Câmara Cascudo nasceu no Rio Grande do Norte e lá viveu toda a sua vida. Viajando pelo Brasil, pode recolher muitas histórias que foram transmitidas de geração para geração, vindas de outras culturas. Algumas dessas histórias são muito parecidas com os causos. Embora não sejam narradas em primeira pessoa, são histórias inusitadas, fantásticas ou assustadoras como os causos, que muitas vezes servem para dar o exemplo.
A menina dos brincos de ouro
U’a mãe que era muito severa para os filhos fez presente a sua filhinha de uns brincos de ouro. Quando a menina ia à fonte buscar água e tomar banho, costumava tirar os brincos e botálos em cima de uma pedra. Um dia ela foi à fonte, tomou banho, encheu a cabaça e voltou para casa, esquecendo-se dos brincos. Chegando em casa, deu por falta deles e com medo da mãe ralhar com ela e castigá-la correu à fonte a buscar os brincos. Chegando lá, encontrou um velho muito feio que a agarrou, botou nas costas e levou consigo. O velho pegou na menina, meteu dentro de um surrão, coseu o surrão e disse à menina que ia sair com ela de porta em porta para ganhar a vida e que, quando ele ordenasse, ela cantasse dentro do surrão, senão ele bateria com o bordão. Em todo o lugar que chegava, botava o surrão no chão e dizia:
“Canta, canta meu surrão, Senão te meto este bordão.”
E o surrão cantava:
“Neste surrão me meteram, neste surrão hei de morrer, por causa de uns brincos d’ouro que na fonte eu deixei.”
Todo mundo ficava admirado e dava dinheiro ao velho. Quando foi um dia, ele chegou à casa da mãe da menina que reconheceu logo a voz da filha. Então convidaram o velho para comer e beber e, como já era tarde, instaram muito com ele para dormir. De noite, como ele tinha bebido demais, ferrou num sono muito pesado. As moças foram, abriram o surrão e tiraram a menina que já estava fraquinha, quase para morrer. Em lugar da menina, encheram o surrão de excrementos.
No dia seguinte, o velho acordou, pegou no surrão, botou às costas e foi-se embora. Adiante, em uma casa, perguntou se queriam ouvir um surrão cantar. Botou o surrão no chão e disse:
Canta, canta meu surrão / Senão te meto esse bordão.
Nada. O surrão calado. Repetiu ainda. Nada.
Então o velho meteu o cacete no surrão que se arrebentou todo e mostrou a peça que as moças tinham pregado no velho, o qual ficou possesso.
(Recontado por Nina Rodrigues – Contos Tradicionais do Brasil, Câmara Cascudo)
A Moça e a Vela
Minha filha – dizia sempre a mãe de uma moça que tinha por costume ficar à janela até as tantas da noite –, quem se deixa ficar à janela até alta hora vê coisas que não deve ver. Isso é exemplo dos antigos que sabiam mais do que nós.
– Qual o quê! – dizia a moça, nunca vi nada de espantar. Não tenho sono, não hei de dormir com as galinhas.
A mãe repetia-lhe sempre o conselho, mas a moça com quem ia às vezes falar o namorado, continuou com seu costume. Vai por uma vez estava a teimosa à janela, quando, ao soar a última badalada da meia-noite, viu aproximar-se-lhe uma figura, envolta num hábito muito branco, caminhando com passo apressado e trazendo, numa das mãos, uma vela acesa. A moça estava tão distraída, a pensar nos seus amores e naquele que esperava, que nem pavor sentiu. Foi como se não tivesse visto nada. O desconhecido saudou-a e, apagando a vela, pediu-lhe que lha guardasse até sua volta. Maquinalmente a rapariga foi colocar a vela sobre o leito e, quando voltou, já não encontrou mais o desconhecido. Nem se lembrou do conselho da mãe nem a aparição lhe causou o menor abalo. Continuou à janela toda preocupada com os seus pensamentos de amores. Às duas da madrugada, que é quando as almas penadas se recolhem, ela ainda estava apreciando a noite. O desconhecido chegou-se rapidamente e pediulhe a vela. A moça foi buscá-la ao leito, mas soltou um grito de horror. Em vez de vela, se lhe apresentou um esqueleto, estendido na cama. A caveira ergueu-se e foi, diante de seus olhos, saindo pela janela, como se fosse uma pluma. Desde esse dia a moça ficou pateta, rindo e chorando à toa, e foi exemplo a todas as filhas desobedientes, no lugar onde esse caso se deu.
(Recontado por Lindolfo Gomes – Contos Tradicionais do Brasil, Câmara Cascudo).