo todo lá, super concentrada.
Em nosso momento de reflexão sobre a prática, resgatei a importância de a criança ter o que escolher e sentir-se bem no canto, com material suficiente para utilizar. No caso de uma sala com 32 crianças, ficam em média dez crianças em cada canto, se a professora oferecer apenas três opções.
Também pontuei que o interesse pelas atividades cresce a partir de intervenções significativas da professora e da qualidade do que é oferecido nos cantos.
Todas as professoras conversaram com o grupo de crianças, estabeleceram regras, combinados, tudo para organizar uma rotina capaz de otimizar o uso do computador e ampliar as aprendizagens de todas e não só das que estão diante da tela.
Também discutiram que combinados melhor ajudariam a organizar os turnos na máquina, quais seriam as possibilidades de brincar e trabalhar compartilhando o computador, enfim quais aprendizagens seriam fundamentais para uma vida em grupo.
O papel do professor na construção da autonomia
Contradizendo a crença de que o computador estimula a ação solitária e impede a fluência do convívio social, a experiência vivida com as crianças mostrou que compartilhar é algo que se aprende, e o computador pode ajudar na formação pessoal e social se estiver inserido em um contexto educativo.
As professoras aprovaram a experiência:
– Achei maravilhoso! – confessou Sirlene. Morria de medo de trabalhar com cantos, pois para mim tinha que ter um controle muito grande de quem já passou por qual canto, achava que tinha que controlar tudo, mas as crianças mesmas estão negociando os lugares. Uma diz para a outra:“quando sair me chama, tá?” ou “você já foi naquele canto? É muito legal”, tentando fazer uma troca… Puxa, eu não achei que eles teriam essa autonomia.
Teve professora que montou canto de faz-de-conta de escritório com telefone, lista, agenda, computador e tudo o mais. Outras investiram em jogos desconhecidos do grupo. Todas amadureceram a percepção da dinâmica própria dos grupos de crianças e pensaram intervenções interessantes. O novo jeito de trabalhar possibilitou um olhar mais atento e cuidadoso para as crianças, o que permite conhecer melhor o grupo para saber intervir, como conta a seguir, a coordenadora Andréia.
– Vi a Natália meio perdida, então me aproximei e sugeri ir junto no canto da boneca. Daí, ela gostou e ficou. É importante que a gente incentive as crianças também. Observando e encaminhando, sugerindo, pois às vezes ela pode se sentir insegura ou com dificuldade de se aproximar do grupo.
– Eu vi que não tinha ninguém no cantinho de boneca, mas depois elas foram circulando, se encontrando e, de repente, quando vi, todos os cantinhos estavam ocupados – constatou Meire.
– No início, as crianças ficaram presas aos seus lugares, pouco circulavam – conta Meire. – Pus um cantinho de construção no chão, mas ninguém foi até ele. Então, chamei uns dois que estavam meio perdidos e propus construir um prédio. De repente, um estava ajudando o outro e montaram coisas muito legais. Depois, já estavam circulando mais à vontade.
– Eu pus fantoche, foi um sucesso – avalia Alessandra – mas o dominó eles nem ligaram. Daí, fui lá e ensinei a fazer aquela seqüência com o dominó e depois derrubar as peças. E aí ninguém queria sair de lá.
– Eu também pus dominó – observou Marilza – mas acho que precisamos ensinar como se joga, se não eles não sabem como usar. Eu expliquei as regras, e tinha um menino que sabia jogar, então ele ficava organizando os grupos.
Marilza comentou, então, que durante um cantinho de supermercado uma criança se levantou, pegou uma folha e caneta, e ela logo foi dizendo que a menina não devia misturar os cantinhos, que virava bagunça… E ficou surpresa com a resposta, pois a menina falou: “Mas prô, eu vou fazer uma nota fiscal!”
