As gravuras da artista paranaense Denise Roman revelam um universo lúdico, povoado de personagens que flutuam, cenários de fábulas e imagens sobrepostas. Com figuras que parecem ter saído do faz-de-conta infantil, sua obra é um inspirador ponto de partida para trabalhar o desenho de imaginação na sala de aula
A obra de Denise Roman é um convite a olhar para o mundo infantil com seu livre trânsito entre realidade e imaginação. Seu traçado busca liberdade, brincando com os meios e suportes. Atual orientadora de litografia do Museu da Gravura da Cidade de Curitiba, Denise iniciou sua trajetória nas Artes Plásticas na Escola de Música e Belas Artes do Paraná, em Curitiba. Em 1981, começa a usar a transparência em seu desenho. Mistura uma figura na outra e gosta de descobrir o que nasce desta junção. Esta superposição de imagens só é possível no plano da ficção, da fantasia, ingrediente fundamental de seu desenho. O desenho – caminho das linhas ou de pontos em suportes variados – carrega em si possibilidades infinitas e se presta muito bem à representação tanto do mundo real como da imaginação.
Na escola, ainda há uma preponderância da primeira possibilidade. De fato, para aprender a desenhar é fundamental a intimidade com propostas que instiguem o olhar, como os desenhos de observação. Denise, que já deu aulas para o público infantil e hoje coordena oficinas de gravuras, considera importante a criança saber desenhar, e este aprendizado necessita de exercícios de observação atenta para experimentar reproduzir o que vê. Entretanto, sabemos que o desenho não é apenas uma cópia ou tentativa de reprodução fiel da realidade. O desenho também é espaço de criação e lugar para criar o que não existe, o que não está dado de antemão.
Inspiração da inspiração
Inspirar-se em artistas que tragam este universo de desenho de imaginação pode ser um bom começo para explorá-lo no cotidiano escolar. Isto ocorre principalmente na Educação Infantil, quando as crianças estão inaugurando seu ingresso no mundo do desenho. Conhecer as fontes que inspiram os artistas pode oferecer pistas de como planejar novas atividades. No caso de Denise, seu universo imaginário é fortemente influenciado pela arte e literatura. Na pintura, Denise cita Brueghel1 e Bosch2. Na literatura, Kafka3, García Márquez4 e Tolkien5. Como vemos, não é aleatório o universo imaginário vivo na obra de Denise. As suas referências estão ligadas a artistas que lidaram com o plano simbólico de forma sensível, singular e universal.
Podemos, então, fazer uma transposição para a sala de aula e ver que tipo de literatura inspira as crianças a desenharem um universo fantástico. Ler, por exemplo, as histórias das Mil e Uma Noites6 em versões que não tenham desenhos pode ser um bom caminho. A partir das ricas descrições do texto, as crianças podem desenhar como imaginam os gigantes, as princesas, os mercados de essências e sabores que aparecem nessa deliciosa obra.
Despertar na infância
Para Denise Roman, a imaginação é ótima companheira, não tem limite, assim como a brincadeira que amplia as possibilidades da criação humana. A artista, desde pequena, interessou-se pelo desenho e foi estimulada, por uma professora sensível, a perceber a natureza de seus interesses e a manifestar sua vontade expressiva. Será que na escola estamos atentos aos desenhos e criações das crianças? Conseguimos ver o significado de uma menina que gosta de desenhar casas de coelhos, sabemos apreciar o empenho das crianças em desenhar monstros, princesas, super-heróis, dinossauros?
Denise nos dá a dica para sempre observar imagens de qualidade: boas histórias em quadrinhos, desenhos e, sobretudo, aventurar-se no mundo dos traçados com muita folha e lápis. Além de observar o que a criança cria, cabe à escola o papel de alimentar sua produção. Vale, portanto, uma leitura atenta dos interesses infantis e também oferecer imagens que possam sugerir caminhos para as criações e pesquisas dos pequenos. Para o aluno que gosta de monstros, poder entrar em contato com o que foi produzido pela humanidade sobre este tema é um ótimo caminho. Para os que gostam de fazer personagens dos contos de fadas, tal como a menina Denise, imagens dos mestres Gustave Doré7 e Albrecht Dürer8 são ótimas fontes.
