Importa, prioritariamente, a criança, o sujeito da experiência, e não a música em si. A educação musical não deve visar à formação de possíveis músicos do amanhã, mas sim à formação integral das crianças de hoje
Isso é o que diz Teca Alencar de Brito, professora de música, consultora da área e pianista de formação. Curiosa ouvinte das crianças e investigadora de práticas do ensino de música, Teca efende o direito fundamental da criança apreciar, pensar e produzir sua própria música. Ela critica a falta de reconhecimento e valorização da produção musical infantil.
Nas artes plásticas, por exemplo, a produção das crianças é muito mais respeitada. As pessoas, de um modo geral, tendem a reconhecer o valor de uma garatuja. Um papel com manchas de cores tem um valor estético.
Considera-se interessante como a criança misturou cores e as texturas resultantes. O que ela fez é valorizado, há também uma preocupação com a existência ou não de intenção em suas produções. Mas esse reconhecimento não acontece com a música produzida pela criança.
Nesta entrevista, a especialista discute o assunto e aborda práticas de ensino que consideram o modo próprio de a criança compreender a música.
Por que a música deve estar presente desde a educação infantil?
Para responder a essa pergunta, a gente deve dar um passo atrás e perguntar o porquê da música no mundo, na cultura, na vida do ser humano.
A música está presente na vida como uma linguagem simbólica e uma das formas de representação utilizadas pelo homem. Existe desde tempos muito remotos e são muitas as pesquisas e teorias que tentam explicar sua presença na cultura.
O homem tem música, sente a música, toca, canta e, de certa forma, todo mundo reconhece sua importância para o ser humano. E porque é importante na vida dos homens deve estar presente no processo de educação.
A música existe na cultura e a criança deve ter acesso. O acesso ao conhecimento musical – como o acesso a qualquer outra área de conhecimento – deveria ser um direito de todas as crianças, mesmo para as que não vão seguir aprendendo música, para as que não vão fazer essa escolha profissional.
Que benefícios ela pode trazer para a formação das crianças?
Tem gente que diz que a música desenvolve a coordenação motora, a capacidade de falar, afirmam que é bom porque a escuta da canção pode facilitar o processo de alfabetização. Outros dizem que é importante porque é uma forma de apreensão dos conteúdos: as crianças apreendem melhor aquilo que elas cantam porque acionam um outro tipo de memória.
Há também aqueles que dizem que a música acalma, relaxa as crianças muito agitadas ou, por outro lado, estimula o movimento, enfim. Tenho um pé atrás com tudo isso e explico porquê. Reconheço que a música ajuda a desenvolver esses aspectos, é verdade, mas não acho que ela é importante por esses motivos.
Tem que ter música na educação porque ela é uma forma de comunicação e expressão, uma linguagem da sensibilidade, um dos modos de expressão artística. Porque ela lida com a estética e a criatividade.
A música tem a capacidade de integrar emoção e razão. A gente vive numa sociedade que dá muita ênfase a um tipo de pensamento que é racionalista e dualista, que separa as coisas: emoção de um lado, razão de outro. Existe o pensar ou o sentir, o corpo ou a mente, ou você faz ou você pensa.
Todo esse dualismo, que ainda é muito presente na cultura ocidental e também na educação, a gente transcende quando faz música porque ela integra o fazer, o sentir e o pensar: o pensamento sensório-motor está presente quando a criança toca, canta, se movimenta, escuta.
Ao mesmo tempo, ela pensa, em níveis de complexidade diferentes quando escuta uma produção musical, presta atenção em diferentes aspectos, relaciona outros etc.
A música é um jogo de relações entre sons e silêncio e é importante poder perceber, ouvir, analisar e criar essas relações. O fazer musical da criança está conectado com seu todo, corpo, imaginação e intelecto, é como ela percebe o mundo, se relaciona com o tempo. Esse é o benefício maior.
Qual o conceito de música que está na base de todo o seu trabalho?
Não entendo música como algo fechado e pronto, limitado por suas próprias regras. Música é resultado das relações que a gente estabelece entre sons e silêncio. Enquanto for considerada uma linguagem fechada em suas próprias regras, composta de melodia, ritmo, harmonia e só, idéias equivocadas sobre o ensino de música vão continuar aparecendo.