Dentro dessa discussão, foi se esclarecendo qual era o papel do professor, que não se tratava de um momento absolutamente livre e espontâneo, e como sua intervenção era fundamental para o bom andamento da atividade. Além disso, a interação entre um canto é outro é possível.
Propostas do canto de computador
O contexto criado para a entrada do computador foi importante para assegurar que cada criança tivesse o tempo necessário para aprender a manejá-lo e conhecer melhor os aspectos dessa nova linguagem.
No canto do computador as crianças podiam acessar todos os softwares do programa oferecido pela IBM, CDROMs variados, como passatempo e construção de hábito de uso do computador. Além disso, puderam usar editores de texto e de imagem. Organizaram pequenos grupos, construíram placares, competiram entre si e se divertiram, sobretudo com os jogos.
O computador também funcionava como um banco de dados, no qual as informações eram armazenadas e acessadas pelas crianças, com ou sem a ajuda do professor. A cada dia podiam conferir o que tinham feito no dia anterior, na semana passada, o que ainda faltava fazer etc.
Os “ajudantes do dia” se responsabilizavam por ligar o computador, digitar o que era necessário, imprimir (quando possível) e colocar à disposição a agenda para todo o grupo. Também podiam escrever bilhetes aos pais, lembrando datas de reuniões, festas, pedidos de materiais etc. Os textos eram escritos pelas próprias crianças ou ditados para o professor, que se colocava como escriba do grupo. Essas ações ajudavam a organizar o cotidiano e o trabalho do grupo.
Em todos os momentos, o professor auxiliava e acompanhava as crianças, de diferentes maneiras:
- garantindo o cumprimento de regras e combinados que permitiam o acesso de um pequeno grupo ao computador, enquanto as outras 20 ou 25 desenvolviam outras atividades;
- intervindo, ao ensinar como se joga um jogo, incentivando os alunos a escolher um canto, auxiliando aqueles com mais dificuldade;
- observando, para conhecer como as crianças pensam, o que representam nos jogos simbólicos, o que compreendem dessas interações etc.;
- mediando relações, conflitos que surgem entre as crianças, chamando-as a pensar sobre o problema e ajudando a buscar soluções;
- orientando para o uso do tempo e a composição de agrupamentos;
- organizando o espaço dos cantos,compartilhando a tarefa no grupo;
- escolhendo materiais e planejando o espaço, atendendo a necessidades e interesses do coletivo da sala.
Entre as atividades favoritas no canto do computador estavam: escrever cartões para enviar aos amigos, navegar em alguns CD-ROMs e jogar, fazer campeonatos de jogo das balas de goma, o favorito de muitas turmas, escrever histórias e pequenos casos no CD-ROM do Stanley, um editor de texto animado, e desenhar, no paint, um programa para produzir imagens.
O que as crianças podem aprender
As conversas iniciais com as crianças mostraram que havia muito mais a aprender além do manejo da máquina: o convívio com o computador no cotidiano da sala gerou valiosas oportunidades de escutar o outro, dar opiniões, pensar soluções, negociar propostas e tomar decisões sobre como organizar momentos de uso do computador em sala (estabelecimento de rodízio, listas de usuários etc.).
Além de compartilhar as brincadeiras, os gostos, os interesses e o uso da mesma máquina, as crianças aprenderam a compartilhar também os conhecimentos adquiridos. Como parte da rotina, os professores organizavam periodicamente um pequeno grupo, em momentos posteriores ao uso do computador, para que todos pudessem contar sobre suas descobertas e também ouvir as explicações, as contribuições do outro, reconhecendo-o como informante competente.
O momento dos cantos possibilitou ao professor um olhar mais atento, pois ele pôde se deter no levantamento das possibilidades de conhecimento tecnológico de cada criança e intervir para propor ações mais desafiadoras.
Ao reconhecer as competências das crianças, ao colaborar para a obtenção de êxito em novas e diferentes tarefas, o professor influenciou decisivamente a auto-estima das crianças.
