Mira a poesia!

Neste projeto, a professora aproveita o repertório de poesias que o grupo está aprendendo para diferentes atividades de leitura e escrita. As crianças de 5 anos aceitam o desafio, com interesse e curiosidade, como vemos a seguir
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“Guardar uma coisa não é esconder ou trancá-la.
Em cofre não se guarda nada.
Em cofre perde-se a coisa de vista.
Guardar uma coisa é olhá-la, mirá-la, por admirá-la, isto é, iluminá-la ou ser por ela iluminado.”
(Antonio Cícero)

Nestes versos do poema “Guardar”, de Antônio Cícero, encontrei a forma de expressar o meu encantamento com as poesias. Foram muitos os momentos em que “guardei” estas crianças tão especiais com que tenho trabalhado, olhando e admirando cada comentário, cada conquista, cada aprendizado. O semestre terminando, as férias chegando e eu começo a sentir saudades dos muitos sorrisos, beijos, carinhos, brincadeiras e também travessuras que tornam as nossas tardes tão gostosas. O envolvimento de todos com cada proposta, com cada projeto, foi muito significativo; acho que justamente por isso é que pudemos aprender tanto!

Durante todo o semestre as crianças tiveram a oportunidade de trabalhar com diferentes textos: leram e produziram textos informativos sobre a Idade Média, escreveram registros de pesquisa e bilhetes solicitando a ajuda dos pais sobre o assunto estudado, decoraram e recitaram várias poesias para serem declamadas em nosso sarau que, aliás, foi um sucesso! Essa participação das crianças em situações reais de leitura e escrita se constitui numa experiência fundamental de letramento: no contato com leitura as crianças constroem saberes sobre o mundo da escrita antes mesmo de estarem alfabetizadas. A escrita logo se torna alvo de interesse e investigação da criança, que passa a refletir e formular hipóteses sobre esse objeto.

As crianças lêem poesias
As poesias são textos curtos que chamam a atenção das crianças, pois sugerem emoções por meio de uma linguagem em que se combinam sons, ritmos e significados, dando-lhes um aspecto lúdico. Foi muito significativo para mim o fato de ter podido introduzir as crianças no mundo da leitura e escrita também por meio das poesias.

Várias foram as atividades que proporcionaram a elas a criação de estratégias de leitura e o pensar sobre a linguagem que se escreve. A proposta que descreverei a seguir foi realizada várias vezes, com poesias diferentes. Apresentei para as crianças uma folha com quatro palavras escritas, que faziam parte da poesia de Nelson Albissú intitulada “O Gato”. Li, sem apontar para onde estava escrito: LEITE, ENFEITE, GATO, TAPETE. Como o grupo já havia recitado várias vezes a poesia e a tinha de memória, desafiei as crianças a pensar sobre como se escreviam aquelas palavras. Pedi que recortassem as palavras que haviam escrito e as colocassem nos espaços vazios da poesia que tinham em mãos, completando assim o texto.

Foi muito interessante observar que algumas crianças utilizaram na leitura a hipótese silábica que usam para escrever, fazendo relacionar uma letra para cada sílaba. Giovanna, diante da palavra ENFEITE, disse:
– Aqui está escrito LEITE. Começa com E.
– Mas ENFEITE também começa com E – disse Gabriela.
– Mas ENFEITE e LEITE começam iguais? – perguntei.
– Não! – protestou Felipe. – LEITE começa com L, igual o LEON do ano passado.
– Então neste aqui está escrito ENFEITE – concluiu Júlia.

Rodolfo estava na outra mesa e identificou a palavra TAPETE. Perguntei como sabia e ele explicou:

– Porque tem o A depois do T e eu sei que tapete começa com T!
– Sabe por que TAPETE é este? – explicou Gabriela. – Começa igual TAIS, que é com essa mesma letra!
– Aqui é GATO porque começa igual o meu nome…GABRIEL! – disse o próprio Gabriel.

Para ele faltava apenas descobrir onde estava escrito TAPETE. Ficou olhando para a palavra por algum tempo e perguntou:
– Não tem nenhuma palavra que começa com A de TAPETE. Ou não começa com A… e essa? Começa com T? – respondeu, finalmente, mostrando uma importante descoberta.

As relações que as crianças estabelecem com a escrita de nomes que já conhecem (dos amigos da sala, dos familiares e o seu próprio) ajudam a construir indícios de leitura para outras palavras e, por isso, em atividades desse tipo mencionam vários nomes e conseguem “ler” o que está escrito.

Sempre que terminavam, acompanhando com o dedo, as crianças liam toda a poesia. Mesmo não estando alfabetizadas, puderam realizar a “leitura”, ajustando o que estava escrito ao que estavam falando, uma vez que já haviam identificado as quatro palavras e já sabiam a poesia de cor.

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“O Gato
Cadê o gato
Que comeu o peixe
Depois que lhe dei
Uma xícara de leite?
Está belo e folgado
Com cara de enfeite
Todo satisfeito
Deitado no tapete”
(Nelson Abissú)

Crianças escrevem a partir da poesia
O trabalho a partir dos textos memorizados, como é o caso das poesias, também ajuda as crianças na escrita: como já sabem “o que” escrever, elas passam a pensar somente no “como” escrever. As rimas e repetições também colaboram nas reflexões sobre as regularidades da escrita.

