Experiência e sentido: formação de leitores na escola

Por meio de sessões de audição de livros, alunos, professores e toda a comunidade escolar ampliam seu repertório, elaboram critérios de escolhas e Compartilham leituras

reflex12Ouvir histórias contadas por outras pessoas fascina adultos e crianças, além de ser uma atividade por meio da qual compartilhamos conteúdos de nossa cultura. Participar de uma contação de histórias nos aproxima das narrativas e nos ajuda a construí-las e a acompanhá-las por meio da voz do narrador. Já imaginaram a leitura acontecendo como sessões de cinema no espaço escolar em horário nobre da aula?

Foi com o objetivo de tornar a leitura por prazer uma atividade tão importante como tantas outras do currículo e de que as crianças pudessem aprender sobre as características da linguagem escrita e desenvolver alguns comportamentos leitores que a coordenadora pedagógica da Escola Estadual Professor Celestino Bourroul, em Santo André (SP), Edna Aparecida Mendes Silva, aceitou o desafio de introduzir a prática das Sessões de Audição em sua unidade escolar.

Há 4 anos, a professora Edna integra um grupo de coordenadores que participa do Programa Ler e Escrever, desenvolvido pela Secretaria da Educação do Estado de São Paulo.

O investimento na formação leitora dos alunos era um dos conteúdos trabalhados na época em que a prática das sessões de leitura foi discutida com esses profissionais.

Ao se deparar com a proposta da formadora de realizar as sessões de leitura nas escolas, Edna logo se lembrou da realidade de sua unidade escolar, de seu grupo de professores e se perguntou: Como será que os professores receberiam essa proposta? Seria também para o professor um prazer ler para os alunos nesse formato de sessões de leitura? Como seria a organização? E a reação das crianças? Seria riquíssima a interação entre crianças de diferentes idades? Para sua surpresa, quando apresentou ao grupo de professores a proposta para ser discutida no horário de trabalho pedagógico coletivo (HTPC) encontrou um grupo dividido:

Alguns acreditavam que seria uma experiência nova, viável; outros ficaram tão preocupados com os afazeres que a proposta exigiria que desconsideraram a chance de experimentá-la. Foi uma frustração! Depois de muita discussão acabei arquivando o texto-fonte. Fiquei muito incomodada com a reação do grupo. Para mim, o texto era claro: ler deveria ser uma alegria e ler para outros alunos que não os seus, um desafio. Então por que tal reação no grupo de professores? Como uma experiência como essa podia não despertar o interesse dos professores que sempre demonstraram compromisso com as crianças?

Ao investigar os motivos dessa resistência, observou que vários professores preocupavam-se com a gestão do tempo para essa atividade em meio a tantos outros afazeres da rotina escolar. Os que inicialmente defendiam a ideia e até achavam-na interessante ficaram inseguros após tantos argumentos contrários.

Após essa tentativa, a coordenadora compartilhou esse primeiro momento com a diretora da escola e, a partir dessa conversa, assumiram o compromisso de retomar o assunto mais adiante junto aos professores e quem sabe tornar aquela ação uma atividade permanente.

Imagens: Produção das crianças da Escola Estadual Professor Celestino Bourrol

Imagens: Produção das crianças da Escola Estadual Professor Celestino Bourrol

Experiência e sentido
Ao refletir a respeito do que aconteceu na primeira tentativa de discussão, Edna tentou interpretar as razões pelas quais os professores se mostraram contrários à realização das sessões de leitura. Ela compreendeu que a melhor forma de desestabilizar algumas crenças dos professores era convencê-los a realizar a ação, dar algum sentido a ela e, na sequência, refletir sobre a experiência. Então, em outro HTPC, com apoio da diretora, foi feita novamente a leitura do texto que apresentava a proposta. Os professores e a diretora foram convidados a experimentar a atividade: se ela não atendesse aos objetivos propostos, não precisaria ser realizada.

O texto de Myriam Nemirovsky foi lido novamente, a discussão foi retomada e um combinado estabelecido: que realizaríamos a primeira sessão de leitura e que após essa experiência faríamos uma avaliação e decidiríamos juntos por sua continuidade ou não.

A partir daí iniciamos a organização das sessões. Propus que cada professor escolhesse um livro do acervo da escola ou do acervo pessoal, um livro que apreciasse e que por alguma razão merecesse ser compartilhado. Após a seleção, a capa de cada livro selecionado foi exposta em um cartaz no pátio da escola. Dessa forma, as crianças poderiam fazer sua escolha.

Certa curiosidade começou a tomar conta do grupo. O envolvimento dos professores despontava por meio de perguntas: – Será que vão gostar do livro que escolhi? Será que alguém vai querer ouvir a minha leitura? Posso ler com fantasia? Preparar o prato que a leitura indica?