Música não é isso. A combinação de melodia, ritmo e harmonia é uma das formas de produção, é característica da música tonal do Ocidente que teve séculos de história para chegar a essa estrutura. Está presente na maioria das produções que a gente ouve cotidianamente, na música ocidental do séc. XV ao XIX.
Mas não é única em todas as épocas e culturas porque nem toda música tem ritmo e melodia. Muitas produções do século XX, por exemplo, não têm melodia e são músicas. Ritmo também. Sempre tem ritmo, mas não necessariamente medido, com um pulso, um compasso. Tem músicas que trabalham com outro conceito de tempo.
Mas, então, o que define o que é ou não é música?
A primeira coisa que temos que entender é que a construção musical, não só para a criança mas para todos nós, se dá principalmente pela escuta. É a escuta que faz com que determinado conjunto de sons e silêncios se torne música.
Jonh Cage, por exemplo, um músico americano que teve uma enorme importância no século XX, rompeu com várias barreiras nesse sentido: ele disse “é música o que eu escuto, se eu escutar como música”. E ele morava em Nova Iorque, numa esquina movimentada de Manhattan e dizia:“todo mundo diz que esse é um lugar muito barulhento, mas pra mim é música”.
Ele escutava como música, buscava relações entre aquilo, percebia texturas diferentes, etc e tal. Ou seja, a música se dá no plano interno. Embora seja feita externamente, por meio do instrumento, da voz, ela só se torna música quando você escuta.
Essa idéia abre muitas possibilidades: posso organizar sons e silêncio, dentro ou fora do sistema tonal tradicional. É muito importante essa reconceituação para que possamos nos aproximar da música da criança, porque elas não produzem dentro de um só padrão.
Mas isso implica em uma outra concepção da área de música, diferente do modo como vem sendo tradicionalmente trabalhada.
Claro, é isto. Explicitei essa concepção no livro que escrevi recentemente1. Hoje em dia todo mundo fala de uma pedagogia construtivista, buscando apresentar para as crianças algo que tenha significado para ela, se dedicando a perceber como pensa o mundo, o que ela já sabe, que hipóteses ela cria sobre aquilo que percebe e faz em diferentes áreas, mas com a música isso não acontece.
Ainda se propõe, na escola, uma música que não tem sentido para as crianças. O adulto, em geral, limita, molda e tolhe o tempo do exercício, da exploração, do gesto, da pesquisa pela criança, que é o caminho para ela chegar, inclusive a um conhecimento convencional e estruturado.
O que eu vejo, também, é que as pessoas se ocupam da música sempre em função de outras coisas, quando, na verdade, música é música! Tem um valor em si, é legítima como linguagem, como conteúdo.
Uma coisa que me incomoda profundamente é perceber como as pessoas não se dão conta de que a música também é uma linguagem cujo conhecimento a criança deveria construir e que os adultos não deixam porque já dão tudo pronto.
Qual é a diferença entre o ensino tradicional de música e o que você propõe em seu livro?
O ensino tradicional de música tende a dissociar o fazer do pensar. O que era aquela aula de música? Conhecer as notas musicais. Na aula de teoria, a criança ficava treinando para ler notas e ritmos, seguia todo um programa, aprendia a usar claves, identificar os compassos. A música era entendida apenas como um sistema de leitura e escrita.
Leitura e escrita musical são partes de um todo, que em geral não era considerado. Primeiro você ia aprender aquela estrutura, para só depois começar a tocar um instrumento. Você aprendia as regras, mas não escutava.
Aprender a ler música, por exemplo, é, queira ou não, um processo mais complexo, até mais longo, demanda um tempo muito grande, porque ler música não é só ler bolinhas, é ler sons. Implica em um trabalho de integração, de percepção, de escuta, desde o momento em que é possível na vida da criança porque há todo um sistema de relações, uma série de esquemas a serem desvendados.
Mesmo na etapa da pré-escola as atividades musicais devem estar integradas com a reflexão, devem estar sintonizadas com a consciência que a criança tem em relação ao fazer musical. Assim, aprender música não deve se resumir a escutar ou cantar o que já está pronto.
