Uma gestão comprometida

Renovar a gestão da EMEI Ana Maria Poppovic, na Zona Oeste da capital paulista, foi o desafio assumido pela nova diretora e toda sua equipe. Da organização do ambiente à redefinição de papéis dos funcionários, cada decisão abriu espaço para uma forma de trabalhar mais integrada, participativa e transparente.
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“A grande mudança exige também esforço contínuo, solidário e paciente das pequenas ações” (Moacir Gadotti, professor e pesquisador de História da Filosofia da Educação, pensador pedagógico e diretor do Instituto Paulo Freire)

Acreditando na necessidade de enfrentar novos desafios e na possibilidade de buscar uma mudança pessoal e profissional, tomei uma decisão bastante significativa na virada de 1998. Deixei uma escola na periferia da cidade de São Paulo, onde fui diretora por 14 anos, para trabalhar numa escola central, no Alto da Lapa, chamada EMEI Ana Maria Poppovic. O presente relato tem, entre outros objetivos, mostrar que há muito que fazer na construção cotidiana da escola pública e que todas nossas opções são determinantes dos resultados. Espero também poder alimentar o espírito de todos que lutam pela educação pública de qualidade. Não há pretensão de aqui apresentar uma receita ou fórmula mágica para o sucesso, mas de tão somente relatar uma experiência, sempre uma boa oportunidade de reflexão sobre a prática mobilizadora de recursos na busca de novos conhecimentos.

Chegando na escola
Minha chegada na EMEI, em janeiro de 1999, foi marcada por uma forte expectativa. O diretor anterior tinha fama de austero, o que levou a equipe a se fechar num primeiro momento. Acostumados com a rotatividade dos diretores até então, todos ficaram surpresos quando manifestei o desejo de permanecer na Unidade e ali desenvolver um novo projeto pedagógico. Ao visitar as dependências do prédio escolar, meu olhar treinado já foi observando a necessidade de adequações e reparos aqui e ali. Os muros pichados me incomodavam muito, e algumas situações exigiam mudanças imediatas. As crianças, por exemplo, almoçavam e lanchavam no interior das salas de aula, ou seja, não havia refeitório. Além disso, os professores não tinham uma sala para reuniões ou para horários coletivos. A sala usada para esse fim era bastante precária.

Minha experiência em gestão democrática e trabalho coletivo me ajudou a perceber que seria preciso dar tempo, voz e vez a todos os envolvidos. Considerei também que aquele grupo tinha uma identidade, já estava constituído e consolidado antes da minha chegada. Notei, então, que as mudanças não aconteceriam facilmente. Foi um longo período de desequilíbrio e construção.

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Portão de entrada da escola e o muro, que teve os desenhos escolhidos por meio de assembléia realizada entre as crianças

Primeiras ações
Desta forma, desenvolvi algumas ações que estavam pautadas em participação, integração, ousadia e mudança. O objetivo maior era reconhecer a importância do trabalho coletivo. Cada conquista gerava mais mudança e consolidava nova prática. Algumas ações propostas se preocupavam com um trabalho comprometido com a qualidade:

  • Cotidiano escolar – Toda a rotina da unidade passou a ser decidida em reuniões pedagógicas de forma coletiva, de modo que os procedimentos fossem assumidos de maneira uniforme pelos funcionários da unidade escolar. Os horários coletivos (lanche, almoço, campo livre) foram organizados e partilhados para conhecimento de todos os profissionais.
  • Comunicação interna e externa – A informação e a comunicação são elementos facilitadores da gestão escolar, motivo pelo qual criamos diferentes mecanismos para aproximar equipes, pais e alunos das informações necessárias ao bom andamento da escola. Adotamos bilhetes, jornais, comunicados e informativos semanais como meios de comunicação interna e externa. Os bilhetes e informativos para as famílias passaram a ser feitos pela secretaria da escola, com o objetivo de unificar a comunicação e aliviar os professores, já que estes eram encarregados dessa tarefa até então.
  • Grande arrumação – Fizemos um mutirão de organização, no qual cada coisa deveria ter seu lugar. O ambiente ficou mais limpo e agradável.
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Não havia quadra na escola. Hoje, esporte e lazer fazem parte das atividades

