Livro informativo para a formação de leitores: Por que não?

EM NOVEMBRO, A REVISTA AVISA LÁ ENTREVISTOU¹ A PESQUISADORA ESPANHOLA ANA GARRALÓN SOBRE AS CARACTERÍSTICAS DO LIVRO INFORMATIVO E SUA IMPORTÂNCIA PARA A FORMAÇÃO DE LEITORES


No final da década de 1980, Ana Garralón², por razões profissionais, começou a prestar atenção nesses livros, que até então eram pouco valorizados em escolas e bibliotecas como instrumentos de formação de leitores. Vistos como livros paradidáticos, costumavam ser postos de lado quando o assunto era leitura.

Ao analisar este gênero, Ana deparou-se com obras de muita qualidade e que convocavam seus leitores de modo distinto dos livros de literatura. Certa de que a formação do leitor em tempos atuais é uma tarefa complexa e de que o livro informativo poderia ampliar a competência leitora das crianças, Ana Garralón dedicou-se a estudá-los, refletindo sobre as relações dos leitores com esses textos.


1 Com a colaboração de Ana Carolina Carvalho, Beatriz Gouveia e Érica de Faria.
2 Nasceu em Madri, Espanha. É professora, pesquisadora, especialista em livros infantis e autora do livro Ler e saber: os livros informativos para crianças. São Paulo: Pulo do Gato, 2015. Publica textos sobre literatura infantil e juvenil em seu blog: http://anatarambana.blogspot.com.br/

Como definir o que é um livro informativo? O que ele necessariamente tem de ter?

Um livro informativo é um livro que fala sobre fatos e dados reais. Portanto, a primeira definição é que seja um livro de não ficção. É muito difícil dizer o que deve ter, necessariamente, um livro informativo. Existe tanta variedade nos informativos que é difícil incluí-los em uma categoria única. Existem livros narrativos; outros expositivos; alguns possuem fotografias, desenhos, diferentes tipos de ilustrações. Alguns têm abordagem enciclopédica; outros evocam antigos livros de naturalistas, com índice e sem glossário, com e sem bibliografia. Os projetos editoriais também variam amplamente.

Como você aponta em seu livro, a imagem é um elemento poderoso em um livro informativo. O que caracteriza uma boa imagem em um livro informativo? Como a imagem potencializa a leitura do texto escrito?

Nos livros informativos, a imagem, na maioria das vezes, também é lida. Contém informação, fornece dados, reflete a realidade. Há uma ideia equivocada de que as crianças com pouco hábito de leitura recorrem a essas obras pelas imagens. Ao olharmos de perto os livros informativos para as crianças, observamos que imagens exigem um esforço para serem compreendidas. Pensemos numa árvore genealógica, ou numa gravura antiga que se refere a um tema. As imagens, às vezes, servem para recriar os processos que devem ser compreendidos.

Muitas vezes, a imagem e o texto estão relacionados. Você começa olhando a imagem que logo desperta a curiosidade pela leitura do texto. O percurso de leitura é mais livre, e os livros informativos promovem esse tipo de leitura entre esses dois códigos.

No seu livro Ler e saber: os livros informativos para crianças, você afirma que a familiaridade com o formato narrativo ajuda os leitores a desenvolverem expectativas para o gênero de não ficção. Poderia explicar um pouco mais como isso se dá? Qual a relação entre ambos?

A narrativa é usada com frequência nos livros informativos. Embora associemos a palavra narrativa com literatura, desde sempre a história, a antropologia, a filosofia e outras “ciências” menos exatas utilizaram a narrativa, pois é uma forma de contar o mundo de maneira agradável aos leitores.

Com temas mais abstratos, como as matemáticas, também existem obras nas quais se narra uma história para contextualizar os conceitos que se quer explicar.

O leitor deve saber em cada momento qual é o pacto estabelecido com o livro: se detectar que a ficção se afasta da informação, pensará que está diante de um livro de literatura. É o que acontece com o romance histórico: o autor inventa o que ele não sabe. Isso nunca poderia acontecer com um livro de História, em que se usa a narrativa e o escritor é respeitoso com seus leitores, indicando-lhes o que não é conhecido.

