Observadores da natureza

O Brasil sempre exerceu grande fascínio sobre o olhar dos viajantes. Os relatos de viagens, as descrições das terras brasileiras, dos animais e das flores, tão estranhos ao estrangeiro, enchiam sua imaginação e excitavam sua curiosidade
Maracujá (ao fundo) Maria Sibylla Merian Metamorphosis Insectorum Surinamensium (em primeiro plano) Amsterdam 1705

Maracujá (ao fundo) Maria Sibylla Merian Metamorphosis Insectorum Surinamensium (em primeiro plano) Amsterdam 1705

As primeiras imagens das paisagens brasileiras foram produzidas pelos holandeses entre 1637 e 1645. Os pintores que acompanharam Maurício de Nassau em sua chegada ao Brasil vieram com a missão de registrar e enviar por meio de suas pinturas um pouco do que viam nas terras brasileiras. Frans Post é um dos mais importantes da época, seguido de Eckhout, que trouxe para o centro da paisagem os tipos humanos que aqui viviam. As produções, misto de realidade com a ficção criada pelos olhares dos artistas, traziam em suas paletas os tons e os modos da pintura holandesa do século XVII. Além desses artistas, também acompanharam a missão outros não tão famosos, responsáveis pelo registro da flora e fauna brasileira. São ilustradores que, durante o período das navegações da Companhia das Índias Orientais e Ocidentais, se dedicaram a um registro que, entre o rigor detalhista da ciência e o das técnicas da arte, se constituiu como parte importante da história natural do Brasil.

Comércio, arte e ciência
A descoberta do Novo Mundo e o futuro do comércio ultramarino holandês ocupavam o centro das atenções do mundo na época. Segundo David Freedberg, historiador da Arte, esses estímulos também motivaram a arte e o progresso da ciência, em especial a história natural. Artistas holandeses – ou estrangeiros que publicaram na Holanda –, nutridos por esse espírito, dedicaram-se a produzir os mais importantes herbários, livros publicados em vários volumes com lâminas ilustrativas, ricamente descritivas das qualidades e espécies das plantas, árvores, arbustos, sementes, flores, frutos, insetos e outros animais. O rigor dessas descrições tão detalhistas e a atenção concentrada nos objetos – muito diferente da produção de paisagens na pintura, por exemplo – chama a atenção para as produções do período e provavelmente se deve às exigências dos hortos e museus botânicos, que eram motivo de muito investimento na época.

Grande parte dessa produção bebeu na fonte natural brasileira, a rica e exótica fauna e flora, tão diferente de tudo o que os estrangeiros conheciam até então. Entre 1647 e 1658 muito se produziu no Brasil. Em 1648, logo depois da expedição ao Brasil, foi publicado na Holanda o História Naturalis Brasiliae, um trabalho de extrema importância para a etnografia e para a história natural da América do Sul, considerado o primeiro livro de história natural, um marco na história da documentação visual, inteiramente custeado por Maurício de Nassau.

Dividido em várias seções, contou com a colaboração do naturalista e médico Wilem Piso, responsável pelas discussões sobre o ar, a água e a topografia brasileira, sobre as doenças endêmicas locais, os venenos e seus antídotos e as plantas medicinais. As demais seções, sobre plantas, peixes, pássaros, quadrúpedes, cobras e insetos, ficaram a cargo de Marcgraf, que também incluiu observações astronômicas e uma breve discussão sobre tribos nativas do Brasil e do Chile, acompanhada de um glossário de suas línguas. Marcgraf morreu por volta de 1644, na África, antes de organizar suas notas sobre o Brasil, mas, felizmente, foram editadas anos depois com os comentários de De Laet.

Aroeira,Ambaiba, Ianipaba

Aroeira,Ambaiba, Ianipaba

Os exemplares desses livros eram pintados um a um, sob a supervisão dos próprios artistas. Embora não seja tão prestigiada quanto a pintura do período, essa produção encanta e intriga aqueles que querem separar a ciência e a arte, intrinsecamente unidos no olhar curioso e perspicaz dos observadores da natureza. Nos anos seguintes, entre 1673 e 1755, aproximadamente, naturalistas como Rembert Dodoens, Matthias de Lóbel, Charles Lécluse, Hendrick Adraan van Reede tot Drakenstein, Linnaeus e George Rumphius continuaram a alimentar essa produção, alguns se dedicando diretamente às plantas raras existentes no Horto de Amsterdam.

Também fazem parte desta tradição naturalista algumas mulheres como Gesina ter Borsch, Judith Leyster, Rachel Ruysch e a extremamente habilidosa Maria Sibylla Merian, todas pouco mencionadas provavelmente pela visão patriarcalista e pelo preconceito contra a ilustração ligada à história natural, que era compreendida, na época, como uma atividade predominantemente feminina. O História Naturalis Brasiliae foi reeditado dez anos depois com algumas modificações feitas por Piso.

Depois da impressão desses dois livros, a Holanda superou as nações européias, no valor científico e artístico. As ilustrações holandesas eram muito mais acuradas na descrição e mais refinadas do que as toscas xilogravuras que se produziam na época. Muitos historiadores da expansão ultramarina, assim como historiadores da arte e da história natural, usaram esses livros nos anos seguintes. O Banco Real/ABN AMRO Bank em 1999 promoveu a restauração do exemplar original que estava na Biblioteca Nacional. Foram feitos CD-ROMs, uma exposição “O Brasil e os Holandeses”, que foi transformada em um precioso livro editado pela GMT Editores Ltda., com magníficas ilustrações, como as que mostramos abaixo. Há exemplares em todas as bibliotecas brasileiras.

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