  • Contrato pedagógico – Criamos, entre a direção e as equipes, o que chamamos de um “pacto de compromisso”, no qual deveria haver respeito a todos os direitos legais e a respectiva contrapartida do funcionário.
  • Concepção de criança e escola – Discutimos exaustivamente o papel da escola, sua função social e seu foco principal: o aluno.
  • Papel de cada um – Entendemos que todo funcionário é um educador. Não importa a natureza de sua função (vigias, agente de apoio, professores e especialistas). Foram revistas as atribuições de cada um, comprometendo-os com o projeto da escola.
  • Definição de foco – Procuramos não desviar o professor da sua ação educativa, livrando-o de tarefas que não eram de sua competência.
  • Espaço para os docentes – Preocupados com o cotidiano dos professores – elemento-chave da ação educativa –, buscamos assessorias de formação. Os encontros aconteciam nos horários coletivos, predefinidos por eles, e tinham por objetivo levar o professor a discutir sua prática, expressar seus conhecimentos e impressões, relacionando-os com seu dia-a-dia, para construir uma identidade profissional aliada à sua identidade pessoal.
  • Relação escola-família – Assim como cada profissional da escola é um educador, tínhamos como objetivo aproximar os pais e formar uma comunidade educadora. Para tanto, as famílias também precisavam de orientação. Elaboramos com cuidado várias reuniões de pais, preparamos oficinas, realizamos ciclos de formação de pais, contratamos assessorias de acordo com a solicitação feita por eles.
  • Atendimento ao público – O atendimento foi redefinido à luz dos princípios da escola, tendo como linha o cuidado e a atenção.
  • Aplicação das verbas – O uso das verbas foi feito com a participação do Conselho e da APM (Associação de Pais e Mestres). Prestamos contas dessas verbas à comunidade, o que gerou credibilidade e valorização da escola.
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    Canto das profissões e sala na hora da leitura

    Projeto Político Pedagógico
    A construção de um Projeto Político Pedagógico (PPP) depende da integração do diretor, do assistente do diretor e do coordenador pedagógico. Eles são os grandes animadores e desencadeadores do processo. Essa integração deve ser intensamente desejada e não se pode medir esforços para atingi-la.

    Ou seja, muitas discussões foram necessárias. Uma gestão democrática é um exercício para a vida. Houve conflitos, sim, e isso exigiu competência para suportar ganhos e perdas. Talvez esta seja uma das justificativas para a implantação de um PPP, ou seja, formar para a cidadania, que é um aprendizado da democracia.

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    A sala e os cantos de atividades

    Pequenos projetos
    A cada ano letivo, a equipe da Poppovic definia um caminho a percorrer que melhor atendesse à consecução dos seus propósitos. O projeto originava-se da situação diagnosticada ou de um problema apontado pelo grupo. Em 2000, conseguimos fechar um quiosque pouco utilizado e criar um refeitório aconchegante com bancada para atendimento self-service. Fizemos nesse ano uma ação de sucesso chamada “Projeto Almoço”, tendo a alimentação como tema central.

    O refeitório foi criado com o objetivo de oferecer às crianças um ambiente acolhedor para fazer as refeições. A merenda tem papel fundamental na nutrição das crianças. Comer é gostoso, ainda mais num ambiente agradável, com professores que estimulam e valorizam a merenda. É um momento rico de aprendizagem, quando rituais são incorporados à rotina da refeição, mesmo que ela seja composta por um lanche. A capacidade de servir a si mesmo foi uma feliz descoberta na hora do almoço, com o sistema self-service.