É preciso abrir um espaço para observar o que a criança faz. E isso é muito difícil quando se trabalha em um esquema em que o professor traz tudo pronto: ensina como cantar, como imitar o bicho, como fazer o gesto certo, como escrever as notas convencionais etc. Mas, para a criança, música não é isso, não é só reprodução.
Como a criança se relaciona com a música?
Ela quer tocar uma música que gosta ou que inventou, que ouviu ou que percebeu como música. A criança já sabe muitas coisas sobre música: sabe que se faz cantando, tocando, que tem instrumentos diferentes, que existem determinados gestos para tocar e observa tudo.
Ela convive com as duas coisas: com o que ouve e conhece na própria cultura – que é o que lhe dá o referencial do conhecimento musical, de construção de uma memória auditiva – e com o seu modo de produzir. Quando pega um violão, por exemplo, reproduz coisas que já viu, que observou alguém fazer.
Quando vai ao piano, explora possibilidades, descobre que pode tocar uma nota de cada vez, uma depois da outra, que tem sons graves, agudos, que pode mudar a força. Está o tempo inteiro, envolvida em um exercício de pesquisa de sons e de produção de gestos.
Tem crianças, pequenas, aqui na escola, que adoram tocar o tema do Harry Potter, tocam com um só dedo tan, tim, tan … claro, no estágio delas, porque ainda não têm condições de fazer essa música com a técnica tradicional, convencional.
Mas o trabalho é completamente outro: essas crianças estão explorando um monte de coisas, as teclas brancas e pretas do teclado, escutando os saltos da melodia, percebendo toda a construção. Não importa ainda se ela toca com um dedo só, o importante é que ela pode tocar porque aí terá a chance de trabalhar outras coisas, e principalmente, fazendo algo que tem sentido para ela.
Aquela música tem um valor para ela e por isso ela quer tocar, fica matutando, quebrando a cabeça, até fazer direito.
O que poderia caracterizar um bom trabalho com a música?
Um trabalho que abra espaços para as coisas simples que são compartilhadas, as experiências de fazer e pensar junto, saber o porquê está fazendo, porque chama assim, o que é isso. Um trabalho que permita que as crianças cheguem às suas conclusões, que tenham experiências, dêem opiniões, que escutem, avaliem.
Hoje buscamos essa integração: se não era bom estudar primeiro a teoria para depois de muito tempo chegar à prática, também não basta ficar na prática.
Com as crianças da pré-escola, desde pequenas já a partir dos 3 anos, você deve abrir espaço para a construção dos conceitos com os quais trabalha, o que não significa, absolutamente, treinar para ler e escrever notas musicais.
Elas podem aprender muitas outras coisas sobre a música, como por exemplo, fazer um arranjo musical, conhecer mecanismos e funcionamentos dos instrumentos musicais, conhecer as qualidades dos sons, produzir suas músicas.
Na educação infantil, a ênfase tem que ser na vivência qualitativa da música e na criação. A criança deve aprender a escutar, pensar sobre o que ouviu e mostrar o que sabe fazer com os sons que inventa. É difícil ter um espaço em aula para trabalhar com a invenção porque o professor não ousa.
O melhor são as propostas mais abertas? O que as crianças ganham com isso?
Sim, porque as crianças precisam ter a oportunidade de construir conhecimentos em música, porque não está tudo pronto para ser repetido. Elas aprendem e descobrem coisas incríveis. Posso dar um exemplo: eu tenho o costume de ouvir com elas uma coleção de CDs com músicas de crianças de vários países. Um dia as crianças de uma turma que eu dava aula2 escolheram ouvir uma música da Alemanha.
Eu contei que conhecia uma versão em português e mostrei um livro antigo que servia para o professor fazer arranjos da bandinha com as crianças: era a mesma música, a partitura e uns sinais para elas marcarem. Vendo aquilo, as crianças quiseram experimentar. Fizemos uma leitura daquilo, todo mundo entendeu, organizamos tudo bonitinho como manda o figurino.
Mas, na hora de tocar, o resultado foi outro. Vinícius, por exemplo, que tinha que fazer pem pem pem monótono, apenas marcando o pulso, fez um pam paranran pam pam … e deu um banho de ritmo, improvisando, pois o que o arranjo indicava era muito pobre para ele! Isso é um exemplo ótimo: se ele estivesse em uma aula, onde tudo é pronto e fechado, ele talvez levasse uma bronca porque saiu fora do que era para fazer. Mas como estava aqui, teve a chance de criar, de mostrar, de improvisar, tornando muito mais interessante o trabalho.
