Muito mais do que trocar fraldas

DAMARIS GOMES MARANHÃO, FABIANA DINIZ, HELOISA SANTOS DE SOUZA E ELAINE BARROS¹


A TROCA DE FRALDAS NA PERSPECTIVA DA INTERAÇÃO DO PROFESSOR COM A CRIANÇA E NA DINÂMICA DO PROCESSO DE TRABALHO DA EQUIPE NA CRECHE


Ao trocar a fralda do bebê, a mãe e as outras pessoas que compartilham esse cuidado se relacionam individualmente com ele, de forma constante e íntima. Mudam seu corpo de posição, tocam sua pele para limpá-la, conversam diretamente com ele, fazem brincadeiras e, nesse processo, realizam a mediação com o meio. Esse cuidado, realizado várias vezes ao dia, possibilita à criança não apenas conforto e bem-estar, mas a percepção da própria delimitação corporal por meio do toque da pele, da expressão facial, dos movimentos e da tensão muscular do adulto, complementados por seus comandos e tom de voz. Tudo isso fornece aos bebês indicadores sensoriais do que é seu corpo e do que está fora dele. As atitudes do adulto funcionam como um primeiro espelho no qual a criança se refl ete e obtém indicadores sobre o próprio comportamento na relação com o novo meio.


1 Damaris Gomes Maranhão é enfermeira consultora da equipe de saúde do CEDUC – Gestão e Terceirização de Creches nas Epresas. Colaboradora do Instituto Avisa Lá e professora do Curso de Enfermagem da Universidade de Santo Amaro (Unisa) e de Pós-Graduação em Formação e Gestão em Educação Infantil do Instituto Superior de Educação Vera Cruz. Fabiana Diniz é enfermeira da equipe do projeto E-learning do CEDUC. Heloisa Santos de Souza e Elaine Barros são enfermeiras das duas creches administradas pelo CEDUC na empresa Natura Cajamar (SP). O CEDUC é uma organização privada especializada na prestação de serviços de planejamento e gestão de projetos pedagógicos em creches de empresas, o que inclui todos os cuidados que os bebês e as crianças menores de 4 anos requerem no espaço de cada creche.

A troca de fraldas, no senso comum, pode parecer um cuidado simples, que não requer estudo ou técnica para ser realizado. Porém, se analisado da perspectiva da experiência corporal da criança, este e outros cuidados são momentos de relação individualizada que devem estar previstos no projeto educativo e na rotina da Educação Infantil. Primeiro, porque na primeira infância o conhecimento sobre o ambiente e as pessoas que o compõem ocorre de forma simultânea com o conhecimento sobre si mesmo, o que se constitui na relação com o outro. Segundo, porque, ao ser cuidada, a criança assimila as técnicas corporais, expressão criada pelo antropólogo Marcel Mauss² para descrever e explicar como os humanos usam o próprio corpo em cada cultura.

Cuidar: relação interpessoal

Segundo Donald Winnicott³, “o manuseio da pele no cuidado do bebê é um fator importante no estímulo a uma vida saudável dentro do corpo, da mesma forma como os modos de segurar a criança auxiliam o processo de integração”. O autor se refere ao desenvolvimento do sentimento de ser uma pessoa inteira, de uma personalidade separada da mãe ou do outro cuidador primário. É preciso lembrar que essa  consciência não ocorre de forma automática com o corte físico do cordão umbilical. Ela é construída, como todo conhecimento, dependente da integração entre a maturidade neurológica e as aprendizagens desenvolvidas na relação com o meio. O autor refere que para ser uma boa mãe não é imprescindível a técnica, mas sim a atitude de desvelo, de preocupação, de identifi cação com as necessidades biológicas e psicológicas de cada bebê.

Já para os professores, é preciso mais que desvelo, boas intenções e experiência pessoal no contexto doméstico para que possam identificar-se com as necessidades de cada criança do grupo pelo qual são responsáveis. Precisam de formação específi ca para interagir e realizar com segurança os procedimentos mais adequados para cada criança no contexto coletivo. Dar conta de integrar cuidados individualizados com intencionalidade e intervenções educativas orientadas pelo projeto pedagógico. Para isso é preciso conhecer com mais profundidade como se dá o processo de construção, pela criança, da consciência de si e do outro, base da sociabilidade.


2 Sociologia e Antropologia, de Marcel Mauss. São Paulo: Cosac Naif, 2003.
3 Localização da psique no corpo. In: Natureza humana, de Donald Winnicott. Rio de Janeiro: Imago, 1990. p. 143.
Aprendizagem de si na interação

Como o bebê humano nasce imaturo, ele é dependente do outro para identifi car e atender às diversas necessidades corporais e manter-se seguro, íntegro, confortável, nutrido. Ao mesmo tempo, cresce e desenvolve conhecimentos e habilidades para cuidar de si, do outro e do ambiente, para brincar, interagir e usar ou produzir bens culturais.