Você também aborda a questão da leitura estética (uma forma de experimentar diferentes emoções diante de um texto escrito) e da leitura eferente (quando o texto oferece informações concretas), presentes na aproximação do leitor com os textos. De que maneira elas se dão na leitura do texto informativo?

Este conceito, que vem de Louise Rosenblatt³, destaca que é o leitor quem confere sentido ao texto, a maneira de lê-lo (estética ou eferente) é dada por suas motivações e interesses, mais que pela intencionalidade do texto. Um livro informativo sobre futebol a um leitor lembrará fatos e datas (leitura eferente); para outro, será levado a perguntar-se: O que o jogador sentiu quando marcou o gol da vitória? Nós, mediadores, devemos dar liberdade às crianças para que façam as próprias leituras e não devemos impor rótulos aos livros.

Por outro lado, existem muitos livros informativos que apelam para essas duas funções. Por exemplo, um livro intitulado Construir ninhos, cavar buracos: como os insetos protegem seus filhotes é atraente tanto no quesito informação como também no de emoção.


3 Louise Rosenblatt (EUA, 1904 – 2005). Professora da Universidade de Nova York e pesquisadora sobre o ensino da literatura. Em sua obra se destacam “Literatura como exploração” e “O leitor, o texto e o poema – a teoria transacional sobre o trabalho da literatura“.

Em geral, na Educação Infantil, articulamos os textos informativos aos projetos de estudo, pois é quando o propósito leitor fica mais evidenciado. Isto é, em um contexto de estudo, recorremos aos textos informativos para procurar respostas, para saber mais; portanto as crianças atribuem mais sentido às leituras realizadas. Você tem outras experiências de trabalho com os textos para compartilhar conosco?

Há uma tendência de se adotar os livros informativos para “fazer a lição de casa” ou apenas para estudo. Nada contra isso. Mas nos últimos anos existem cada vez mais livros “desescolarizados”, ou que se desvinculam de um objetivo pedagógico, que se afastam do currículo escolar para proporcionar às crianças outras questões. A liberdade que tem um criador ao fazer seu livro o leva a experimentar temas, formatos, ideias e informações que não têm nada a ver com as tarefas. O livro Antes do depois4, muito premiado, é um livro de conceitos que buscam a transversalidade: aparece uma colmeia e o mel engarrafado; uma árvore no verão e inverno; um balanço de bebê e uma cadeira de balanço como as que usam os avós. As relações que se estabelecem são incríveis e muito sugestivas. Esse livro não “serve” para consultar informações, mas evoca muitas ideias sobre a passagem do tempo, o uso das coisas etc.

Alguns livros informativos são bastante complexos para os alunos. Como ajudá-los a compreendê-los? Quais dicas você daria a um professor sobre a mediação de leitura com esse tipo de texto?

Em primeiro lugar, sugeriria aos professores que eles mesmos encontrem algum prazer em ler esses livros: muitos deles são atraentes e interessantes. Nas oficinas que realizo com professores e mediadores de leitura, costumamos trabalhar com os livros e sempre há muita surpresa, porque, em geral, acreditamos que os livros informativos são sempre sobre as ciências exatas, como a física e a química, ou então sobre a natureza. No entanto, quando lemos muitos desses livros, observamos que há também aqueles que são biografias; livros de viagens, de história; sobre a antropologia, a arte. Estes costumam ser mais interessantes para os adultos.

Não obstante, existe um tipo de livro muito formal em sua concepção: complexo, com muita informação, índices, glossários etc. É importante identificar qual é a proposta de leitura do livro (se nos permite recuperar a informação ou se exige uma leitura contínua) e ajudar as crianças a reconhecerem a sua finalidade.

Mas também é importante salientar que, às vezes, nós subestimamos as crianças! O que observo é que se elas estão interessadas em um tema, elas vão ler tudo sobre ele. Todos nós conhecemos crianças que são apaixonadas pelos dinossauros, por exemplo, e elas sabem todos os nomes e assuntos que iria custar-nos lembrar.


4Título original: Antes Después, de Anne-Margot Ramstein, Matthias Aregui, Teresa Tellechea Mora. Ediciones SM (Madrid – Espanha).

