Um projeto bem direcionado possibilita a criança desenvolver pensamento investigativo, aprendendo a se perguntar e a procurar respostas
No primeiro semestre tínhamos em nossa classe alguns dinossauros de brinquedo, e embora não fosse esse o tema dos estudos, percebíamos que, nas brincadeiras, as crianças demonstravam já possuir informações sobre esses animais. Integravam esses conhecimentos à ficção, construíam “casas” para os dinossauros, havia o pai, a mãe, o filho; separavam os animais em carnívoros e herbívoros, criavam diálogos. Observávamos, também, que elas buscavam entender a extinção dos dinossauros (atualmente, sabemos que não foram totalmente extintos, pois as aves são seus descendentes), se referiam a seus hábitos alimentares, aos diferentes tamanhos e ao ambiente em que viviam.
Quando, naquele semestre, pensamos em uma proposta para o evento do Sábado de Atividades com os pais do Jardim 2 – classe em que somos professoras de crianças de 5 anos, achamos que a construção de um ambiente para os dinossauros na areia seria uma proposta adequada para o nosso grupo. Pensamos que os pais, juntamente com seus filhos, poderiam modelar dinossauros e vulcões de argilas além de confeccionar plantas, rios e cachoeiras, criando um ambiente para os dinossauros. O evento aconteceu e deixou marcas. No segundo semestre encontramos os “fósseis dos dinos” e iniciamos o projeto.
Tudo junto
O registro de um momento de brincadeira com dinossauros no tanque de areia apresentou o seguinte diálogo:
“Tem mais carnívoro entrando.” – Pedro.
“Eu estava fugindo. Você é carnívoro?” – Caio.
“Esse é herbívoro.” – Daniel.
“Não, não, eu vou comer o outro.” – Lucas Mattos.
“Embaixo é lava quente. Me cobriu de neve” – Antônio.
“Tava nevando, o sol estava sumindo.” – Felix.
“O gelo começou a derreter. O meu está descongelando. Sabia que na neve o xixi congela no ar?” – Antônio.
Como podemos observar, as crianças falam sobre a alimentação dos dinossauros, e os separam em carnívoros e herbívoros, predadores e presas, ou seja, cadeia alimentar e equilíbrio ecológico. Não sabem explicar os conceitos, mas quando falam sobre o fim da era dos dinossauros, sabem que com a morte das plantas, os animais herbívoros foram morrendo e os carnívoros em seguida, por causa da escassa alimentação. Poderíamos questionar, mas crianças de 5 anos precisam ter acesso a esses conhecimentos? Pensamos que sim, pois as informações enriquecem o brincar, fazem com que reflitam e estabeleçam relações de causa e efeito.
Pesquisar para ampliar conhecimentos
Conhecemos o paleontólogo professor Anelli1, que fortaleceu nossas reflexões sobre o ensino de ciências, pois nos falou que o importante era que puséssemos as crianças para pensar sobre os dinossauros, para que fizessem relações, observassem a natureza, enfim, que desenvolvessem o pensamento investigativo, aprendendo a se perguntar, a procurar respostas, a olhar os eventos mais de perto.
Seguimos essas orientações e antes de darmos início ao projeto lemos s o capítulo 11, “Desenvolvimento do currículo em Reggio Emilia”, do livro As cem linguagens – que descreve um trabalho de longo prazo sobre dinossauros. Esta leitura ajudou-nos a pensar sobre as etapas, os objetivos e as finalidades deste tipo de projeto. Assim como vimos no projeto desenvolvido na Reggio Emilia, também planejamos iniciá-lo expondo os livros de dinossauros sobre as mesas para que as crianças os manuseassem e fizessem leitura de imagens, colocando em jogo seus conhecimentos e suas questões.
As primeiras perguntas
No momento seguinte fizemos uma roda de conversa e propusemos estudar os dinossauros. Contamos sobre a visita que fizemos ao professor Anelli, na faculdade de Geologia da USP, e depois abordamos os comentários que fizeram a partir das imagens dos livros. Propusemos iniciar nossa pesquisa procurando respostas para algumas perguntas:
– “Como era o planeta Terra no tempo dos dinossauros?”