No ano passado, aqui na escola, gravamos um CD com as crianças3 como resultado de um projeto integrando os alunos e os músicos que vieram se apresentar nos Encontros Musicais que realizamos mensalmente. Veio o Tião Carvalho4, que cantou alguns cacuriás5.
Um grupo de crianças de 4 e 5 anos escolheu cantar o cacuriá do jacaré, decidindo gravar, também, outra canção popular sobre jacaré, velha conhecida de todas. No dia da gravação as crianças, sentaram na frente dos microfones e começaram a cantar de um jeito que a gente nunca tinha cantado, improvisando, fazendo um canto falado, de um modo muito expressivo!
E no final ainda perguntaram: mas a gente não vai fazer a música da Banda Paralela6? A gente quer cantar a Banda Paralela! E, mais uma vez, dando um banho de improvisação, fizeram o tema dos Banana Split utilizando muitos recursos com a voz, palmas, sons do corpo.
É claro que o professor deve estar sempre junto, trabalhando, propondo, ampliando o repertório.O retorno vem na produção das crianças, com muita força.
Um professor não especialista pode realizar um trabalho como esse? O que ele precisa saber?
Em primeiro lugar, é importante que as pessoas tenham uma aproximação maior com a música.Tem que escutar coisas diferentes, se interessar, experimentar e produzir sons, e, até, se for o caso, procurar uma assessoria até para se sentir mais seguro porque eu vejo que as pessoas estão muito reprimidas com a sua musicalidade.
Além disso, tem que ser um grande observador da criança porque o professor tem meios de ver como ela se expressa musicalmente, como reage, como interage com o instrumento, o que fala, o que traz quando tem a possibilidade de criar, inventar, improvisar.
Assim, pode propor coisas interessantes e com sentido. No livro eu dou muitos exemplos, tem uns jogos de improvisação que são extremamente elementares.
Uma pessoa que não tem um conhecimento musical específico pode trabalhar com as crianças e perceber que existem outras possibilidades de fazer música que não sejam só dentro das regras tradicionais da música tonal.
Vamos falar de algumas propostas, a começar pelos jogos. Como são os jogos de improvisação?
Há jogos de improvisação simples que trabalham conceitos e princípios da música, como, por exemplo, o contraste entre som e silêncio. Brincamos muito de sinal verde e sinal vermelho. Cada criança escolhe um instrumento segundo o papel que assumiu na brincadeira: um carro, uma moto etc. Ao ouvir determinado som, o sinal é verde, e todos podem tocar como quiser, até que se faça o sinal vermelho (outro som) para todos pararem.
Minha intervenção, nesse nível, é feita só se a criança estiver fazendo algo prejudicial para ela ou para o instrumento, se correr risco de se machucar ou de quebrar o instrumento. O espaço é aberto exatamente para observar como a criança toca, que conhecimentos tem sobre aquilo.
A exploração inicial vai se transformando qualitativamente, transformando também o próprio gesto, a criança passa a experimentar, por exemplo, jeitos de produzir um som mais suave, mais forte, controlando a força ou a velocidade. Então aproveito a oportunidade para conscientizar as crianças das possibilidades de produção de sons com mais qualidade.
Com as crianças pré-escolares fazer música é, muitas vezes, contar uma história, representar uma personagem. Um tambor, por exemplo, pode ser um leão e no jogo é possível trabalhar com diferentes qualidades de toques: como o tambor faz para parecer o leão quando está com fome? E quando está com sono? As crianças buscam os gestos adequados. Inventando histórias, compreendem e desenvolvem o diálogo na música, além de vivenciarem o conceito da forma.
Além dos jogos e da possibilidade de compor, você defende a confecção de instrumentos musicais pelas crianças? Por quê?
O objetivo desse trabalho para mim não é substituir os instrumentos tradicionais pelos de sucata. Aqui na escola, por exemplo, eu tenho muitos instrumentos, não dependo dos construídos pelas crianças na oficina mas, acho essa experiência importante do ponto de vista pedagógico.