    Eles passaram a comer mais e o desperdício diminuiu. Os funcionários da cozinha tornaram-se, também, educadores. De forma indireta, contribuíram para a transformação do refeitório num espaço educativo, um lugar de convivência, prazer e refeição. Outro projeto interessante foi o “Mosaico nos Muros da Escola”, desenvolvido em 2002 e 2004, que transformou o visual dos muros da escola. Foi a maneira encontrada para acabar com as pichações e criar um vínculo da comunidade com a escola. “Trinta metros de mosaico com tema ‘O jardim da minha escola’ mudou a cara da rua Francisco Alves, com as marcas dos desenhos das crianças ampliados e transportados para os cacos de azulejo. Uma lição de cidadania, em que a arte interferiu na comunidade, melhorando a vida das crianças e do entorno, enfeitando a área interna de recreação para a comemoração do aniversário de 50 anos da escola. Dez lindos painéis iluminaram esses espaços de aprendizagem sob a temática ‘Os animais’. Esses projetos conseguiram formar um só grupo a favor da educação. Escola e comunidade voltaram-se numa vivência única de aprendizagem”.

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    Os professores não realizavam atividades de artes, pois as crianças “se sujavam”. Hoje, as oficinas de artes acontecem na área externa e as mesas, após o uso, podem ser lavadas. Ao lado, o mural com os trabalhos dos alunos

    Brincadeira e prazer
    Outra idéia que culminou num filme em que as crianças apresentaram atividades educativas foi o projeto “Brincadeira e Infância”. Tinha como pilares o cuidar, no sentido de responsabilizar-se, o acolher e também o brincar. Afinal, jogos e brincadeiras permitem o prazer, o crescimento e a ludicidade. Os espaços foram repensados e adequados para atender à necessidade desse projeto. A entrada da escola ganhou um lindo jardim que sugeria acolhimento, e as salas de aula ganharam tapetes para as rodas de conversa e leitura. Nos dias de baús de brinquedos, as salas ficaram divididas em cantos que oportunizaram interações e aprendizagem. Os espaços passaram a ser pensados em função das crianças. Consideramos o espaço um elemento curricular, pois estrutura as oportunidades de aprendizagem. A organização dos ambientes envolveu decisões que revelaram intenções de valorizar a educação, o cuidado e a brincadeira.

    Não dá para deixar de registrar o encantamento do pátio, dos brinquedos, da quadra para a livre movimentação, além dos tanques de areia com carriolas adquiridas a pedido das crianças. Trabalhamos com elas, a propósito, a importância de cuidar dos brinquedos, uma vez que tudo foi adquirido com o esforço de toda a comunidade. Teríamos muito mais a registrar e divulgar, mas o mais importante é que na Poppovic há um grupo que faz da Educação uma bandeira social única, capaz de elevar a condição humana. Ousadia, coragem e força política são palavras que conhecemos muito bem.

    (Eliana Chiavone Delchiaro, diretora da EMEI Profa Ana Maria Poppovic, na zona Oeste da cidade de São Paulo)

    Ficha técnica

    EMEI Profa Ana Maria Poppovic
    Rua Jaricunas, 470 – Alto da Lapa
    São Paulo – SP. CEP: 05053-070
    Tel.: (11) 3672-0268 / 3864-1255
    e-mail: emeiapoppovic@prefeitura.sp.gov.br

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    Ao invés de pratos prontos as crianças escolhem o que e quanto querem comer

    Equipe
    Diretora: Eliana Chiavone Delchiaro
    Coordenador pedagógico: Kazue Saita
    Assistente de diretoria: Iolanda Martins Magalhães
    Educadores: Cássia Regina Montanarini, Denise Lui de Miranda, Maria Cecília Antunes Lins Gonzáles, Regina Célia de Azevedo, Roseli Artes Francisco, Silvana Benedecto dos Santos, Silvia Maria Kerry Martins, Silvia Regina Barolo Calo, Solange Bozzo Franco Giacondino e Maria Cecília da Silva Rodrigues.

    Para saber mais

    Livros e revistas

    • Concepção Dialética da Educação: Um Estudo Introdutório, Moacir Gadotti. Ed. Cortez. Tel.: (11) 3864-0404.
    • Pedagogia da Terra, Moacir Gadotti. Ed. Peirópolis. Tel.: (11) 3816-0699.

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    Folheto de divulgação da EMEI Profa Ana Maria Poppovic

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