Daniel respondeu que era “uma Pangeia”. Caio completou falando que “tudo era verde, as árvores eram bem altas e tinha umas flores”.
– “Quais os animais que viviam naquela época?”
– “O que são os paleontólogos e quais instrumentos usam?”
Dividimos as crianças em grupos que buscariam nos livros as respostas para essas questões. Cada grupo registrou suas descobertas e depois apresentou para os outros. As falas são as seguintes:
“Os paleontólogos pesquisam fóssil.”
“Os paleontólogos usam pás para achar os ossos.”
“Eles usam uma coisa para enxergar coisas pequenas.”
O microscópio? – perguntamos. Responderam que sim.
“As lentes de aumento ajudam os paleontólogos a enxergar os fósseis.”
“O pescossauro é o mais grande do planeta.”
“O pescossauro pesa mais que cinco pedras grandes.”
“Eles cavam muito e acham osso de qualquer dinossauro.”
“Existiam tigre dente de sabre, ratos.”
“Os gaviões matavam os répteis, tudo que quiserem de carne.”
“Era uma pangéia. Era todos os continentes juntos.”
E assim por diante.
Despertando a paixão por conhecer
Nessa pesquisa pudemos observar o que sabiam e o que inferiam. Juntavam o mamute e o tigre dente de sabre no mesmo período dos dinossauros. Tinham dúvidas se a cobra conviveu com os dinossauros. Atribuíam ao tipo de alimentação o tamanho dos animais. Essas perguntas, assim como outras – como o fim da era dos dinossauros –, foram respondidas ao longo do projeto. Queríamos que esse projeto deixasse pegadas da paixão por ir atrás do desconhecido, por revelar o desejo de aprender, de conhecer a história do planeta Terra, dos dinossauros e de nós mesmos.
Para que essas pegadas ficassem impregnadas nas crianças, vivenciamos a época dos dinossauros com intensidade. Assim como fizemos propostas que partiram de nossas reflexões, também acatamos as sugestões das crianças. Assistimos a uma fita de vídeo sobre dinossauros da National Geografic, e ao terminarmos Flora perguntou:
“Como foi filmado, se no tempo dos dinossauros não havia pessoas?”
Essa questão intrigou as crianças, então conversamos sobre como poderia ter sido filmado, falaram sobre os filmes que conheciam, disseram que já haviam assistido a outros de dinossauros, mas que não eram de verdade, porque um tinha gente e o outro havia macaquinhos. Fomos procurando abordar sobre tipos de filmagens, sobre animações, para que encontrassem solução para a pergunta da Flora.
Novos desdobramentos
As crianças farão um filme sobre o estudo. O desfecho não será registrado neste artigo, porém o entusiasmo que tomou conta de nossos alunos fez com que desenhassem os dinossauros no papelão para que fizéssemos as cenas, como no teatro de personagens de vara. Desenharam também no plástico e projetamos na parede com o auxílio do retro-projetor, para que observassem a ampliação do desenho.
Com essas imagens refletimos sobre a proporção do desenho de um dinossauro para o outro, pois já sabem que o Diplodocus, mais conhecido como pescoçudo, era o maior dos dinossauros, portanto, no filme, não poderá aparecer um inseto maior que esse animal. Esse conhecimento em relação a grandezas foi adquirido ao folhearmos os livros, ao conversarmos sobre o tamanho dos dinossauros e ao utilizarmos uma fita que trazia a medida de alguns deles, da ponta do rabo à ponta da cabeça. Depois de estendê-la, as crianças deitaram ao lado dela, apoiando o pé de uma na cabeça da outra.