Em que pese esse conhecimento ter sido construído no âmbito dos estudos sobre desenvolvimento humano, na Educação Infantil é comum atribuir à demanda de constantes cuidados corporais dos bebês e das crianças menores de 3 anos um elemento difi cultador da execução do projeto pedagógico. Consideramos este um dos equívocos originados por uma concepção de educação e de cuidado restrita, com base no modelo tradicional. Embora a autonomia no cuidado de si seja uma das premissas na Educação Infantil, esta é construída cotidianamente nas interações estabelecidas no processo de cuidado e educação das crianças, desde o nascimento.

Reconhecemos que as primeiras aprendizagens da criança são relativas a si própria, à sua diferenciação do outro e do meio. Inclui-se aqui a percepção, a atenção, a memória sobre as sensações do próprio corpo, do que dele sai e nele entra, que forma a base da noção de eu simbólico ou psíquico. Enfim, conhecimentos que levam à construção da identidade. Sendo assim, o professor deve compreender que a sua responsabilidade inclui todos os momentos e espaços nos quais a criança interage, além da “sala de aula”.

A noção de consciência corporal é construída gradativamente pela criança na relação com o outro que faz a mediação entre ela e o meio, e depende tanto das interações com o familiar e com o professor que cuida constantemente dela, como do desenvolvimento neurológico e do estado de saúde da criança.

O cuidado do bebê tem história

Ocupar-se das necessidades corporais de outras pessoas é atribuição dos profissionais de enfermagem ou das várias ocupações que se dedicam à prestação de serviços de cuidados pessoais, como as babás. Os cuidados sempre foram atribuições das mulheres que os realizavam no contexto doméstico e sem remuneração até o movimento feminista possibilitar-lhes outros papéis sociais.4

O conhecimento sobre as atitudes e técnicas de cuidado humano foi construído inicialmente pelas mulheres e transmitido entre as gerações. Por isso esse conhecimento nem sempre é reconhecido como tal, mas naturalizado e considerado um instinto feminino, como se fosse inerente à biologia do sexo e não à socialização das mulheres. E são as mulheres que fundam as profi ssões do cuidado, como a de enfermagem, e ocupam na sociedade as funções de cuidadoras leigas, como as babás.

Nas creches, a maioria das trabalhadoras foi e é do sexo feminino. As primeiras creches brasileiras surgiram nas indústrias que empregavam mulheres ou em entidades filantrópicas que atendiam os filhos das próprias empregadas domésticas ou babás. Essas instituições, privadas ou filantrópicas, continuaram contratando babás ou pajens para cuidar e educar as crianças. Após 1970, na cidade de São Paulo, foram implantadas as primeiras creches públicas, e em 1973 foram publicados alguns protocolos para orientar cuidados e atividades com as crianças, entre eles as atitudes e técnicas para a troca de fraldas. O foco era a segurança física e afetiva com o bebê, e também a higiene, evitando-se acidentes, dermatites e infecções. Embora já se enfatizasse a importância da relação entre o cuidador e o bebê, sobretudo nos momentos de cuidado individualizado, não havia, na época, uma reflexão sobre o processo de aprendizagem das crianças associado ao processo de ser cuidado pelo outro. A programação pedagógica da época focava atividades nos intervalos dos cuidados.5


4 Cuidado e cuidadoras: as várias faces do trabalho do Care, de Helena Hirata e Nadya Araujo Guimarães. São Paulo: Atlas, 2012.

Na década de 1980 surgem os primeiros cursos de “berçaristas” que também enfatizavam os cuidados corporais, a relação afetiva, a higiene, mas sem associá-los ao processo de aprendizagem e desenvolvimento infantil.

Com a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), de 1996, inicia-se um intenso processo de mudança na organização das creches, uma vez que estas passam a ser reconhecidas como espaços educativos e, portanto, com as crianças sob responsabilidade dos professores. Para doxal mente, é a partir desse momento, de melhor qualifi cação dos profi ssionais de creche e aprimoramento da qualidade do serviço, que se inicia uma polêmica, ainda não superada, sobre a quem compete continuar executando os cuidados de higiene.

Trocar fraldas: função do professor?