Em Sinfonia da Floresta, por exemplo, a copa de árvore formada por variados chapéus nos dá uma aula de regência do universo fantástico de Denise: o campo onde tudo é possível e escapa ao convencional. Poder explorar este universo que já é familiar às crianças no seu faz-de-conta e no jogo simbólico é uma forma de considerar o rico potencial que elas têm e inseri-las num contexto educativo instigante.
Para instigar as crianças
A seguir, algumas propostas para provocar desenhos de imaginação:
- Desenhar seres fantásticos – A leitura de trechos dos contos de fadas e histórias que tragam a descrição de cavalos alados, dragões, seres mitológicos é muito bem-vinda para a proposta de desenhá-los. É interessante que se leiam textos sem ilustrações para as crianças. Assim, cada um pode imaginar e desenhar seu próprio personagem, apoiado na descrição dada pelo livro.
- Brincar com os sentidos – Desenhar cheiros: o cheiro delicioso de brigadeiro, chulé de bruxa, perfume suave de fada. Ou ainda brincar com as distorções da visão: desenhar óculos especiais que fazem enxergar tudo colorido, esfumaçado, torto, pontilhado, etc. Quem sabe até tentar desenhar sons: rugido de leão, canto de baleias ou então o som de músicas diversas.
- Viajar com as nuvens – Propor a gostosa brincadeira de observar as nuvens, imaginar formas e desenhá-las. Este exercício torna-se mais rico ao ser repetido ao longo de um tempo, observando transformações, criando familiaridade.
- Rabiscos livres – Rabiscar aleatoriamente uma folha e a partir deste pretexto criar algo com base no que foi riscado.
- Figuras distorcidas – Desenhar as figuras refletidas em bolas de natal, colheres, superfícies arredondadas, que distorcem a realidade.
- Artistas inusitados – Observar a obra de artistas que tenham temáticas inusitadas, seja na pintura, desenho, escultura. Fazer com as crianças uma lista de possibilidades de desenhos malucos. Por exemplo, ao observar o quadro A Persistência da Memória (1931), de Salvador Dali9, que retrata uma série de relógios derretendo, sugerir às crianças que escolham objetos e os retratem tal qual a proposta do artista em observação, no caso, derretendo-se.
- Temas sugestivos – Sugerir desenhos temáticos, que façam as crianças usar a imaginação para criá-los. Vejamos algumas propostas concebidas pela equipe de formação do Instituto Avisa Lá10 para a Rede Pública de Cajamar (SP): casamento de bichos, máquina de fazer sonhos, sapato para matar baratas, Alice no País da Maravilhas, arquivador de memórias tristes, um pé de que (árvores muito malucas). O importante nestas propostas é que a produção fuja do convencional, por exemplo, na proposta “Um pé de que”, pode-se desenhar uma copa de borboletas, uma raiz de árvore em forma de cobras ou ainda frutos que são bonecos.
- Batizar as obras – Criar títulos para os trabalhos. Vale a apreciação de imagens de trabalhos de artistas e seus respectivos títulos. As crianças certamente vão gostar de títulos como os dados por Denise para a gravura em que crianças pulam corda – “Para cima para baixo melhor não usar tomara- que-caia” – ou então “Aula de vôo de pássaros distraídos”.
(Adriana Klisys, formadora do Instituto Avisa Lá e coordenadora da Caleidoscópio Brincadeira e Arte)
1Pieter Brueghel (1525-1569), pintor belga. Chamado de “o Velho” para se distinguir do filho, que possuía o mesmo nome, é bastante conhecido por seus quadros que retratam paisagens e cenas do campo.
2Hieronymus Bosch (1450-1516), pintor holandês.
3Franz Kafka (1883-1924), escritor tcheco, fez parte, junto com outros escritores, da chamada Escola de Praga, movimento que propunha a criação artística alicerçada na grande atração pelo realismo, na inclinação à metafísica e na síntese entre uma racional lucidez e um forte traço irônico.