Precisamos juntar vinte e uma crianças para dar o comprimento do Diplodocus! Ossos, fósseis e réplicas Um dia, trouxeram ossos de vaca, no outro de galinha, depois vieram as réplicas dos ossos do Tiranossauro-rex, da coleção publicada por uma editora de revista. Nesse dia, brincamos de sermos paleontólogos, algumas crianças escondiam as réplicas e outras as procuravam. A conversa sobre réplica se deu quando falamos que o professor Anelli coordenava uma oficina de réplica na faculdade de Geologia. Ninguém sabia o que era. Contamos que nas exposições de dinossauros a maior parte era réplica, na qual os ossos são reproduzidos buscando uma semelhança informada pela pesquisa. Coincidentemente, nesse mesmo dia, o professor de esportes da escola pediu para que as crianças falassem das oficinas que conheciam. Caio perguntou se poderia ser oficina de dinossauros. Como vemos, os dinossauros fizeram parte do nosso cotidiano: ora as crianças traziam esqueletos e ossos, ora criavam imagens e brincadeiras.
Os livros de dinossauros da classe passaram a ser objetos de desejo da biblioteca circulante. Algumas crianças traziam os seus de casa para compartilhar a leitura com os colegas. Bebel trouxe sua coleção de miniaturas de animais da época dos dinossauros para brincarem e com base nesses brinquedos defendeu a idéia de que as cobras conviveram com os dinossauros. Daniel juntava as informações dos jornais e criava o seu “jornal dos dinos”, desenhava, pintava e ditava os textos.
Um dia propusemos desenho de observação dos dinossauros de brinquedo. A partir daí, as crianças os traziam para o canto de desenho. Fizeram também um jogo de memória de dinossauros e construímos uma linha do tempo ilustrada. O ponto alto de nosso projeto foi a ida ao museu de Geologia, todos estavam na maior expectativa. Já havíamos trocado correspondência por e-mail com o professor Anelli, e feito algumas perguntas que foram respondidas com muita atenção.
Ao vivo e a cores
Antes da visita ao museu conversamos com as crianças sobre a postura que teríamos nesse espaço e também sobre as perguntas que faríamos quando encontrássemos com o professor Anelli. Listamos algumas:
Por que os dinossauros eram tão grandes?
Como os dinossauros apareceram?
Os dinossauros cuidavam dos filhotes?
Havia cobra no tempo dos dinossauros?
Durante a conversa as crianças foram instigadas a pensar sobre suas perguntas e riam com as respostas. Ficaram maravilhadas com a réplica do Alossauro. Depois, o diretor do museu, o professor Idevaldo, fez propostas para as crianças, conversamos sobre meteoro, ao observarmos um meteorito, imitaram o caminhar do Alossauro e entraram na cabeça dele. Viram outras réplicas, observaram o cartaz com a linha do tempo dos dinossauros, localizados nos períodos.
As crianças adoraram a visita, pois foi planejada para a faixa etária e de acordo com o estudo realizado na sala de aula. Ao finalizarmos elas desenharam, representando o que haviam vivido, e depois fizemos uma roda de conversa. Dias depois pudemos observar o impacto da visita. Em uma brincadeira, organizaram todos os dinossauros e falaram que era um museu. Assim, brincando e aprendendo as crianças de 5 anos demonstram que as informações científicas são poderosos motores para o brincar.
(Helô Pacheco, artista plástica, professora na Escola Vera Cruz em São Paulo – SP e formadora do Instituto Avisa Lá)
1Luiz Eduardo Anelli é professor de geologia da Universidade de São Paulo (USP).
E-mail para lá e para cá
Oi, Professor Anelli,
Nós queremos saber algumas coisas:
Existia flor na época dos dinossauros?
Sim, muitas. Nem tantas quanto hoje. As flores mais comuns eram parecidas com as flores das magnólias que ainda existem por aí.
Como vocês montam o esqueleto de dinossauro sem que ele caia?
Por que você consegue ficar em pé? Não é por que você tem um esqueleto? Da mesma forma, o esqueleto do dinossauro tem um esqueleto de ferro que passa por dentro dos ossos, mantendo-o em pé.
É verdade que na época dos dinossauros tinha muito sol e era muito quente?