No Referencial Curricular Nacional de Educação Infantil publicado em 1998 e nas Diretrizes Curriculares Nacionais publicadas em 2009 está claro que todos os cuidados com a criança fazem parte as ações educativas. Apesar disso, muitos professores estranham ter de assumir todas as ações que envolvem o cuidar, entre outras, a troca de fralda. Alguns argumentam: “Mas eu não estudei para isso!” Outros alegam não terem sido preparados durante o curso para executar as técnicas de higiene requeridas em ambiente coletivo.

Associado ao estranhamento e à falta de formação específi ca sobre o cuidado humano em contexto profi ssional, as instituições públicas ou privadas consideram muitas vezes dispendioso atribuir a alguém especializado, como o professor, o que consideram uma função menos nobre ou comum, como a troca de fraldas. Não seria mais econômico contratar um funcionário menos habilitado e com menor remuneração para higienizar as crianças?

Ao assumir esse tipo de organização, a instituição educativa ensina as crianças e compartilha com os familiares a concepção de que o trabalho manual e “sujo” deve ser delegado às pessoas menos qualificadas e com menor remuneração, ou seja, há uma clara divisão do processo de trabalho manual e intelectual.6


5 São Paulo, Secretaria de Bem-Estar Social. Projetos Centros Infantis. Programação de Saúde. PMSP. São Paulo, 1973.
6 Este modelo foi instituído por Frederick Taylor, autor da teoria sobre a “administração científi ca do trabalho” implantado nas indústrias no início do século XX. Para Taylor a divisão hierárquica do trabalho manual em relação ao trabalho intelectual seria mais eficaz e produtiva do ponto de vista econômico. As teorias de administração posteriores desenvolveram uma crítica a esse modelo, mesmo no planejamento e gerenciamento da produção de “coisas”, muito mais nos serviços que cuidam e educam de pessoas.

De acordo com esse modelo de organização e divisão do trabalho, o cuidado, por ser manual, poderia ser classifi cado como um trabalho fragmentado, delegando-se as tarefas menos nobres para pessoas com pouca instrução. Afi nal, o conhecimento de cuidar foi construído artesanalmente pelas mulheres, de forma gratuita, doméstica, em seus papéis sociais próprios do gênero feminino, baseado nas relações afetivas entre mãe-fi lho, avós-netos, tias-sobrinhos ou na caridade das mulheres consagradas. Por isso, ao ser institucionalizado, muitos entendem que pode continuar sendo realizado com base apenas no conhecimento intuitivo.

Antes de a mulher conquistar direitos e integrar-se ao mundo do trabalho, elas ocupavam a maior parte do seu tempo na socialização primária das crianças no âmbito da família ou das residências onde trabalhavam. As crianças começavam a frequentar a escola já em condições de cuidar da própria higiene pessoal. Contem po raneamente, as crianças são socializadas simultaneamente na família e na creche, muitas vezes permanecendo sob cuidado dos professores em período integral, demandando deles novos saberes e fazeres.

A Educação Infantil traz para o debate público o que antes era privado, a educação e o cuidado dos bebês. Isso implica refl exões sobre o que significa educar bebês, e sobre o papel do cuidado no desenvolvimento humano, bem como sobre a quem compete o trabalho “sujo” em relação ao que é considerado trabalho “limpo” e suas implicações nas relações sociais. Segundo Hughes7, o trabalho “sujo” compreende não apenas os ofícios ou as atividades complexas que se procura “não fazer”, mas, se possível, delegar a alguém em posição socioprofissional hierarquicamente inferior. Temos refl etido se é essa classificação e suas implicações psicossociológicas que se expressam na demanda pela insistência de alguns professores em usar luvas durante a troca de fraldas e mesmo durante o banho das crianças. Eles argumentam que temem “pegar doenças das crianças” mesmo quando informados de que a forma de transmissão das doenças mais comuns entre as crianças que frequentam creches ou os procedimentos realizados não justificam esse equipamento de proteção.

Reiterando, trocar as fraldas de uma criança pode parecer um cuidado simples, prosaico, que não requer conhecimento ou habilidade especial. Entretanto requer, antes de tudo, predisposição para o cuidado humano, para lidar com as emoções suscitadas pelo contato corporal direto e com todas as suas secreções, em uma intimidade diferente daquela estabelecida nas relações parentais. Requer o desenvolvimento de habilidades para comunicar-se e para tocar e manusear o corpo do outro com segurança e respeito e também conhecimento e habilidade técnica para evitar a contaminação de outras regiões corporais pelas fezes da própria pessoa que necessita desse cuidado, do ambiente e de si próprio. Requer também preparo técnico e emocional para lidar com algumas eventuais alterações do estado de saúde da criança no decorrer do dia, quando de repente a criança manifesta uma diarreia ou uma “dermatite de fralda”, o que pode demandar outras técnicas de cuidado compartilhadas com a família e com os profissionais de saúde que a assistem.