A preocupação dos professores em usar mais recursos, além do próprio livro e da leitura, trouxe a necessidade de retomar o objetivo principal da atividade: encantar por meio do texto escrito. Promover o encontro entre crianças e livros e introduzir os pequenos na linguagem dos livros e na linguagem escrita eram a essência da atividade. Sendo assim, recursos utilizados (fantasias, objetos, comes e bebes) para o momento não poderiam ser soberanos ao ato de ler.

Dúvidas sanadas, iniciamos a preparação da primeira Audição da Escola Estadual Professor Celestino Bourroul. O envolvimento foi geral, até mesmo as inspetoras quiseram participar. Fichas em papéis coloridos foram confeccionadas e serviram como ingresso para as sessões; cartazes expostos divulgavam o livro que seria lido em cada sessão e em que espaço da escola.

Durante a semana, os professores passavam pelo mural e observavam atentos a movimentação das crianças. Eu observava também a movimentação dos professores, e nos corredores podia ouvir: Será que o texto que selecionei será escolhido? As crianças não param de comentar em classe sobre esse dia. Estão muito ansiosas!

À véspera da audição, os ingressos foram entregues aos alunos no intervalo. Era possível perceber o clima de alegria que tomava conta da escola. O professor de Educação Física, que também havia se juntado a nós, comentou: As crianças parecem bem envolvidas. Muito boa essa proposta!

No dia da audição, as crianças chegaram animadas, entregaram os ingressos e, satisfeitas, juntaram-se ao grupo. Rapidamente todos estavam em suas sessões. Não houve tumulto nem desorganização como receavam os professores. Em cada sala uma sessão de leitura acontecia. O professor entusiasmado lia, não só para seus alunos, mas para pessoas de diferentes idades e níveis de aprendizagem. O entusiasmo tomou conta dos alunos e dos professores.

Durante a leitura, a diretora, a vice-diretora e eu acompanhávamos as diferentes sessões, e o único som que se ouvia era a voz dos professores fazendo a leitura. Um silêncio mágico ocupava o espaço escolar; alguns grupos estavam dispostos em círculos; outros, em semicírculo; outros bem junto ao professor. Todos muito à vontade. As crianças não percebiam a passagem das pessoas pelos corredores e espaços onde aconteciam as sessões, tamanha era a concentração.

Assim que as sessões terminaram as crianças foram convidadas a registrar sua apreciação sobre o texto que haviam ouvido. Aquelas com escrita não alfabética, ou seja, com escrita ainda não convencional, pediam ajuda aos colegas e aos professores para fazerem os registros. Todos faziam questão de registrar a opinião. Os comentários superaram as expectativas dos professores, inclusive as nossas, da equipe de gestão. Todos os registros escritos e as capas dos livros foram colocados nos cartazes, afixados no mural do pátio, para acesso dos alunos e dos professores.

Durante o recreio após a audição, as crianças sinalizavam em qual sessão gostariam de participar da próxima vez. Por várias semanas observavam os cartazes, liam as opiniões e perguntavam quando haveria outra audição. Ao ver todo esse cenário não pude deixar de relembrar o combinado com os professores: As sessões de leitura continuariam? Imaginei que sim.

Realizar a ação e refletir sobre ela
A hora de avaliar a experiência chegou. Edna, balizada pela ideia de que o conhecimento docente também se constrói com base em hipóteses que se estruturam e se desestruturam, propôs uma rodada de comentários e de avaliação da experiência.

Para a grande maioria dos professores não houve dificuldade na execução da atividade. A maior preocupação no momento da audição esteve relacionada aos critérios de escolha das obras que seriam lidas. Afinal, todos estavam ansiosos para que seu público apreciasse a leitura e pudesse indicá-la aos demais. Por isso, todos os livros sugeridos tinham como foco o trabalho com a linguagem, ou seja, deveriam ser bons modelos de textos literários e contribuir para a formação e ampliação de um repertório linguístico rico e diversificado.

Foi possível notar que as crianças puderam conhecer diferentes autores e obras, aprender a acompanhar uma leitura em voz alta, tecer comentários apreciativos sobre as histórias ouvidas e indicá-las para os colegas. Para vários professores e alguns funcionários, essa também foi uma oportunidade excelente para descobrirem-se leitores de literatura, resgatando o prazer de ler e de compartilhar uma leitura, experimentando a sensação de fazer parte de uma verdadeira comunidade de leitores.