Ela abre espaço de pesquisa, de experimentação, onde a criança pode mexer, ver na prática e entender como os sons são produzidos. Construindo instrumentos, podemos investigar os parâmetros do som – altura, duração, intensidade e timbre.
Ao lidar com o mecanismo e funcionamento dos instrumentos a criança pode pensar sobre as questões da acústica, saber porque, por exemplo, um elástico esticado sobre uma caixa produz um som mais agudo do que quando está frouxo.
É uma construção muito simples que tem todos os princípios de um instrumento de cordas: uma caixa de ressonância que funciona como um amplificador das cordas esticadas. Foi assim que surgiu a primeira lira.
A confecção de um simples chocalho permite conscientizar a questão do timbre, que dependerá do material utilizado. Ao construir um instrumento de sucata a criança refaz, de certa forma, o percurso do ser humano na construção de seus meios para a expressão musical.
As crianças têm soluções muito interessantes, às vezes até parecidas com as encontradas por outras culturas, em outros tempos. Em todas as culturas, em todos os tempos, existem instrumentos musicais de corda, sopro e percussão, e esses três grupos comportam uma grande variedade e, abrem para elas um importante espaço de pesquisa e criação.
Até mesmo uma pessoa que não tem uma formação musical pode pesquisar um pouquinho e construir instrumentos com as crianças.
O que você acha do trabalho com a canção? É importante aprender a cantar?
A escola quase sempre foca o trabalho de música na canção. Cantar é mesmo superimportante, assim como conhecer um repertório de qualidade, mas o jeito tradicional de a pré-escola tratar a atividade, não.
Em geral, o repertório limita-se aos temas sobre datas comemorativas, sobre os números, ou então música para lavar a mão, para a hora do lanche, para descansar, para isso e para aquilo, mas música não é condicionamento.
Criança não precisa disso, ela é suficientemente capaz de entender que precisa lavar a mão. Fica mecânico, um repertório pobre que passa a ser repetido de forma desinteressada sem valor cultural. A criança até canta, mas não escuta. Muito diferente de você sentar em uma roda para apreciar e cantar uma música interessante. Isso tem outro valor.
E o trabalho com a notação musical, como fica?
É importante lembrar que o sistema de escrita musical, o tradicional, que se convencionou usar, no pentagrama7, é fruto de uma época, de um modo de pensar a música, um modo de estruturar sons. Ainda que seja dominante na nossa cultura e no nosso tempo, não é o único. É apenas uma das possibilidades de escrita musical. Por isso, se a gente pensa em música, de uma forma mais amplamais aberta, reconhece que nem todas as músicas estão subordinadas a esse modo de escrita.
Até hoje existem culturas que fazem música e não tem um sistema de escrita musical ou outros sistemas de registro. O ensino tradicional se descuidou ao ensinar só isso. Perdeu a possibilidade de trabalhar com a criança, por exemplo, a construção do registro dos sons.
Ao escrever uma música, a criança a transpõe para uma outra dimensão, materializa o som por meio de um símbolo gráfico. Muito melhor entender esse siginificado do que ser treinada para reconhecer notas musicais.
O contrário também não é interessante, a idéia de que a criança só faz: vai andar, sentir no corpo o tempo, o pulso, o ritmo, cantar bastante, mexer nos instrumentos tradicionais e aprender a fazer outros e só. Esse caminho parece mais lógico à primeira vista, mas também é fruto de um pensamento dualista que investe no fazer não acompanhado de uma reflexão.
É muito importante para a criança ter a possibilidade de vivenciar isso, de trabalhar o conceito de outras maneiras para entender o código, o que é isso que ela lê e escreve, respeitando, obviamente, sua maturidade.
Para finalizar,Teca, de tudo o que compartilhou conosco nesta entrevista, o que você considera imprescindível na educação musical?
A escuta. É muito importante aprender a escutar. Trabalho com as crianças desde o começo, a partir de 3 anos, a diferença entre ouvir e escutar. Ouvir é um processo fisiológico, característico do sentido da audição. Escutar implica em colocar atenção, em estabelecer relações, em discriminar. A música se realiza pela escuta, ou seja, no plano interno.