Qual é a sua opinião em relação ao fato de as crianças acessarem, com mais frequência, os textos informativos publicados em sites do que em livros? Quais são as diferenças do ponto de vista da formação de um leitor?

O livro, ainda hoje, é pensado para crianças, concebido para elas, feito com amor e com rigor. O que é interessante em um livro informativo é a sua capacidade para gerar perguntas (ao invés de simplesmente responder, que é o que fazem os livros didáticos). Alimentar a curiosidade natural e acompanhá-las no processo de criação de conhecimento. Nós todos sabemos que a internet não tem perguntas. E que, de acordo com a nossa pergunta, as respostas variam consideravelmente. Parece-me importante dar às crianças a oportunidade de inserir-se no mundo por meio dos livros, porque elas vão encontrar muito mais do que procuram. Os leitores também têm mais confiança em um livro que foi cuidadosamente escrito e editado do que na internet, cujas fontes de informação são menos confiáveis. No entanto, é sempre bom lembrar que ler é ler, não importa onde ou como. Eu não gosto de opor livro à internet porque são dois lugares maravilhosos para encontrar informação e se sentir parte deste mundo.

“Não conheço emoção maior que a de descobrir”

Resenha do livro Ler e saber: os livros informativos para crianças, de Ana Garralón. São Paulo: Pulo do Gato, 2015.
Ana Carolina Carvalho *

A frase dita pelo Prêmio Nobel de Medicina Severo Ochoa, citada por Ana Garralón, tem estreita relação com a leitura de livros informativos, com a infância e sua propensão à curiosidade frente ao mundo. As crianças querem muito saber como o mundo é, como as coisas funcionam, o que elas são, como se organizam. O livro Ler e saber, de Ana Garralón, coloca o livro informativo neste lugar do objeto que vai responder a uma vontade de saber mais sobre o mundo, e que vai provocar outras perguntas e novos conhecimentos, que pode colocar a criança como um leitor potente, que questiona e que busca saciar a sua curiosidade frente a um determinado tema.

Tudo isto já seria justificativa suficiente para garantir a importância e o trabalho com livros informativos. Mas Ana sabe que nada é tão simples assim. Somos cheios de ideias preconcebidas a respeito do que seja o livro informativo. E também cheios de dúvidas quanto a esse tipo de texto. Por que ler livros informativos? As crianças já não estudam na escola por meio de livros didáticos? Por que ler livros informativos se já há uma profusão de informações na internet, disponíveis a todos? Por que ler livros informativos se já existem tantos livros de ficção no mercado? Mas, afinal, do que trata ou pode tratar o livro informativo? São apenas aqueles livros de Ciências ou as enciclopédias? Como saber se um livro informativo é bom?

Essas são algumas das reflexões trazidas por Ana Garralón. Fruto de questionamentos, dúvidas e reflexões construídos conjuntamente com professores, mediadores de leitura e bibliotecários, são perguntas vivas e que poderiam ter sido feitas por qualquer um de nós. São perguntas reais, entranhadas na prática de quem lida com livros e crianças, e por isso mesmo, tão essenciais.

Partindo da ideia de que a formação de leitores é uma tarefa complexa e que supõe o conhecimento de formas diversas de textos produzidos em nossa cultura e que cada texto convoca o leitor de um modo particular, mas que também podem se cruzar, a autora vai esmiuçar as características do livro informativo, abordando aspectos essenciais: desde os critérios de escolha desse tipo de obra, as suas principais características, os seus diferentes formatos, a importância da leitura das imagens como fonte de conhecimento, a autoria do texto informativo, por que alguns livros deram muito certo como textos informativos, e até mesmo, dicas de mediação de leitura: como apresentar a obra, sobre o que conversar depois da leitura, a importância de se oferecer o livro inteiro à criança e a importância da escolha pelo leitor, entre outras.

Uma obra que nos ajuda ampliar nossas referências acerca do livro informativo, que nos ajuda a lê-lo e a ter vontade de apresentá-los às crianças.

*Formadora do Instituto Avisa Lá e escritora

Posted in Revista Avisa lá #65.