4Gabriel García Márquez (1927), escritor colombiano, Prêmio Nobel de Literatura de 1982. Sua obra mais conhecida é Cem Anos de Solidão, Ed. Record.
5Jonh Ronald Reuel Tolkien (1892-1973), escritor sul-africano que cresceu na Inglaterra, autor de O Senhor dos Anéis, O Hobbit, dentre outros livros.
6Confira na Revista avisa lá no 26 – Edição, abril/2006 – págs. 18 a 29, artigo em que a formadora Silvana Augusto sugere atividades com as muitas versões do livro das Mil e Uma Noites.
7Gustave Doré (1832-1883), artista plástico francês. Um dos maiores ilustradores de todos os tempos, foi também pintor e escultor.
8Albrecht Dürer (1471-1528), pintor alemão. Considerado o maior artista alemão da Renascença, é conhecido pelas delicadas aquarelas da vida animal e vegetal, por suas xilogravuras que expressam dramaticidade e pelas gravuras religiosas, feitas em metal.
9Salvador Felipe Jacinto Dali (1904-1989), pintor catalão, um dos artistas mais conhecidos do século 20.
10Proposta criada por Adriana Klisys, Edi Fonseca e Silvana Augusto.
Pintor da fantasia
As pinturas de Hieronymus Bosch (1450-1516) denunciam seu interesse pela alquimia, alegoria, superstição. Dramas infernais e felicidades paradisíacas, insistências realistas e transfigurações até o obsceno, enigmas cabalísticos e soluções metafísicas são as notas de sua criatividade, que por vezes entra por um mundo de metamorfoses, digno de uma fantasia kafkaniana. Nascido na Holanda, Bosch viveu entre a Idade Média e o Renascimento, e há nele um moralismo e um tratamento das alegorias tipicamente medievais. Seu sentido de humor e ânimo burlesco são inconfundíveis. Por outro lado, sua expressão esotérica aparenta-o com os cultivadores da alquimia. Seu modo de considerar os santos como seres comuns e vulneráveis (As Tentações de Santo Antão, tríptico, no Museu Nacional de Arte Antiga de Lisboa) difere da tradição medieval.
Embora um pioneiro, que cultivava as representações realistas de um modo insólito na época, suas obras estão submersas no universo medieval das farsas, bruxas e extravagâncias. Às vezes parece roçar o mundo da loucura (A Nave dos Loucos), ao refletir os atrozes castigos que esperam os pecadores (O Juízo Final, díptico conservado em Bruxelas) ou as tentações dos prazeres proibidos (O Jardim das Delícias, no Museu do Prado, em Madri). Este último quadro, com as suas cenas oníricas e fantásticas de grande originalidade, é admirado e constantemente reinterpretado ao longo dos séculos.
Obra-prima é o Carro de Feno, símbolo dos prazeres materiais: o carro está ocupado por um par de namorados e, além disso, tentam subir nele personagens de todo tipo, desde um vilão até um imperador e um papa. Ele ultrapassa a mera narração do seu universo simbólico para o recriar com um dinamismo surpreendente. Esse é o mundo de Bosch, onde toda pausa de serenidade, quando não se encontra suspensa no cômico e na caricatura, é efêmera. Tudo é uma fantasia inaudita, que transfigura as criaturas, como uma lepra de alucinação diabólica e exasperada. Para Bosch, o mundo, borbulhante de metamorfoses monstruosas, não conhece a razão: o espaço anuncia ameaças, mas não tem dimensões. O real se transmuda numa diabólica surrealidade.
(Texto elaborado a partir de informações disponíveis na Coleção: Gênios da Pintura. Abril Cultural e no site http://pt.wikipedia.org/wiki/Hieronymus_Bosch)
Minha professora
“Aprendi a gostar de desenhar nas mesinhas do Nosso Jardim. Minha primeira professora, Karimi Abdalla, na época uma jovem artista recém-formada na Embap (Escola de Música e Belas-Artes do Paraná), nos deixava mergulhar livremente num paraíso de cores e cheiros regado com muito pó xadrez e folhas de papel jornal. O desenho funcionava como uma gostosa brincadeira, em que eu podia, por exemplo, construir, mobiliar e povoar minhas casas que ficavam no interior de imensas árvores habitadas por numerosas famílias de coelhos. Hoje continuo desenhando, explorando um mundo mágico onde tudo pode acontecer… Continuo brincando com o papel, mexendo com figuras e texturas. Gosto de dar a meu trabalho um sabor ilustrativo. Meus amigos me chamam de Denise romântica.”