A mão e o corpo trabalham muito para produzir sons, mas se não escutamos, não fazemos música estamos apenas produzindo sons. A integração de prática e reflexão começa nesse nível e quando entendemos isso, podemos fazer coisas simples e muito importantes para a formação das crianças. Essa aprendizagem é fruto de um processo de construção da criança.
1 Música na Educação Infantil. Leia a dica de leitura, nesta matéria.
2 Teca também é professora em sua própria escola, Teca Oficina de Música.
3 Música pra todo lado, à venda na Teca Oficina de Música.
4 Tião Carvalho é músico, pesquisador de cultura popular e organizador da Festa do Boi, que acontece no Morro do Querosene no bairro do Butantã, em São Paulo.
5 Um ritmo maranhense.
6 Banda de instrumentos de sopro.
7 Pauta de cinco linhas onde se registra a música.
A história do ratinho
A história do ratinho, por exemplo, foi uma composição que surgiu numa aula em que Constança trouxe um ratinho de corda. Ela participava de um grupo de musicalização com crianças com crianças de três a quatro anos. Costumávamos cantar bastante, improvisar e inventar músicas.
Naquele dia, o ratinho fez sucesso: ele corria de um lado para outro, batia nos móveis, girava o rabinho, divertindo a todos. Quando, por fim, o ratinho “sossegou”, fizemos nosso círculo e sentamos no chão, como costumamos fazer, para conversar um pouco, ouvir as novidades, cantar.
Então perguntei ao grupo se alguém sabia cantar alguma canção que falasse de ratinhos, e Gabriel logo sugeriu que inventássemos uma.
“Boa idéia!”, respondi. “Mas como?”
Ele, então, saiu cantando: Era um ratinho que andava, que andava…
Seu canto fluiu naturalmente, definindo não só a primeira frase, mas o desenho básico da melodia.A partir daí, todo o grupo se envolveu na construção da canção, que, primeiro, descreveu o brinquedo, com suas propriedades reais, e depois deu asas à imaginação, integrando até mesmo os conhecimentos que as crianças já tinham sobre os roedores: onde moravam, o que comiam, a eterna perseguição do gato etc.
Trabalhamos juntos até a definição da canção, pois, como é natural nessa idade, o grupo foi aumentando o caso, incluindo muitas comidas para o ratinho, para o gato e o cachorro… Chegar a uma forma equilibrada e fácil de memorizar por todos foi uma conquistas coletiva, com a minha ajuda. Eu conversava com eles a esse respeito, até que concluíram que a música estava muito comprida e que não era preciso falar tanta coisa!
O potencial da voz
No seu livro, no tópico Descobrindo a voz, Teca sugere diferentes atividades usando apenas a voz, veja o resumo:
– Experimente brincar pesquisando possibilidades de realização vocal.Você pode começar pondo em prática as sugestões acima, mas deve pesquisar também seus próprios recursos vocais.
– Produza tons (sons que têm afinação) e também ruídos diversos: procure descobrir quantas espécies de estalos vocais você pode produzir e estimule as crianças a fazer isso também.
– O trotar de cavalos, a voz dos animais, os sons da natureza, sibilar, assobiar de diversas maneiras etc. são sempre ótimos exercícios vocais, que ficarão ainda mais interessantes se inseridos em contextos expressivos, conforme já apontamos (uma canção incluindo ruídos, uma história, um diálogo entre seres de outro planeta que falam uma língua estranha ou então que falam apenas vogais, apenas consoantes, apenas sons agudos graves etc.).
– Trabalhar com poesias também é uma ótima maneira de conscientizar as potencialidades vocais, além de unir música e literatura. Interpretar uma poesia valorizando seu material fonético, bem como o seu conteúdo expressivo, gera resultados interessantes que promovem o crescimento das crianças.Também é possível sonorizá-las, transformando-as em melodias, usando instrumentos musicais para acompanhá-las etc.
– Sempre conscientizar a importância da saúde vocal, como enfatizamos.
Bibliografia
- Koellreutter educador: O humano como objetivo da educação musical – Teca Alencar de Brito. Editora Peirópolis, Rua Girassol, 128 – Vila Madalena – CEP: 05433-000 – São Paulo – SP – Tel.: (11) 3816-0699 Telefax: (11) 3816-6718 E-mail: vendas@editorapeiropolis.com.br Site: www.editorapeiropolis.com.br
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