Muitos mundos numa única sala

Poderosa ferramenta de trabalho com as crianças pequenas, a organização de cantos de atividades diversificadas ainda não é uma prática usual no brasil, apesar de antiga em outros países. As instituições que experimentam a proposta obtém resultados significativos

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Os cantos de atividades diversificadas são uma modalidade de organização do espaço e do trabalho que oferece várias possibilidades de atividades ao mesmo tempo, de modo que as crianças possam escolher onde estar e o que fazer. Tais momentos são diários e acontecem por um período delimitado, entre 40 e 60 minutos. Esses cantos consideram a necessidade de acesso, por exemplo, a brinquedos e atividades de expressão plástica, sendo seguidos e/ou precedidos de outras formas de organização do tempo didático, incluindo atividades tais como roda de história, leitura, lanche, parque e também projetos e seqüências que possuem objetivos específicos de aprendizagem.

No Centro de Educação Infantil (CEI) da Mina, no bairro de Heliópolis, na cidade de São Paulo, há uma preocupação tanto com a constância como com a inovação das propostas oferecidas nos cantos de atividades diversificadas, para que estes sejam sempre convidativos e contemplem muitas oportunidades de construção de conhecimentos. Não faltam, assim, no planejamento atividades lúdicas voltadas à interação entre as crianças e objetos, como um aconchegante canto de leitura, mesa com propostas artísticas, espaço de faz-de-conta e jogos.

Espaço para autonomia
O saudável trânsito da turma pela sala, proporcionado por esta modalidade de organização, é um momento privilegiado de exercício da autonomia infantil. A criança aprende a escolher e tomar decisões, responsabilizando-se por suas opções, contando consigo própria e tendo amigos – e não somente o professor – como parceiros de troca. O interessante deste modelo de organização é a simultaneidade de propostas. Os rumos do aprendizado ficam mais nas mãos das crianças. Em geral, tudo funciona bem sem a necessidade de um direcionamento maior do adulto. O trabalho com cantos não constitui apenas um momento de aprendizagem da criança, mas também do professor, que aprende a segurar seu impulso de sempre controlar a situação.

De toda maneira, o professor não deixa de garantir seu papel de coordenador do grupo, na medida em que escolhe a forma de constituir o espaço e propõe desafios ao grupo. A arrumação da sala em cantos de atividades proporciona também um importante aprendizado para as crianças, o da transformação do próprio ambiente e da descoberta de que muitos mundos cabem numa única sala de aula! As possibilidades são variadas e mutantes:

  • Virar as mesas ao contrário e enrolar um pano em volta para formar um barco.
  • Empilhar uma mesa virada ao contrário sobre outra e passar um barbante circundando os pés da mesa virados para cima, para fazer uma barraca de feira.
  • Colocar almofadas aconchegantes num canto para ler.
  • Delimitar um pedaço de chão com caixotes para fazer uma pista para arremessar bolinha de gude sem deixar que se espalhem pela sala.
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No Cantinho da Leitura, as crianças entram no universo da escrita e descobrem o prazer de ler cada livro

Quantos cantos?
Uma média de cinco a seis crianças em cada canto é um bom número. Sendo assim, uma sala de 30 crianças poderá ter de cinco a seis cantos com propostas diferentes. Este número é uma sugestão, cada professor deve decidir na situação qual é o melhor número, dependendo da situação. Num canto com apenas um jogo para quatro jogadores, já está dado o limite de crianças na área. Se o canto da massinha, por sua vez, é muito procurado, deve-se propor uma mesa grande com espaço para 8 a 10 crianças durante um determinado período. Observar constantemente o interesse das crianças é necessário para replanejar propostas e não cair numa rotina acomodada sem desafios.

Em algumas escolas, uma vez por semana, são feitos um ou dois grandes cantos em cada sala. Por exemplo: um local bem montado de supermercado, com embalagens, sacolas plásticas, caixas de papelão que servem como carrinhos de supermercado, caixas registradoras e leitores ópticos improvisados com sucatas. Os professores deixam as crianças circularem pelas salas, havendo integração entre as crianças de diferentes idades. Neste caso, por serem amplos, os cantos contemplam um maior número de crianças. Nos outros dias da semana, as ambientações ocorrem nas próprias salas, sem integração com os demais grupos de diferentes idades. O CEI da Mina experimentou esta forma de organização e avalia o aprendizado nestas situações como muito positivo e instigante.

