Mês de janeiro: tempo de “se” planejar

Lucila Silva de Almeida*

Outro dia estava conversando com minha querida amiga Luana, formadora responsável pela formação étnico-racial do município de São José de Rio Preto, a quem dedico os créditos de alguns trechos deste texto, pois foi depois desta conversa que me prontifiquei a escrever. Na conversa, falava um pouco de mim e de como o mês de janeiro me leva a pensar sobre a minha própria vida, meus percursos e o quanto, algumas destas reflexões, faziam-me olhar para o meu processo de busca infinito; às vezes satisfeita, outras insatisfeita com os resultados.

Nesta conversa, dizia-lhe como janeiro mexia comigo e me trazia a sensação de casulo, por causa deste processo de voltar para si.

Em um dos momentos, Luana me questionou: “se nós nos organizamos neste movimento para os nossos planejamentos e nossas formações, por que nos sentimos limitadas quando fazemos uma retomada de nós mesmas”?

Sua pergunta ficou ecoando em mim; afinal, quem nunca se pegou refletindo sobre seu percurso pessoal no mês de janeiro?

O início do ano é realmente tempo de olhar para nosso “casulo” e rever aquilo que não foi tão bom, aperfeiçoar o que fez bem e deu bons resultados, traçar novas metas.

Esse processo, que muitos de nós vivemos, não é por acaso, a própria escolha do nome deste primeiro mês ocorreu em homenagem ao deus romano Jano, o deus dos começos e dos fins, deus das escolhas e das decisões, das transformações e das passagens. Um deus cuja representação é um rosto para frente e outro para trás!

Sábia nossa ancestralidade não?! Afinal para seguir em frente em um novo ano é primordial considerar o caminho já percorrido no ano anterior.

Não é bonito que, o primeiro mês do ano, aquele tempo em que estamos cheias de planos e desejos, seja uma homenagem a um deus das transições, das passagens e das portas? As portas que se abrem para nossas vidas, mas também muitas portas que acolhem bebês, crianças e vários estudantes ao longo do ano.

É por isto que essa introdução se entrelaça numa conversa sobre planejamento em instituições escolares, pois como professoras(es) estamos ajudando bebês e crianças a saberem sobre si mesmas, a saberem sobre os outros e a conhecer as lindezas do mundo. Não dá para ajudar o outro a “se saber” se também não “nos sabemos”!

Talvez, por isto, gosto muito das ideias que tenho enquanto dirijo, essa perspectiva de olhar para frente e ter a visão do que está atrás pelo retrovisor sempre me fascinou!

Essa dualidade é fundante, não só para o planejamento do período de acolhimento, que marca a chegada do ano letivo, mas porque planejar é ter um olhar para o que já passou e considerar o que ainda está por vir.

Em nosso planejamento do início do ano, a conexão com o deus Jano pode ser entendida como um convite à reflexão e à preparação; assim como Jano nos convoca às passagens e mudanças, janeiro é um mês simbólico para analisar conquistas e aprendizados do ano anterior, contribuindo e auxiliando traçar novas metas e intenções para o ano que está começando. Janeiro é tempo de renovação de votos!

Tanto em nosso planejamento profissional, quanto nos planejamentos pessoais somos uma eterna busca, nosso tempo é diferente, é espiralar.

O tempo espiralar é uma concepção que rompe com a ideia linear de passado, presente e futuro, sugerindo que o tempo se movimenta em ciclos que se repetem, mas sempre em um novo nível de experiência e aprendizado. Nessa perspectiva, os eventos não se encerram definitivamente, mas retornam de forma transformada, trazendo consigo novas possibilidades de compreensão e ação. Esse conceito, presente em diversas culturas ancestrais, nos convida a perceber a vida como um fluxo contínuo de reencontros e ressignificações, em que cada volta da espiral nos aproxima de um olhar mais profundo sobre nós mesmos e sobre o mundo ao nosso redor.