– Agora já estou vendo outra coisa – contou a professora Meire, no mês seguinte à chegada do computador em sua sala –. Antes eu achava que tinha que ficar no canto do computador direto, pois pensava que as crianças não saberiam utilizá-lo. Mas outro dia tive que ficar no canto de dominó para ensinar as regras, então, quando percebi as crianças sozinhas, vi que já estavam entrando e saindo do software sem problema, com total autonomia. Vi que posso circular mais pelos cantos, sem medo.
Renata, da EMEI Santa Clara, contou que tem uma aluna com síndrome de Down e que, desde o início do trabalho com cantos e com a chegada do computador, algo mudou em Evelyn:
–São impressionantes os progressos que ela fez – conta a professora. – Está mais independente, movimenta-se pela sala com mais segurança e adora trabalhar com o computador. Eu morria de medo de como seria a atitude dela frente ao computador, achava que ia estragar, quebrar, mas estou surpresa em ver como a ajudou.
Todas essas oportunidades ampliaram o trabalho com diferentes conteúdos curriculares, principalmente os ligados à formação pessoal e social, ao brincar e às práticas de leitura e escrita. E, sobretudo, mostraram que a presença da máquina não elimina nem minimiza o fundamental papel do professor na formação das crianças.
(Renata Frauendorf, Psicopedagoga da clínica Soma – Campinas e formadora do Instituto Avisa lá.)
Computador promove concentração e mais interações
As crianças, em todas as creches trabalhadas, estão animadas com esta nova possibilidade de usar uma ferramenta que, em grande parte, lhes era proibida. Afinal, computador é caro, pode estragar, criança não mexe … dizem os adultos. Autonomia, zero.
Neste projeto, ao contrário dessa tendência de vetar o computador às crianças, elas têm a possibilidade de fazer uso dessa tecnologia sem constrangimentos. E vejo que as crianças se agarram a esta oportunidade com todo o empenho. Incrível como se concentram diante dos jogos, e são persistentes em dominar a movimentação do mouse e utilizar o teclado.
É comum, por exemplo, quando vão digitar uma letra, baterem numa tecla, imprimindo na tela a mesma letra muitas vezes, mas isso parece não lhes afligir, vão lá e apagam. Por vezes também apagam tudo, e este é um processo em que elas estão absolutamente envolvidas.
Encaram este novo conhecimento com muita generosidade: apagar, bem como construir, faz parte do aprendizado, e assim vão aproveitando cada etapa e avançando muito rapidamente. É impressionante a concentração das crianças nos momentos de uso do computador.
Em geral a organização da sala em cantos de atividade favorece um burburinho que às vezes pode incomodar, mas no canto em que está o computador parece que a interferência externa não importa, o grupo sorteado para usar o computador se mantém totalmente empenhado no que está fazendo. Eu mesma já deixei de ouvir toda a “paisagem sonora” natural de uma sala com 25 crianças quando estava no computador com um pequeno grupo.
(Adriana Klysis)
Computador não é mais importante que outras ofertas
Penso que, para o bom encaminhamento da atividade no computador, é preciso organizar cantos que concorram em grau de interesse das crianças, o que muitas vezes pode ser feito com a renovação das antigas propostas.Também não basta colocar as propostas de cantos nos seus devidos lugares para esperar que essa situação, em si, gere aprendizagens.
É preciso uma conversa antes com as crianças, para saber das possibilidades das ofertas, e também depois, para que elas possam comunicar os novos aprendizados, socializando as descobertas: um jeito novo de brincar com a massinha, por exemplo, fazer jogadas com bolinha de gude, ou qualquer outro conhecimento. Ao fazer isso o professor valoriza a atividade proposta, impedindo que ela seja posta em detrimento diante da atividade do uso do computador.
É preciso legitimar a importância das diferentes propostas. Claro que nem sempre conseguimos socializar tudo o que acontece nos cantos de atividade, sob pena de burocratizar a roda, que se tornaria extremamente longa e cansativa. Entretanto, é preciso se deter nesse aspecto em outras ocasiões.