De olho no relógio
O tempo de permanência das crianças nos cantos está ligado à grade de horários da escola. Afinal, os pequenos precisam experimentar diferentes propostas: momentos mais coletivos, individuais, em pequenos grupos, em duplas. Deve ser um tempo que permita a exploração e dedicação em algumas atividades, na medida certa do interesse da criança. É sempre bom terminar uma atividade com gosto de “quero mais” para o dia seguinte. Ter uma constância de propostas que vão sendo incrementadas ao longo dos dias ajuda as crianças a aprenderem a aprofundar seus conhecimentos, tanto no que diz respeito à natureza lúdica das propostas, quanto à natureza de conhecimento que os objetos e as interações proporcionam.

Em algumas instituições educativas, professores acham que podem substituir um espaço diário desta proposta por um único dia da semana inteiro com cantos ou ainda utilizando mais tempo em apenas dois dias da semana. É melhor a constância da proposta e em menor tempo, mesmo porque há tantas outras atividades necessárias no dia a dia. Vale intercalar momentos nos quais a condução da sala é realizada pelo professor (quando há uma intencionalidade específica do ensino e da aprendizagem, com propostas mais dirigidas) com outros nos quais crianças e professor compartilhem as ações.

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Algumas crianças brincam de dar comidinha aos seus “filhinhos”

“O que vão dizer”
Este questionamento é comum quando professores começam a trabalhar com cantos. Aqui há dois aspectos a serem contemplados. Primeiro: se o professor realmente acredita na proposta, precisa também cuidar de informar aos pais e à comunidade o porquê de suas ações educativas. Segundo: precisamos desmistificar a cisão brincar/aprender. Ou se brinca ou se aprende… por que não os dois? Por que não integrar aspectos formais e informais na escola, considerar tanto o processo como o produto?

É preciso, com base no Referencial Nacional Curricular de Educação Infantil1, lembrar que o brincar perpassa tanto o conhecimento de mundo quanto a formação pessoal e social. Para a diretora Rosangela Santos Barbosa e a coordenadora pedagógica Ana Hélia S. Santos, do CEI da Mina, esta forma de organização precisa ser trabalhada não apenas com as professoras, como também com os pais, para que conheçam o embasamento da proposta. Há que se trabalhar momentos de planejamento com a equipe para que todos os educadores percebam a potencialidade e a condição das crianças em se apropriar do espaço da sala e aprender a compartilhar momentos de convivência sem ter unicamente no adulto a condução das ações. Os professores aprendem a confiar mais na organização das crianças, na sua possibilidade de pensar e agir. Aprendem, sobretudo, a não subestimar as capacidades infantis. É importante que o coordenador e o diretor se engajem neste trabalho tanto para levar sua equipe de educadores a pensar propostas desafiantes, como para incluir os pais. Gravar em vídeo momentos de cantos ressaltando a autonomia das crianças, fotografá-las nestas atividades, expor as fotos em um painel com legendas, escrever textos informativos são excelentes formas de incluir os pais no projeto educativo da escola, até mesmo em campanhas para ajudar na montagem dos cantos.

No Canto do Faz-de-Conta, pais pedreiros, por exemplo, podem ajudar a pensar formas de representar sua profissão na escola. Trena, pá de pedreiro encapada com EVA2 para não oferecer perigo, baldes e muitas caixas de leite envolvidas com jornal para que fiquem rijas. Tudo isso pode formar um kit para brincar de pedreiro. Convidar o pai em questão para falar de seu trabalho pode também incrementar o faz-de-conta.

Saídas criativas
Mais do que material, são necessárias propostas e idéias para compor os cantos. A educadora Maria do Socorro Feitosa, do CEI da Mina, por exemplo, nos ensina o que podemos fazer com caixas de papelão (ver abaixo). Quem vê hoje os cantos convidativos desta instituição não pode imaginar como era antes. A diretora e a coordenadora do CEI da Mina assumem que consideravam não ter condições financeiras para oferecer às crianças propostas instigantes nos cantos. Hoje, Rosangela e Ana riem desta observação ao verem quanto estão modificando os espaços das salas. Lembram de quando tiveram formação com a equipe do Instituto Avisa Lá e assistiram ao vídeo “Prá que Canto eu Vou?”3, que trazia ricas situações de cantos de atividades organizados com diferentes materiais. Comentaram que achavam que a creche do filme devia ser muito rica, mas, quando souberam que a instituição também passava por dificuldades, se animaram. Novas saídas foram encontradas: idas a sebos para adquirir livros mais em conta, campanhas para arrecadação de material, oficina de construção de brinquedos e jogos e, sobretudo, contar com uma formação continuada dos educadores que apóia soluções criativas para ampliar as possibilidades de trabalho com as crianças.