Entretanto, consideramos que a principal qualificação seria a disponibilidade para interagir com a criança e cuidar dela com postura ética, lúdica e afetiva. Essas competências também não são “naturais”, mas construídas no processo de formação dos professores.


7 Division du travail et rôle social: le regard sociologique, de E. Hughes. Editions de l’Ehess, 1956. Apud Ética e trabalho do Care, de Pascale Moliner. In: Cuidado e cuidadoras: as várias faces do trabalho do Care, de Helena Hirata e Nadya Araujo Guimarães. São Paulo: Atlas, 2012. p. 29-43.
As emoções do cuidar

O cuidar do outro é permeado por emoções ou afetos. Afeto no sentido amplo do termo, tanto aqueles considerados “positivos” (dedicação e preocupação com as necessidades do outro e a alegria e o prazer de constatar a satisfação de quem está sendo cuidado), quanto os afetos considerados em nossa cultura como “negativos”, como uma possível repulsa em relação aos dejetos e odores eliminados pelo corpo do outro. Entre essas emoções, temos o nojo.

O nojo, segundo o Grande Dicionário Houaiss da língua portuguesa, é o sentimento de repulsa que algo desperta num indivíduo, que o faz evitá-lo, não querer tocá-lo; repugnância, asco. Trata-se, portanto, de uma emoção que, como todas, são reações corporais, muitas vezes impossíveis de serem negadas, embora possam ser compreendidas e controladas.

Recorrendo mais uma vez a Wallon, o nojo seria uma manifestação da consciência orgânica nas suas relações com os outros. Está associado à noção de identidade – temos nojo daquilo que consideramos estranho a nós, ou seja, daquilo ou da pessoa que não consideramos parte do nosso mundo, do nosso eu, ou que pode ameaçar nossa integridade psicofísica.8

Durante a construção da noção de corpo próprio podem surgir influências recíprocas, assim como conflitos entre espaço subjetivo e espaço objetivo. É o caso, por exemplo, da extensão da sensibilidade íntima a objetos exteriores considerados como parte do corpo. O que se destaca do corpo – os restos, os excrementos – suscita nas crianças pequenas um certo interesse que parece exprimir o prolongamento delas naquilo que se destaca, naquilo que elas expulsam. Porém, só os nossos restos e excrementos nos interessam, pois, quando veem de outros, nos repugnam, pelo menos até o momento em que o nojo se estende às nossas produções, sob efeito da reciprocidade em relação ao que não se tolera nos outros, e, portanto, de si mesmo.

O contato corpo a corpo de várias crianças, de diversas classes sociais, implica troca afetiva intensa com cada criança, e que ao fi nal do dia, do semestre ou do ano letivo, irão para casa ou para outro grupo. Os filhos crescem, mas, na escola as crianças se sucedem dia a dia, ou seja, sempre permanecem mais ou menos na mesma faixa etária, pois ao saírem alguns chegam outras da mesma idade. O processo de cuidado da criança tanto pode ser prazeroso e alimentar o trabalho do docente, como, dependendo de sua visão de mundo e da forma como está organizado, constituir-se em uma tarefa desgastante. No processo formativo do professor é importante que o coordenador favoreça a expressão desses sentimentos, acolha-os e apoie-os.


8 As premissas psicofi siológicas da consciência corporal. In: As origens do caráter da criança, de Henri Wallon. São Paulo: Nova Alexandria, 1995.

Negar esses sentimentos, e, portanto, não refletir sobre eles, pode deixar os professores solitários diante de certas tarefas para as quais não foram formados, portanto sem terem desenvolvido atitudes e procedimentos que servem não apenas para proteger as crianças, mas a si próprios, seja física ou emocionalmente.

Observa-se, nas demandas dos professores em cursos de formação ou nos sites especializados em Educação Infantil, que esse tema tem sido negligenciado, pouco debatido. Acreditamos que isto justifica o fato de observarmos com frequência comportamentos que poderiam ser interpretados como resistência por parte dos professores. Por exemplo a difi culdade em aprenderem que o uso da luva de forma indiscriminada e sem técnica correta pode resultar em uma falsa proteção. De que os professores precisam se proteger?

Luva, para quê?