O Sol era quase o mesmo, talvez só um pouco mais forte. O que fazia a diferença é que o efeito estufa era mais forte, pois existia mais gás carbônico no ar. Se o homem continuar poluindo o ar com fumaça dos carros e das fábricas, e cortando as árvores, vai sentir na pele o calor que os dinossauros sentiam.
Como que caiu o meteoro? Eram vários meteoros? Eles caíram na água, na terra ou no vulcão?
Os meteoros são atraídos pela força da gravidade da Terra, uma força não muito simples para compreender. Tente responder: – Por que quando você pula, você volta para o chão? Porque a Terra tem uma força que te atrai de volta para ela: a força da gravidade. Assim também quando um asteróide passa por perto, a Terra o atrai para sua superfície e eles caem na Terra. Por isso também a Lua está presa perto da Terra, e a Terra do Sol, e o Sol da… ah, deixa para lá. Até pouco tempo atrás os cientistas acreditavam que foi um único asteróide. Mas agora acreditam que foram vários pedaços grandes de um meteoro que se espatifou no espaço em uma grande trombada com outro asteróide. Quando passavam perto da Terra, foram atraídos pela força da gravidade e caíram aqui. Um destes caiu no mar, perto do México. Sua cratera tem 170 km de comprimento, mais ou menos a distância de São Paulo até Campinas.
Se ele caiu na água fez uma onda gigante?
Sim. Fez uma onda que os cientistas acreditam que media 100 metros de altura!
Existia morcego naquela época?
Sim, mas ainda não encontraram os seus fósseis.
O Caio acha que não porque o morcego tem pêlo e naquela época só existia pele de couro.
Ãh, ãh. Já existia pêlo desde quando os primeiros dinossauros passaram a existir, 220 milhões de anos atrás. Pêlo é uma coisa tão antiga quanto dinossauro.
Anelli, qual é o dia que você está aí na USP, no museu de Geologia, e que poderíamos encontrar com você? Onde você estará?
Segunda não é um bom dia para mim. Tente marcar com o Diretor do Museu, o Sr. Ideval, um dia de terça a sexta, e aí eu converso com vocês por 1 hora.
Obrigado por você nos emprestar as fitas do comprimento dos dinos, a mochila e o livro.
Tchau
Caio, Luís, Bebel, Bibi, Maria Maia, Maria Pandeló, Pedro, Lucas Teixeira, Lucas Mattos, Daniel, Jade, Giulia, Flora, Vitor, Miguel, João, Felix, Antônio, Gabi e Helô.
importância de uma coleção de réplicas de fósseis
Fósseis são raros na natureza. Dependendo da área geográfica em que uma cidade ou país esteja, as rochas sobre a qual se encontra podem ou não conter fósseis. O Brasil, se considerarmos sua grande extensão geográfica e o fato de conter diversas bacias sedimentares (áreas onde são depositadas as rochas sedimentares nas quais os fósseis normalmente ocorrem), é um país relativamente pobre em fósseis. Sendo assim, a Oficina de Réplicas, ligada ao Museu de Geociências e ao Laboratório de Paleontologia Sistemática do Departamento de Geologia Sedimentar e Ambiental – IG/USP, preparou uma coleção de réplicas de fósseis para atender à grande carência de material paleontológico nas escolas de segundo grau e universidades.
A coleção O passado em suas mãos é composta por 27 peças, sendo 24 réplicas e 3 réplicas artísticas em gesso de fósseis de animais, planta s e estruturas. Acompanha esta coleção um guia com textos básicos sobre paleontologia, ilustrado com reconstruções dos animais em vida, partes morfológicas importantes e questionários para sala de aulas ou exposições.
Coleção O passado em suas mãos – oficina de réplicas. EDUSP Universidade de São Paulo – Instituto de Geociências – Oficina de Réplicas – Contatos e informações: Tel: (11) 3091-4123– Site: http://www2.igc.usp.br/replicas– email: replicas@edu.usp.br
Ficha técnica
Escola Vera Cruz – Rua Da Elisa de Moraes Mendes, 784 – São Paulo SP – CEP: 05449-001 – Tel.: (11) 3021 2050
Educadora: Helô Pacheco