(Trecho do livro O Mundo Imaginário de Denise Roman)
Intenso ilustrador
Um dos maiores ilustradores de todos os tempos, o francês Gustave Doré (1832-1883) era também pintor e escultor, mas suas pinturas e esculturas não tiveram o mesmo sucesso que suas ilustrações de obras famosas como A Divina Comédia, de Dante, Gargantua, de Rabelais, Contos, de Balzac, Dom Quixote, de Cervantes, Paraíso Perdido, de Milton, O Corvo, de Edgar Allan Poe e a Bíblia. Doré trabalhava de forma intensa e veloz. Ilustrou mais de 120 obras. Geralmente esboçava os desenhos diretamente na madeira e chegou a empregar aproximadamente 40 gravadores competentes para trabalhar nas suas ilustrações.
Em 1857, Doré começou a ilustrar o Inferno, de Dante. Ele não sabia italiano e provavelmente utilizou a tradução em prosa de Pier Angelo Fiorentino, que posteriormente foi republicada com suas ilustrações. Não encontrando editor disposto a publicar sua obra, Doré publicou as ilustrações e o texto por conta própria, em 1861. Cinco anos mais tarde, terminou de ilustrar o Purgatório e o Paraíso e lançou uma obra com as ilustrações de toda a Divina Comédia.
Doré teve uma vida próspera e pode usufruir o seu sucesso, vivendo até mesmo romances com as mulheres mais famosas do século 19, como a atriz Sarah Bernhardt e a cantora de ópera Adelina Patti. Falecido em janeiro de 1883, o artista deixou incompletas suas ilustrações para uma edição de Shakespeare.
(Texto elaborado com base em informações disponíveis nos sites http://www.stelle.com.br/pt/dore.html e http://dore.artpassions.net)
Ficha técnica
Contato com Denise Roman
NORIS ARTE – Espaço de Arte
Alameda Princesa Izabel, 899
CEP: 80430-120 – Curitiba – Paraná
Tel.: (41) 3225-4963 – Fax: (41) 3232-9319
e-mail: noris@norisarte.com
Para saber mais
Livros
- A Metamorfose, Franz Kafka. Ed.Cia das Letras. Tel.: 0800 014 2829.
- As Mil e Uma Noites – Coleção Reencontro. Julieta de Godoy Ladeira. Ed. Scipione. Tel.: (11) 3990-1778.
- Cem Anos de Solidão, Gabriel García Márquez. Ed. Record. Tel.: (11) 3286-0802.
- Dom Quixote de La Mancha, Miguel de Cervantes Saavedra, Ilustrações de Salvador Dali. Ed. Planeta do Brasil. Tel.: (11) 2171-7100.
- O Hobbit, John Ronald Reuel Tolkien. Ed. Martins Fontes. Tel.: (11) 3241-3677.
- O Mundo Imaginário de Denise Roman, textos de Noris Bargueño e Adalice Araújo. Galeria Noris Espaço de Artes. Vendas apenas pelo telefone (41) 3225-4963 (com Fabíola).
- O Processo, Franz Kafka. Cia das Letras. Tel.: 0800 014 2829.
- O Senhor dos Anéis – Trilogia, John Ronald Reuel Tolkien. Ed. Martins Fontes. Tel.: (11) 3241-3677.
- Quem tem medo de dragão, Fanny Joly, Ed. Scipione. Tel.: (11) 3990-1778.
Sites
- Galeria Virtual Noris Arte – www.norisarte.com
- Franz Kafka – http://almanaque.folha.uol.com.br/kafka.htm
- Gabriel García Márquez – http://www.releituras.com/ggmarquez_menu.asp