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Muita criatividade, papelão e cola se transformam em um divertido armário de cozinha ou um microondas

Educador atuante
Aprender a gerir o espaço e saber cuidar dos materiais de uso coletivo é um desafio para as crianças. No início, é o adulto quem dá o norte para esta organização, mas deve incluir gradativamente as crianças no aprendizado. Nesse sentido, rodas de conversa prévias e posteriores à organização ajudam as crianças a irem construindo autonomia no uso do espaço coletivo. Observar e registrar estes momentos de cantos diversificados, bem como construir portfolios com as diferentes propostas que dão certo no dia-a-dia educativo são atitudes que ajudam a construir um olhar mais apurado para as necessidades das crianças.

O professor precisa tomar cuidado para não escolarizar as propostas na configuração do ambiente. Lembrar que a disposição das carteiras, por exemplo, deve ser mudada: arrastadas, empilhadas, mesas cobertas com tecidos viram cabanas ou divisórias de ambientes e assim por diante. Numa casinha de faz-de-conta, uma simples toalha em cima da mesa já tira o ar de carteira escolar. E por que não usar mais o chão com pistas de carrinhos, construção, esteiras ou almofadas para leitura? Sobretudo deve-se olhar para que direção vai a brincadeira das crianças e o interesse nas atividades, fazendo-as participar, sabendo incluí-las cada vez mais na organização do ambiente, o que compreende, é claro, montar e desmontar os cantos. Todos ajudam nesta tarefa!

Uma forma de intervenção educativa é pensar na modificação do ambiente, concebendo-o como parte integrante do currículo, sempre com informações culturais. Quando se oferecem trenas e fitas métricas num Canto de Faz-de-Conta de Marcenaria, cria-se um contexto interessante para as crianças poderem usar estes instrumentos inventados para a medição. Também vale introduzir novos cantos e incrementar ainda mais os já existentes, pois certamente a procura pela novidade será intensa, causando disputas. Assim, se um professor leva pela primeira vez uma casinha de bonecas de papelão com cinco bonecas tipo manequim, é evidente que terá uma grande procura por este espaço. Sabendo disso de antemão, pode propor atividades instigantes: quem sabe numa das mesas deixar massinha com novos apetrechos, propor no Canto Faça Você Mesmo a construção de mobília para a casinha de bonecas, usando para isso tocos de madeira, cola, tecido, revistas que sugerem a decoração da mobília ou fazer nova casa de bonecas. De qualquer forma, quando acontece uma “superlotação” num dos cantos é preciso fazer combinados e ver uma forma de rodízio das crianças. Se há um jogo novo que todos querem jogar, quem sabe estipular uma partida por grupo? Nada que uma boa conversa não resolva.

Outra dica importante é a delimitação dos espaços para que os materiais não fiquem dispersos ou espalhados. No CEI da Mina, por exemplo, há caixas para as crianças guardarem os materiais. Um simples pano no chão para colocar os livros permite o cuidado com os mesmos e ainda possibilita que as crianças possam se esticar em almofadas, esteiras, tapetes. No Canto do Faz-de-Conta, esta delimitação é particularmente importante para que haja a possibilidade de aprofundamento na brincadeira com espaços que também tragam informações culturais. Não é à toa que chamamos de cantos, e não centros: devem ser espaços mais reservados, onde não haja interrupção ou muita circulação. Um faz-de-conta organizado no centro da sala ou próximo à porta de entrada tende a se desorganizar facilmente. Por isso, a necessidade de planejar bem os espaços.

(Adriana Klisys, Coordenadora da Caleidoscópio Brincadeira e Arte – www.caleido.com.br)

1O RCNEI é um documento que se constitui a partir das concepções de criança, infância e educação, e oferece diretrizes curriculares a todos que atuam na área de Educação Infantil. Volumes disponíveis no site www.mec.gov.br.
2O copolímero de etileno-acetato de vinila (EVA) é comercializado em formato de placas macias e sem cheiro e não é um material tóxico. Por ser material leve e de fácil manuseio vem sendo utilizado na fabricação de brinquedos, artesanatos variados e também na indústria de calçados.
3Vídeo produzido por Instituto Avisa Lá, com o apoio da IBM, por Adriana Klisys e Elza Corsi.