Neste período em que estamos olhando para trás e para a frente, temos um lugar para aprender: aprender sobre nós mesmas, sobre o outro, sobre o mundo, sobre o nosso fazer pedagógico, e é isto também que desejamos que bebês e crianças saibam.

Janeiro é tempo de planejamento de nós mesmas, com todas as questões pessoais, culturais, sociais e teóricas que temos e nas quais estamos imersas; reconhecer essa importância potencializa também nosso trabalho.

Talvez por isto, janeiro não seja fácil para muitas de nós, pois de fato é tempo de “nos estudar” e estudar não é tarefa fácil, assim como não é fácil sentar para escrever e fazer nossos planejamentos.

Não é fácil, porque nunca nos preparamos para fazer qualquer coisa, é preciso ter em mente que sempre nos organizamos para dar o nosso melhor, daí também a importância de saber mais.

Nós, que muitas vezes, culturalmente fomos tratadas como se não tivéssemos inteligência suficiente e que muitas vezes carregamos esses resquícios, como podemos ressignificar isto? Como queremos que os bebês e crianças de hoje sintam-se acolhidos e respeitados em toda sua completude? Como acolher numa perspectiva de acolhimento para todos e para cada bebê e criança? Como temos planejado para que cada bebê e criança sinta-se acolhido a partir das suas próprias histórias?

Como estas perguntas estão “entrando” em nossos planejamentos para o período de acolhimento?

Conversar com Luana me ajudou a pensar também como as nossas questões étnico-raciais, as questões de práticas inclusivas e participativas incidem neste planejar e como elas podem ser consideradas no planejamento com os bebês e crianças, não só neste tempo de acolhimento.

Há muitas perguntas que podemos nos fazer ao refletirmos sobre o papel desta formação pessoal na formação dos bebês e crianças:

  • Como zelar pela saúde mental de bebês e crianças quando a nossa própria se encontra fragilizada?
  • De que maneira podemos cultivar o gosto pela leitura se, enquanto educadores, nossa relação com os livros se limita às exigências profissionais?
  • Como inspirar a solidariedade nas crianças se essa prática não se manifesta em nossa própria vivência?

São infinitas as questões que nos convidam a um olhar mais profundo sobre a coerência entre o que ensinamos e o que vivemos.

Obrigada Luana, não só por me ajudar a organizar intencionalmente minhas ideias, mas também por me provocar a pensar nesta relação com o fazer pedagógico que tanto preso.
Que nós professoras(es), coordenadoras(es), formadoras(es) possamos acolher nossos planejamentos pessoais e que eles nos apoiem na promoção de momentos cada vez mais humanizados em nosso fazer pedagógico em 2025!

­­­­­Para saber mais:

Martins, Leda Maria. Performances do Tempo Espiralar: Poéticas do Corpo-Tela. Editora Cobogó, 2021.

Jano – O Deus das Duas Faces que deu Origem ao mês de Janeiro – Mitologia Romana disponível em https://www.youtube.com/watch?v=Hrqj8-Ca238 acesso em 19/01/2025

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*Lucila Silva de Almeida – Mestranda do Programa Educação, Política, História e Sociedade da PUC-SP. Pedagoga com pós-graduação em “Educação de Crianças de 0 à 3 anos” pelo Instituto Singularidades – SP. Formadora de professoras da rede pública e privada desde 2002. Atualmente trabalha em projetos e programas de formação de professores/ coordenadores pelo Instituto Avisa Lá, Secretaria Municipal de Educação de São Paulo nos projetos: “Educação 0 à 3 anos” e Secretaria Municipal de São José do Rio Preto.
É autora do livro “Interações: Crianças, brincadeiras brasileiras e escola” – Editora Blücher e coautora dos livros “Parlendas para Brincar”, “Adivinhas para Brincar”, “Receitas para brincar” e “Cantigas para Brincar” Editora Panda Books e “Práticas comentadas para Inspirar” Editora do Brasil.

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