Digo isso porque percebi o envolvimento completamente diferente de dois grupos, as crianças das creches Amuno e Casa do Aprender, diante de uma mesma proposta: apreciar livros de arte. No primeiro caso, eu não havia apresentado os livros para as crianças e, no outro, tive esse cuidado. No primeiro caso, quase não houve procura dos livros, mas, no segundo caso, as crianças ficaram superentretidas, inclusive pediram emprestado alguns deles para olhar com mais cuidado durante a semana. Uma grande diferença, que tem a ver com um encaminhamento do professor. E livro de arte é tão interessante quanto computador!
Faz-de-conta
Na creche AMUNO, em Osasco, São Paulo, preparei os cantinhos na sala para que as crianças do Jardim II pudessem brincar de faz-de-conta. Trouxe os computadores usados para compor um canto de oficina, as máquinas, todas quebradas, conseguidas por meio de doação, estavam abertas. Havia várias placas para as crianças manusearem, e ainda monitor, mouse, fichas de arquivo para o controle dos clientes. Para enriquecer mais os cantos, havia também ferramentas, como chave de fenda, martelo, chave de boca.
No outro canto, que seria o escritório, tinha outro computador com teclado, mouse e fichas de arquivo. Guilherme e Vicente não queriam sair do escritório, ficavam digitando o nome das crianças e os deles e, quando não sabiam, pediam as filipetas da lista de nomes da sala para servir de apoio. Já na oficina Ritchely pegava chave de fenda e parafusava uma peça do computador.
Kaio bateu e bateu com o martelo no computador e parou para anunciar:
– O Guilherme Aguiar vai vir buscar o computador mais tarde, tenho que arrumar logo – e voltou a se concentrar em seu trabalho.
Surpreendi-me com o modo como vivenciaram aquela situação de faz-de-conta, pois não aconteceu uma separação entre meninas e meninos, como podia se esperar. Ao contrário, brincaram juntos com as ferramentas tentavam, consertar os computadores desmontados.
(Adriana Klysis)
Computador a serviço da escrita
O canto do computador, na EMEI Zilda de Franceschi, nem atraía tanto as crianças, no início, surpreendendo aqueles que achavam que ele seria a maior novidade. Algumas passavam, davam uma olhadinha e iam pegar um brinquedo. Sentei-me junto dele e logo três meninas vieram fazer o registro da história que a professora havia contado.
A terceira olhou um pouquinho e logo saiu para brincar. As outras duas, mais à vontade, combinavam a frase que iam escrever, uma ditava as letras e ajudava a procurar no teclado, a outra escrevia:
– Hum!!! Minha nossa senhora! Apagou tudo! – disse uma delas, sabidinha, muito engraçada, que tinha um certo apelo dramático ao falar – e agora?
– Hum! Ai, não! Vamos escrever tudo de novo! – respondeu a amiga
Escreveram duas linhas, e de novo:
– Não, não é essa letra, apaga, apaga, aperta aqui, deleta. – Cadê o deleta? Ah! Aqui!
– Hummm!!!! Meeeu pai amaaaado! Não era para apagar tudo isso!
– Ai, não!
– Olha, vou ensinar um segredo que parece mágica. – eu disse, e ensinei o segredo das teclas Ctrl e Z, que fazem retroceder a ação passada. Quando a gente faz uma coisa que não era para fazer, se arrepende, mas pode voltar atrás. Olha como faz: aperta aqui e aqui. Olha o que vai acontecer!
– Ah! Eh! – aplaudiram animadas.
Nesse ritmo, demorariam dias para concluir o texto da história, que é longo. Penso que o computador, nesse caso, é mais útil para produzir textos breves, como os cartões ou aqueles que as crianças já sabem de memória, como as tradicionais parlendas.
(Silvana Augusto)