Todos puderam falar e tecer comentários. Da surpresa com a organização das crianças ao prazer de ler as histórias, nenhum professor se posicionou contrário à realização de outra audição, até apresentaram sugestões para uma organização ainda maior: “Ainda bem que vocês insistiram, não imaginava que essa prática fosse tão boa!, comentou uma professora.” Já estamos na terceira audição, e as inspetoras e funcionárias do setor da limpeza, que nos acompanharam desde o início, passaram de incentivadoras ao papel de leitoras: “Realizei um pedacinho de meu sonho: ser professora. Hoje eles me olharam. Durante a correria do dia a dia nem tenho tempo para tanta atenção. Gostei mesmo, viu!”

(Cristiane Pelissari, formadora do Programa Ler e Escrever, em São Paulo-SP e Edna Aparecida Mendes Silva é professora coordenadora da Escola Estadual Professor Celestino Bourrol – Diretoria de Santo André-SP)

Imagens: Produção das crianças da Escola Estadual Professor Celestino Bourrol

Imagens: Produção das crianças da Escola Estadual Professor Celestino Bourrol

Sobre as Sessões de Audição

“Consiste, basicamente, na organização de sessões de leitura em voz alta realizadas por professores, em que os alunos participam como ouvintes dos textos lidos. Para participar dessas sessões os alunos escolhem a audição com base na publicidade feita na escola por meio de cartazes, nos quais são indicados os textos que serão lidos, quem é o professor que fará cada leitura e onde ela acontecerá. No dia combinado, realizamos diversas audições simultâneas (como acontece nos cinemas, onde se projetam vários filmes de uma vez, e cada espectador escolhe o filme a que vai assistir.)”

Experiência publicada em: Nemirovsky, M. ¿Cómo podemos animar a leer y a escribir a nuestros niños? Tres experiencias en el aula. Centro de Innovación Educativa, Madrid, 2003.

Proposta de pauta para a formação junto aos coordenadores – Programa Ler e Escrever

Principais etapas do 1º encontro de formação

  1. Realizar uma leitura compartilhada do texto Começa a audição – sessões de leitura em voz alta realizadas por professores – Myriam Nemirovsky (tradução livre da formadora).
  2. Propor que cada coordenador realize em sua escola a mesma ação descrita no texto.
  3. Discutir coletivamente:

a) O que se quer que os alunos aprendam com as sessões de leitura?
b) Quais conteúdos estão envolvidos nessa prática?
c) O que é preciso ensinar aos nossos professores para que compreendam o valor pedagógico dessa prática?
4. Tarefa de formação para o mês:
a) Reler o texto; discutir com os professores a prática em questão; propor a realização das sessões de leitura.
b) Planejar a ação na escola considerando:

  • O que será lido para os alunos em cada sessão? Quais são os critérios de escolha dos livros?
  • Como será feita a “propaganda” dos textos que serão lidos? Por quem?
  • Quais espaços da escola poderão ser aproveitados para as sessões? Como serão organizados?

Proposta de formação junto aos coordenadores

Principais etapas do 2º encontro de formação
Socialização da realização das sessões de leitura nas escolas

  1. Solicitar que em pequenos grupos leiam o registro pessoal e reflexivo sobre como foi o processo de realização das sessões de leitura como proposto no texto Começa a audição – sessões de leitura em voz alta realizadas por professores – Myriam Nemirovsky.
  2. Discutir e listar as dificuldades encontradas para a realização da ação sob dois aspectos: a) A formação dos professores. b) A organização das sessões.
  3. Socializar a discussão dos pequenos grupos listando possíveis soluções para as dificuldades encontradas.
  4. Possibilidades para ampliar a discussão do item 3:
  • a) Ler e contar são procedimentos da mesma natureza?
  • b) Os critérios de escolha dos textos a serem lidos dialogaram com o objetivo maior da atividade, ou seja, aprender a linguagem escrita?

Ficha Técnica

  • Programa Ler e Escrever
    Governo do Estado de São Paulo – Secretaria da Educação – Fundação para o Desenvolvimento da Educação (FDE)
    – São Paulo, SP
    Formadora: Cristiane Pelissari
    E-mail: pelissaricris@uol.com.br
  • Escola Estadual Professor Celestino Bourrol
    Endereço: Avenida Inconfidância Mineira, s/n – Vila Rica. CEP: 09170-140 – Santo André – SP
    Tel.: (11) 4451-1024
    Diretora: Maria da Conceição Freitas
    Professora coordenadora: Edna Aparecida Mendes Silva
    E-mail: ednasilme@hotmail.com

Para saber mais

Livros

  • Andar entre livros, de Teresa Colomer. São Paulo: Global Editora, 2007. Tel.: (11) 3277-7999. Site: www.globaleditora.com.br
  • Caminhos para a formação do leitor, de Renata Junqueira de Souza (Org.) São Paulo: Ed. DCL, 2004. Tel. (11) 3932-5222. Site: www.editoradcl.com.br
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