Do ponto de vista microbiológico, pode-se afirmar que os vírus e as bactérias presentes nas fezes das crianças não entram através da pele íntegra das mãos. Entram sim pela boca do professor, caso este não lave as mãos após a troca e inadvertidamente as leve à boca ou aos alimentos antes de serem ingeridos, seja com as mãos enluvadas ou não. A luva não substitui a lavagem de mãos e somente seria indicado no caso de as fezes conterem sangue e serem tocadas diretamente por um professor que tenha lesões abertas nas mãos. Mesmo explicando esse fato, informando com vídeos e visitas ao Museu de Microbiologia, alguns professores resistem e alguns compram luvas destinadas à proteção de contato com substâncias químicas, como as tintas usadas em salões de cabeleireiro, portanto inadequadas, às vezes de cor preta, para trocarem as fraldas e darem banho nas crianças. Por que essa resistência?
O que não foi atingido pela explicação científica concreta?

Talvez as emoções ambíguas das relações humanas no cuidado com o corpo do outro. Lidar com as secreções e com a vulnerabilidade humana nos remete à nossa própria vulnerabilidade, o que pode ser psiquicamente insuportável do ponto de vista social e psicológico. Entretanto, o conhecimento humano possibilita lidar com essas contradições e superá-las no sentido de alcançar o cuidado ético, ou seja, o melhor cuidado para as crianças.

Jogos de alternância

Em geral, as crianças, em seu início na creche, têm uma história de cuidados prestados no contexto doméstico. Elas já trazem conhecimentos construídos no processo de cuidado e de educação familiar ou até mesmo em outra instituição, e o professor precisa observá-las, dar tempo para elas expressarem suas necessidades e colaborarem no processo do cuidado de si mesmas. Assim, é preciso considerar “os conhecimentos prévios” da criança construídos fora e dentro da instituição, expressos na postura corporal e gestos, na mímica facial ou palavras, durante a troca, para então, a partir deles, estabelecer novas relações e construir novas aprendizagens, sempre valorizando o protagonismo da criança no cuidado de si própria.

A interação estabelecida entre o professor e cada criança pode ser muito prazerosa, resultando numa alternância de gestos e expressões, o que Wallon denominaria de jogos de alternância. Alternância de movimentos e gestos, como em uma dança entre o professor e a criança no qual ora um conduz, ora o outro, em um ritmo construído pela dupla.

É nessa “dança” afetiva que é preciso investir, valorizando o momento da troca de fralda como um processo de riqueza interativa.

Procedimentos padronizados, um modo de priorizar a relação

A formação inicial para preparar o educador para a troca de fraldas conforme princípios do CEDUC inicia-se com estudo dos conceitos e pela descrição teórica dos procedimentos, o passo a passo, de acordo com as técnicas previstas pelos especialistas e educadores, esclarecendo as dúvidas.

A realização dos procedimentos práticos ocorre em uma das seis unidades, iniciada pela demonstração com bonecos pela enfermeira da mesma unidade. Essa fase é documentada em fotografias para registro do processo formativo e posterior avaliação e compartilhamento das experiências com outras unidades.

Após essa primeira etapa a educadora nova insere-se na sua unidade, mas ainda observando e interagindo com as crianças em sala e nos ambientes de cuidado, com foco na construção de vínculos com as crianças, familiares e equipe. Iniciará os primeiros cuidados diretos com as crianças sob supervisão de uma educadora mais experiente. Nesses momentos o supervisor/formador avalia com a
nova profissional sua relação com as crianças, as habilidades nos procedimentos e esclarece dúvidas, até que ela se sinta segura e integrada ao grupo para, então, desempenhar os procedimentos sem a tutoria constante das colegas de trabalho.

Tanto a enfermeira quanto a educadora (líder) do grupo continuam responsáveis por garantir que os valores envolvidos nos procedimentos não se percam no dia a dia. Nas unidades CEDUC, todos os profi ssionais são constantemente convidados a refl etirem sobre a própria prática e reverem suas atitudes no âmbito educacional. Essas reflexões acontecem nos encontros para estudos com toda a equipe, em reuniões em pequenos grupos ou ainda em encontros individuais. Os recursos podem ser avaliação de fi lmagens do cotidiano, aprofundamento de estudos dos conceitos sobre cuidar e educar, acompanhamento e orientação diretamente em campo, durante a execução dos procedimentos.

Discutir as questões do cotidiano com os integrantes da rotina da instituição é fundamental para, de fato, dizer aos profi ssionais que eles fazem parte de todo o processo educativo: desempenho de procedimentos, tomada de decisões, organização da rotina de trabalho; enfim, signifi ca valorizar cada adulto que lida com a criança no seu processo de trabalho como profi ssional importante para a instituição.
Fabiana Diniz, Heloisa Santos de Souza e Elaine Barros. Enfermeiras do CEDUC.

Posted in Revista Avisa lá #56.