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Um banho de brincadeira

Mil Cantos

No CEI da Mina, os professores planejam diferentes cantos no decorrer da semana. A seguir, algumas propostas já desenvolvidas:

  • Canto de Jogos: trilhas, baralho, dados, pega-varetas, bolinha de gude, peão, cinco marias, jogos de construção tipo monta-tudo, pequeno engenheiro ou retalhos de madeira, Supertrunfo (jogo da Grow), jogo da velha na lousa ou qualquer outro jogo gráfico etc.
  • Canto de Faz-de-Conta: casinha, marcenaria, sorveteria, pizzaria, veterinário, lavanderia, escritório, carreto, navio pirata, nave espacial, uso de diferentes maquetes, tais como: cenários para dinossauros, fazendinha, casinhas para bonecas miniaturas, ambientes para super-heróis, pistas para carrinhos etc.
  • Canto Faça Você Mesmo: aqui o que está em jogo é a construção dos brinquedos: fazer teatro de sombra e personagens para brincar, confeccionar pipa, fazer massinha caseira, boneca de papel, iô-iô, aviãozinho, inventar novas formas de brincar de cama-de-gato etc.
  • Canto de Expressão Plástica: modelagem, desenho, pintura, recorte e colagem, impressão com carimbos, apreciação de livros e imagens de artes, caixas de imagens etc.
  • Canto de Leitura: deixar à disposição livros de literatura, jornais, revistas, gibis, etc. A equipe do CEI da Mina arrumou cantos de leitura com banquetas especiais, feitas com caixas de papelão cheias de jornal e encapadas e decoradas para servirem de uma espécie de sala de estar de leitura.
  • Canto da Curiosidade Científica: pode ser recheado com matérias instigantes sobre assuntos de natureza e sociedade que estão sendo estudados, ou então, que digam respeito à curiosidade infantil. Fichário com coleções de cartões-postais de diferentes países e regiões brasileiras, guias turísticos, revistas de viagens, livros sobre animais, paisagens, globo terrestre, lupas e outros materiais de pesquisa podem estar à disposição nestes momentos.

Montagem da pia de papelão

avisala_29_cantos7Confeccionada pela Profa Maria do Socorro Feitosa – CEI da Mina

Material utilizado:

  • Caixas de papelão para a base da pia;
  • Papel pedra para dar efeito de pia;
  • Latas de massa de tomate com tampa;
  • Estilete;
  • Cola branca;
  • Tesoura;
  • Revólver de cola quente;
  • Jornais para revestir a pia;
  • Tampinhas de tubinhos de filme para os puxadores;
  • Folhas de papel branco para o acabamento da pia e dos pés.
  1. A Base da pia é uma caixa de cesta básica. A educadora usa uma caixa de sapatos para riscar a parte superior da pia.
  2. As laterais da caixa são colocadas para cima e são fixadas com cola quente, assim como os pés. Tudo é revestido com jornal para dar sustentação.
  3. A tampa da pia é revestida com papel pedra, o restante com papel branco e os puxadores, são feitos com as tampinhas de tubos de filme fotográfico, colados com cola quente.
  4. Veja a pia pronta. O fogão segue esquema semelhante.

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Ficha técnica

Responsabilidade Técnica: Instituto Avisa Lá
Realização: Centro de Educação Infantil Mina/Unas – Rua da Mina no 53 – Heliópolis – Telefone (11) 2272-2827 – Site: www.unas.org.br
Diretora: Rosangela Santos Barbosa
Coordenadora Pedagógica: Ana Hélia da Silva Santos
Educadoras: Aleksandra, Antonia, Danila, Fabiana, Francilene, Gilnei, Luciana, Keila e Socorro.
Apoio: Nestlé Brasil Ltda. Site: www.nestle.com.br

Para saber mais

Livros

  • A criança em ação, Mary Hohmann, Bernard Banet, David P. Weikart. Fundação Calouste Gulbenkian. Tel.: (21) 2221-6213
  • “A instituição e o projeto educativo” in Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil: Movimento. MEC, 1998. Arquivos disponíveis no site: www.mec.gov.br.
  • “Espaços Educacionais e de Envolvimento Pessoal”, in As Cem Linguagens da Criança. Carolyn Edwards, Lella Gandini, George Forman. Ed. Artmed. Tel.: 0800-703-3444.
  • “Organização do Espaço em Instituições Pré-Escolares” in Educação Infantil: Muitos Olhares – org. Zilma Morais R. de Oliveira. Ed. Cortez. Tel.: (11) 3864-0111
  • “Organização dos Espaços na Educação Infantil” – cap. 11, Lina Iglesias Forneira in Qualidade em Educação Infantil – Zabalza, Ed. Artmed. Tel.: 0800-703-3444.
  • “Os tantos visuais que cabem no espaço da sala de aula”. In: Quem educa quem?, Fanny Abramovich. Ed. Summus.Tel.: (11) 3872-3322 300 Propostas de Artes Visuais, Ana Tatit e Maria Silvia Machado. Edições Loyola. Tel.: (11) 3242-0449
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