Em uma outra atividade, pedi às crianças que escrevessem os nomes das “Meninas” da poesia de Cecília Meireles: ARABELA, CAROLINA e MARIA.

As meninas
Arabela abria a janela
Carolina erguia a cortina
E Maria olhava e sorria:
“Bom dia!…
Cecília Meireles1

Assim que entreguei a folha e expliquei o que precisava ser feito, as crianças, divididas nas mesas, falavam das letras que deveriam escrever. Nesses momentos, as trocas entre as crianças que têm hipóteses de escrita diferentes são muito importantes para que todas possam, na medida do possível e respeitando seus limites, avançar em suas hipóteses.

Caíque, por exemplo, assim como outras crianças, já sabe que o CA de seu nome é formado por duas letras. Então, na escrita do nome CAROLINA ele fez uso dessa informação: escreveu parte do nome convencionalmente e o restante da escrita foi silábica. O mesmo podemos notar na escrita do nome MARIA, devido ao MA do nome da amiga MARIANA:

AIL.
abria a janela.
AOIA.
erguia a cortina.
e MAI.
olhava e sorria:
“BOM DIA!”
AIAL
Foi sempre a mais bela.
AOIA
A mais sábia menina.
e MAIA.
APENAS SORRIA:
“Bom dia!”

Pensaremos em cada menina
Que vivia naquela janela
Uma que se chamava AIAL .
Outra que se chamou CAOIA .
Mas a nossa profunda saudade
É MAIA MAIA MAIA .
Que dizia com voz de amizade:
“Bom dia!”

AEMA
Abria a janela
CAOIA
Erguia a cortina.
E MARIA
Olhava e sorria.
“Bom dia!”
AEMA
Foi sempre a mais bela
CAOIA
A mais sábia menina.
E MARIA
Apenas sorria:
“Bom dia!”

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Ilustração a partir de desenhos de Lili e crianças da Creche Madre Camila I

Outra descoberta bastante interessante nessa atividade foi feita pela Mariana. Ela precisava escrever MARIA e perguntei-lhe se seu nome não poderia ajudá-la. Solicitei que pegasse sua tarjeta e perguntei onde estava escrito o MA. Inicialmente ela mostrou apenas o M, mas informei que para o MA era preciso das duas letras.

Seguindo este mesmo procedimento, ela descobriu até onde estava escrito MARIA. O espírito de solidariedade e cooperação está sempre presente neste grupo e é bastante comum observar uns ensinando aos outros o que acabaram de aprender. Mariana explicou para quase todas as crianças da sala onde estava escrito MARIA dentro do seu nome, mostrando parte por parte, imitando o mesmo procedimento que eu havia feito com ela.

Por isso, as meninas que estavam sentadas na mesma mesa escreveram MARIA convencionalmente. Essas foram algumas das atividades de um projeto que rendeu um belo sarau com a presença de pais, amigos e outras crianças da escola. Como se pode observar nessas atividades, as crianças escreveram e leram muito! Um exemplo de como é possível apreciar poesias, brincar com as palavras, ler, escrever e compartilhar o gosto pela literatura.

Atividades com texto lacunado para a criança completar uma palavra ou outra que falta, só faz sentido para crianças que estão aprendendo a escrever, quando sabem o texto de memória. Músicas, parlendas, rimas, trava-línguas, haikais são bons exemplos de textos que se prestam a essa mesma atividade.

(Denise Milan Tonello, Coordenadora pedagógica da Escola Nossa Senhora do Morumbi, na cidade de São Paulo)

1 Infelizmente não tivemos autorização para publicar a poesia na íntegra, mas ela está disponível no livro: Ou Isto ou Aquilo. Cecília Meirelles. Editora Nova Fronteira. Tel.: (21) 2131-1111.

Ficha Técnica

Realização: Colégio Nossa Senhora do Morumbi – Av. Giovanni Gronchi, 4000 – CEP: 05724-020 – São Paulo – SP Tel.: (11) 3742-5513 – E-mail: nsmorumbi@nsmorumbi.com.br – Site: www.nsmorumbi.com.br
Coordenadora Pedagógica na época do projeto: Regina Scarpa
Coordenadora Pedagógica do Colégio Nossa Senhora do Morumbi: Denise Milan Tonello – Há dois anos, quando escreveu o projeto, era professora de um grupo de crianças na faixa etária de 5 anos.

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Para saber mais:

Para ler com seus alunos:

  • Guardar. Antonio Cícero. Editora Record. Tel.: (11) 3331-6766
  • Poemas para brincar. José Paulo Paes. Editora Ática. Tel.: (11) 3346-3000
  • A arca de Noé. Vinícius de Moraes. Editora José Olympio. Tel.: (21) 2585-2060
  • Ou isto, ou aquilo. Cecília Meireles. Editora Nova Fronteira. Tel.: (21) 2131-1111
  • Não confunda. Eva Furnari. Editora Moderna. Tel.: 0800 17 2002
  • Uma cor, duas cores, todas elas. Lalau e Laurabeatriz. Cia das Letrinhas. Tel.: (11) 3707-3500
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